1. Infrações administrativas na lei 14.133/2021
Um só dispositivo da lei 8.666/93, o art. 87, disciplinava as infrações, as sanções e o processo. A lei 14.133/2021 trouxe alguns avanços. As infrações administrativas estão definidas de modo mais claro no art. 155, em doze incisos, atendendo, em parte, o princípio constitucional da tipicidade (art. 5º, XXXIX).
Entre as novidades, destaca-se a distinção entre a inexecução parcial do contrato (inciso I) e a inexecução parcial que cause grave dano à administração (inciso II), as quais serão sancionadas com penas diferentes. A prática dos atos lesivos do art. 5º da lei anticorrupção (lei 12.846/2013) também é considerada infração à lei 14.133/2021. Foi abolida a infração consistente na prática dolosa de fraude fiscal, constante no art. 88, I, da lei 8.666/93, o que nos parece correto. O ato é reprovável, mas deve ser reprimido por lei própria.
2. Sanções administrativas na lei 14.133/2021
As sanções administrativas, previstas no art. 156, são advertência, multa, impedimento de licitar e contratar e a declaração de inidoneidade. Em atenção ao art. 5º, XXXIX, da Constituição, seria desejável que o legislador estabelecesse uma correspondência mais precisa entre as infrações e as sanções. Não obstante, houve avanços em relação à lei 8.666/93.
A advertência é reservada para a inexecução parcial sem dano à administração. A multa poderá ser aplicada a qualquer infração ao art. 155 e não poderá ser inferior a 0,5% e nem superior a 30% do contrato, percentual que nos parece excessivo. Entende-se que a multa deveria ser limitada a 20%, uma vez que, para as infrações mais graves, a lei permite sua cumulação com as sanções de impedimento ou inidoneidade.
A lei estabelece que a multa será "calculada na forma do edital ou do contrato". Estes devem estabelecer parâmetros proporcionais às infrações, sendo ilegal a previsão de percentual fixo, que puna de modo idêntico condutas de gravidade distintas.
A sanção de impedimento de licitar e contratar por até 3 (três) anos prevista na lei 14.133/2021 é, de certa forma, a fusão entre a suspensão temporária por até 2 (dois) anos, prevista na Lei nº 8.666/93 e o impedimento por até 5 (cinco) anos, previsto na Lei do Pregão. Encerrando a uma disputa hermenêutica histórica acerca da extensão desta penalidade, o §4º do art. 156 é taxativo: "impedirá o responsável de licitar ou contratar no âmbito da Administração Pública direta e indireta do ente federativo que tiver aplicado a sanção". Assim, por exemplo, o impedimento imposto pela União não obsta a participação em licitações no âmbito dos Estados e Municípios.
Para infrações mais graves, como a apresentação de documento falso ou fraude, a lei contempla a declaração de inidoneidade, que obsta a participação de licitação no âmbito da administração direta e indireta de todos os entes federativos. O prazo mínimo é de 3 (três) anos e o máximo é de 6 (seis) anos.
3. O processo de apuração
O prazo de defesa foi ampliado para 15 (quinze) dias úteis. Embora a lei só mencione o direito à produção de provas ao tratar das sanções de impedimento e inidoneidade, é evidente que tal garantia aplica-se aos processos para apuração de advertência e multa, como emanação direta do art. 5º, LV, da Constituição.
A declaração de inidoneidade, dada sua gravidade e extensão, deve ser apurada por comissão formada por servidores estáveis e somente será aplicada por Ministro de Estado, Secretários Estaduais e Municipais ou pela autoridade máxima, no caso das autarquias.
Reproduzindo o que já constava no art. 12 do decreto 8.420/2015, o art. 159 prevê que as infrações simultâneas à Lei de Licitações e Lei Anticorrupção serão apuradas e julgadas conjuntamente. A aplicação concreta deste dispositivo deve suscitar dúvidas, porque os critérios de responsabilização são distintos. Na lei 14.133/2021, a responsabilidade é subjetiva e, na lei 12.846/2013, a responsabilidade é objetiva.
