Migalhas de Peso

Afinal, cabe Tutela Provisória no Juizado Especial?

Diversas ações foram ajuizadas e muitas delas patrocinadas pelo nosso escritório de advocacia em praticamente todo o território nacional. Foi quando constatamos o óbvio, o Juizado Especial se tornou um ser estranho, com uma lógica de contornos similares ao sistema de loteria.

26/5/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

O título do breve texto optou pelo uso no singular para se referir ao polêmico Sistema dos Juizados Especiais. A faculdade no uso singular se dá por uma razão bem lógica: a rima no título ficou interessante, atrativa e cumpre com a finalidade de tornar as próximas linhas um assunto comum e de fácil compreensão – qualidades que deveriam ser próprias de um sistema que nasceu pra ser exatamente isso: comum e fácil. 

Todavia, antes de ingressarmos na pergunta que motiva o presente texto, o qual, adianta-se, não tem a pretensão de esgotar os seus aspectos acadêmicos, cumpre introduzirmos a sua análise com outro questionamento, com igual uniformidade de sons, aliás, bastante atuais, tendo em vista a sua inserção no art. 926, do Código de Processo Civil. Eis o questionamento prévio que precisamos enfrentar: será mesmo que “jurisprudência” rima com “coerência?”

Jurisprudência rima com coerência?

De suas mencionadas características – comum e fácil – o Juizado Especial atende com louvor apenas a primeira delas. O Juizado Especial é comum. Quase um cartão de boas-vindas aos advogados, e advogadas, respectivamente, recém-formados e recém-formadas. Mas, é tão somente isso. Pois, ao contrário do que muitos pensam, está longe de ser fácil.

A propósito, esses dias navegando pela internet, me deparei com uma dessas figuras de linguagem contemporâneas, popularmente, conhecidas como memes1. Democratização do conhecimento ou precarização dele? Não vem ao caso. A verdade é que esse meme saudava o internauta com os seguintes dizeres: “Bem-vindo ao Juizado Especial, a única regra é que não há regras”.

Ácido, crítico e pontual. O nobre leitor, principalmente se for advogado, em algum momento da carreira já deve ter feito a mesma constatação, provavelmente com menos humor.

Certo é que a referida manifestação retrata uma triste realidade da prática forense, sobre a qual convergem gregos e troianos, tanto os que defendem um raciocínio jurídico mais erudito, como aqueles que defendem professor dando aula vestido de herói, qual seja: o Juizado precisa ter mais juízo!

Digo isso, pois, os casos que motivaram a escrita do presente texto se deram com o recente episódio de milhares de contas desativadas unilateralmente da plataforma do Instagram, tendo sido propostas diversas ações com a intenção de restabelecer esse serviço que, em tempos de pandemia, ganha caráter de serviço essencial – todavia, isso é assunto para um próximo texto. Voltemos a nossa pergunta prévia.

Pois bem. Nesse contexto, diversas ações foram ajuizadas e muitas delas patrocinadas pelo nosso escritório de advocacia em praticamente todo o território nacional. Foi quando constatamos o óbvio, o Juizado Especial se tornou um ser estranho, com uma lógica de contornos similares ao sistema de loteria. O que nos traz a reflexão o paradoxo verso do músico BK`, em uma de suas reflexivas canções: “temos que ter sorte até em jogo de azar2.

Óbvio que, a bem da verdade, beira as raias da ingenuidade esperar decisões uniformes em um país de considerável extensão continental, riquezas culturais diversas e, por força de consequência, com vasto pluralismo de ideias, tal como é o nosso.

Entretanto, para a nossa surpresa, não existe coerência sequer em comarcas contíguas, nem tampouco na mesmíssima comarca. Conforme passamos a demonstrar e exemplificar com os casos concretos que motivaram o presente texto e, por isso, passamos a responder nossa pergunta principal.

Afinal, cabe tutela provisória no Sistema Lotérico do Juizado Especial?

Vejam só: foram duas ações extremamente semelhantes, idênticas até em suas fundamentações, ambas requerendo tutela antecipada de urgência para imediata reativação de contas comerciais no Instagram, as quais representavam a principal fonte de renda das autoras das respectivas ações, inclusive com contratos de publicidade em vigência.

Sucedeu que o sistema de distribuição sorteio – voltamos a falar de sorte – encaminhou uma das ações para o 8º Juizado Especial Cível de Curitiba. A outra, em tese, a mesma sorte para a apreciação desse caso não lhe acompanhou, tendo sido direcionada para o 13º Juizado Especial, também, em Curitiba.

Ato contínuo, a primeira ação, aquela do 8º Juizado de Curitiba, foi contemplada com a tutela de urgência deferida nos exatos termos requeridos na inicial. Todavia, aquela outra, do 13º Juizado de Curitiba teve a liminar indeferida, sob o fundamento de que, supostamente, não caberia pedido de tutela de urgência no Juizado Especial. 

Afinal, existe ou não tutela provisória no Juizado Especial? A julgar apenas por esses dois casos em Curitiba, a resposta dependerá tão somente do sistema de distribuição dos Juizados. Esgota-se o direito, deixando-o a mercê da própria... vejam só, mais uma vez, sorte.

A questão precisa ser mais bem refletida, uma vez que contar com a sorte torna o Judiciário palco de incertezas e inseguranças. Além de desgastar a imagem, o prestígio e a confiança que o cidadão deve ter  pelas instituições públicas.

