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Ainda sobre a queixa-crime de Aras: Qual seria a competência territorial?

Deixamos de lado a importantíssima questão do mérito – sua viabilidade, plausibilidade e conveniência –, o qual nos afastamos para tratar de um tema delimitado e objetivo: a competência territorial.

26/5/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

Foi notícia relevante na semana passada, veiculada nas mais diversas mídias, a queixa-crime ofertada pelo Procurador-Geral da República, Augusto Aras, em desfavor do professor da Universidade de São Paulo, Conrado Hubner Mendes.

Deixamos de lado a importantíssima questão do mérito – sua viabilidade, plausibilidade e conveniência –, o qual nos afastamos para tratar de um tema delimitado e objetivo: a competência territorial.

Frisamos, ainda, que não temos o intuito de contrapor frívolamente a escolha da Justiça Federal do Distrito Federal, efetuada pelo PGR e seus advogados, mas antes, o de alertar para uma incongruência e a necessidade de pacificar a questão. Adiantando-nos: independentemente de a competência ser da Justiça Federal, ou não, o foro territorial da ação deve se dar em São Paulo.

Para tanto, precisamos traçar algumas balizas.

A primeira delas é que foi opção de Aras e sua defesa ofertar queixa-crime por três tipos penais, quais sejam, calúnia, difamação e injúria. Nesse sentido, a classificação doutrinária, a par de alguma divergência com relação à injúria, é uníssona no sentido de que a calúnia é classificada como delito formal, ou seja, que independe de um resultado naturalístico para sua consumação. A calúnia consuma-se, assim, com a divulgação da imputação falsa, conquanto não haja necessidade sequer de conhecimento pelo ofendido.

A segunda é que a competência territorial para julgar uma ação penal, quando múltiplos os tipos, se define por aquela onde se consumou o delito cuja pena é mais grave (no caso concreto, a calúnia), nos termos do art. 78, inc. II, alínea “a” do CPP.¹

A terceira diz respeito, assim, ao local do cometimento dos supostos delitos. Nesse sentido, é preciso dizer que a própria queixa-crime enfatiza o uso da internet e redes sociais para o cometimento dos crimes, “com máxima divulgação para todo o país e, inclusive, internacionalmente.”²

Ora, aos crimes cometidos na internet, em especial aqueles contra à honra, aplica-se o art. 70 do CPP, donde o local de consumação do fato se confunde com aquele onde a publicação é alimentada.³ Até por se tratar, como vimos acima, de delito formal, cujo resultado naturalístico é dispensável.

No caso concreto, o professor, que leciona na Universidade de São Paulo e usa sua conta na rede social de forma profissional4, tem como domicílio, justamente, a cidade de São Paulo. Local de onde, consequentemente, parte o maior número de suas publicações (seja na rede social, seja em sua coluna).

Nesse sentido, como adiantado, o foro territorial competente para a ação penal não pode ser outro que não o de São Paulo. Ademais, em se tratando de ação penal privada, no máximo, pode aquele que se sentir ofendido preferir o foro de domicílio ou da residência do réu, ainda quando conhecido o lugar da infração, nos termos do art. 73 do CPP. No caso, cairíamos, novamente, na cidade de São Paulo.

Por fim, e apenas por amor ao debate, ainda que se queira especular que, em outros casos, em não havendo como se saber o local de alimentação de posts ou publicações, a questão seria tormentosa, cinzenta e de difícil solução (o que poderia trazer verdadeira insegurança jurídica), tal não ocorre, posto que o art. 72 do CPP é categórico: “Não sendo conhecido o lugar da infração, a competência regular-se-á pelo domicílio ou residência do réu”, donde cairíamos, novamente, na cidade de São Paulo.

Assim sendo, por todos os ângulos que se olhe, pensamos que a competência para processar esta eventual ação penal é mesmo o foro territorial de São Paulo.

____________

1Nesse sentido: CC 48.044/BA, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 08/11/06, DJ 14/02/08, p. 144 LEXSTJ vol. 225, p. 241.

2. Página 18 da queixa-crime.

3. “A determinação da competência territorial para a apuração de crimes contra a honra praticados na internet relaciona-se ao local no qual as redes sociais são alimentadas, no qual ocorre a divulgação do conteúdo supostamente ofensivo.” (STJ: APn 895/DF, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, CORTE ESPECIAL, julgado em 15/05/2019, DJe 07/06/19).

4. Página 9 da queixa-crime: “O QUERELADO possui uma conta na rede social Twitter (@conradohubner), onde se apresenta como Professor de Direito @de_usp e Pesquisador do @copi_usp@Laut_br, além de ser colunista do jornal Folha de São Paulo.”

Pedro Machado de Almeida Castro
Advogado em Machado de Almeida Castro & Orzari Advogados.

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