4. Dosimetria das sanções
Incorporando o art. 22, §2º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, o art. 156, §1º, prevê os fatores que devem ser considerados na dosimetria das penalidades: gravidade, peculiaridades do caso concreto, agravantes e atenuantes, os danos para a administração pública. Inovação salutar é a previsão de que a implantação ou o aperfeiçoamento de um programa de integridade influirão na fixação da penalidade.
5. O cabimento de recurso com efeito suspensivo
Contra as sanções de advertência, multa e impedimento, é cabível recurso, no prazo de 15 (quinze) dias úteis (art. 166). Como a declaração de inidoneidade já é aplicada por autoridade superior, é cabível pedido de reconsideração, no mesmo prazo (art. 167).
Inovação acertada é a que confere efeito suspensivo automático ao recurso e ao pedido de reconsideração (art. 168), evitando que a empresa sancionada sofra as graves restrições inerentes às penalidades antes mesmo do exaurimento da esfera administrativa.
6. Desconsideração da personalidade jurídica
Para esvaziar a efetividade da sanção, com frequência empresas punidas continuam licitando por meio outras companhias do mesmo grupo ou de familiares, em evidente confusão patrimonial. Para coibir atos desta natureza, o art. 160 da lei 14.133/2021 previu a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica e a extensão dos efeitos da sanção a administradores, sócios, sucessoras e empresas coligadas ou controladas. Naturalmente, para que isso ocorra a lei prevê a prévia observância do contraditório e ampla defesa.
7. Prescrição
A lei 8.666/93 era silente sobre o prazo prescricional. A lei 14.133/2021 prevê que a prescrição ocorrerá em 5 (cinco) anos, contados da ciência da infração pela administração.
8. Reabilitação
O art. 163 da lei 14.133/2021 admite a reabilitação da empresa punida com impedimento ou inidoneidade, desde que: I - repare o dano; II - pague a multa; III – tenha transcorrido no mínimo um ano da pena de impedimento ou três anos da declaração de inidoneidade; IV – cumpra as condições de reabilitação definidas no ato punitivo; V – conforme a gravidade do ato, implante programa de compliance.
9. A possibilidade de solução de controvérsias pelos meios adequados
Uma das novidades mais saudadas da nova Lei de Licitações é a admissão dos "meios alternativos de prevenção e resolução de controvérsias, notadamente a conciliação, a mediação, o comitê de resolução de disputas e a arbitragem" (art. 151).
Como já previa o art. 2º do decreto 10.025/2019, podem ser solucionados pelos meios adequados as questões relacionadas a direitos patrimoniais disponíveis, tais como reequilíbrio econômico-financeiro, indenizações, inadimplementos contratuais e, inclusive, penalidades.
10. Aplicação imediata e retroativa das leis mais benéficas
Em atenção ao art. 5º, XL, da Constituição Federal, as normas sancionatórias da lei 14.133/2021 que forem mais benéficas aos acusados – como, por exemplo, as que conferem efeito suspensivo aos recursos – possuem aplicabilidade imediata e podem retroagir.
11. Uma esperança
Se bem aplicadas, as inovações da lei 14.133/2021 em matéria sancionatória podem, a um só tempo: a) propiciar o amplo exercício do direito de defesa pelas empresas acusadas; b) permitir a distinção das contratadas que eventualmente falharam em decorrência dos riscos inerentes à atividade empresarial e as que se comportaram de modo desonesto; c) possibilitar a imposição da pena administrativa adequada, necessária e proporcional à cada infração.
É o que se espera. Afinal, "o ideal de justiça não constitui anseio exclusivo da atividade jurisdicional. Deve ser perseguido também pela Administração" (STJ, MS 12.991, Min. Arnaldo Esteves Lima).