Do cabimento da Tutela Provisória no Juizado Especial

Para não desapontar o leitor que chegou até aqui com a intenção de ver uma discussão minimamente fundamentada, vamos estender um pouco mais esse texto para tentar, com todas as vênias e linhas de respeito, enfrentar os argumentos utilizados por aqueles – incluindo o douto magistrado do 13º Juizado de Curitiba – que entendem pelo não cabimento da tutela de urgência no Juizado e tentar contrapor nossos argumentos.

Segundo a nossa forma de pensar, a tutela de urgência é uma imposição da vida, havendo ou não expressa previsão legal nesse ou naquele procedimento. Dessa forma, estando presente o risco de perecimento do direito, deve a tutela de urgência não apenas ser admitida, mas inclusive ser incentivada a concessão de liminares a fim de salvaguardar o bem da vida da parte requerente, para só assim ter uma verdadeira tutela jurisdicional efetiva.

Não é outro o entendimento da doutrina majoritária que entende pela aplicação das hipóteses de tutela provisória ao Juizado Especial, tendo em vista decorrerem de técnicas de aceleração da tutela jurisdicional há muito reconhecidas na realidade jurídica, bem como priorizam a defesa individual de pessoas menos favorecidas, de forma gratuita, com plena assistência judiciária, assegurando o inegociável exercício da cidadania3.

Entretanto, em que pese não concordar com a decisão de quatro páginas – número razoável comparado a outras decisões nesse mesmo rito – proferida pelo 13º Juizado de Curitiba. Por absoluta honestidade intelectual, não podemos nos olvidar de que ela foi muito bem fundamentada, interessante para uma discussão acadêmica séria e comprometida.

Mas, pensamos, que muito provavelmente não sirva para a realidade da prática forense, o mundo real precisa ser analisado com lentes de igual realidade. A ser admitida a tese adotada, uma das consequências seria o afogamento das nossas já sufocadas Varas Cíveis, que teriam que se estruturar para dar respostas imediatas, diariamente, para as milhares de ações de urgência que passariam a necessariamente a ser propostas por lá. 

Não nos esqueçamos que, ao apreciar a decisão cautelar, proferida nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIns) 6.298, 6.299, 6.300 e 6.305 o ministro Luiz Fux suspendeu a eficácia da figura do juiz de garantias justamente com fundamentação na dificuldade organizacional de sua implementação. Portanto, podemos considerar o argumento da dificuldade estrutural do Poder Judiciário como um argumento dotado de validade.

Dando continuidade ao exemplo, até mesmo em casos mais simples, que se pretendesse uma das hipóteses de tutela de urgência, teria que necessariamente ser ajuizado nas Varas Cíveis, como por exemplo, a imediata retirada de nome indevidamente registrado nos serviços de proteção de crédito.

 Assim, sob as lentes do mundo real, o questionamento que resta é: como ficariam a questão das custas processuais? A indagação é legítima, já que a parte que não tivesse direito à gratuidade de justiça acabaria ficando intimidada a ter que arcar com as despesas do processo para obter o que é de direito, obstáculo que não se vislumbra naquele outro rito processual.

Nesse tocante, ganha força a advertência trazida pelo professor PAULO CEZAR PINHEIRO CARNEIRO, em obra dedicada exclusivamente sobre o acesso à justiça, que nos brinda com a seguinte constatação: “o custo financeiro de um processo não pode inibir ou dificultar o acesso à justiça de quem quer que seja, especialmente naquelas causas de reduzido valor econômico”4.

Entretanto, repise-se que apesar de não concordarmos com a decisão prolatada pelo competente juízo, reforçamos que nela contém ensinamentos primorosos e de ricas reflexões em seus sete argumentos sistematicamente enumerados. Sólidos e convincentes, que muito interessam para ponderações acadêmicas e o aprimoramento do raciocínio jurídico.

Todos os argumentos serão, oportunamente, enfrentados no Mandado de Segurança que será interposto contra a decisão. O que será feito com o conforto de estarmos contribuindo para um debate de ideias de elevado nível e com o alento que traz, vencer ou perder, desde que de forma fundamentada.

Decisões fundamentadas no Juizado Especial. Talvez, pela perspectiva correta, tivemos a sorte pela oportunidade de nos debruçarmos sobre a análise de um tema tão importante, o qual, felizmente, não seguiu a lógica da maioria das decisões mecânicas e superficiais, ainda tão comuns no congestionado Sistema do Juizado Especial.

 Processos 0014591-50.2021.8.16.0182 e 0013747-03.2021.8.16.0182

__________________

1 O denominado Meme é um termo criado pelo escritor Richard Dawkins, em seu livro The Selfish Gene (O Gene Egoísta, lançado em 1976), cujo significado é um composto de informações que podem se multiplicar entre os cérebros ou em determinados locais como, livros. Memes. INFOESCOLA. Clique aqui Acesso em: 19 de MAIO/21.

2  BK`. Planos. Rio de Janeiro: Pirâmides Perdidas Records, 2018. Disponível clicando aqui

3 LEAL, Stella Tannure; MIRANDA NETTO, Fernando Gama. Tutela de evidência no novo Código de Processo Civil: reflexos no Sistema dos Juizados Especiais. Juizados especiais. Coleção Repercussões do Novo CPC. Vol. 7. In: REDONDO, Bruno Garcia et al. (coord.). Salvador: Editora Jus Podivm, 2015.

4 CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Acesso á Justiça – Juizados Especiais Cíveis. Rio de Janeiro: Forense, 2000, pág. 45 e ss..

Derik Roberto
Advogado. Especialista em Direito Civil e Processo Civil. Sócio no escritório Derik Roberto & Damião - Sociedade de Advogados.

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