Migalhas de Peso

A ausência de modulação dos efeitos ante a prevalência das disposições do Código Florestal em áreas urbanas

Mesmo se tratando de decisão cujo comando era previsível, em especial, diante dos posicionamentos pretéritos da Corte, podemos dizer que era expectativa consolidada que o STJ modulasse os efeitos da decisão, considerando a existência de inúmeros empreendimentos e obras licenciados e autorizados.

25/5/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

Há muito se aguardava a definição do Superior Tribunal de Justiça – STJ acerca da discussão posta entre a aplicação dos distanciamentos previstos na lei federal 12.651/12 – faixas não edificáveis de 30 a 500 metros, a depender da largura do corpo hídrico, em contraposição ao quanto disposto na lei federal 6.766/79 que dispõe sobre o Parcelamento do Solo Urbano – área não edificável em faixa mínima de 15 metros ao lado de águas correntes ou dormentes.

Fato é que, o STJ decidiu pela aplicação do Código Florestal – lei federal 12.651/12, conforme se extrai da exposição de voto do Ministro Benedito Gonçalves: “Na vigência do novo Código Florestal (lei 12.651/12), a extensão não edificável das faixas marginais de qualquer curso d’água, perene ou intermitente, em trechos caracterizados como área urbana consolidada, deve respeitar o que disciplinado pelo art. 4º, caput, I, “a”, “b”, “c”, “d” e “e”, a fim de garantir a mais ampla proteção ambiental a esses espaços territoriais especialmente protegidos e, por conseguinte, à coletividade.

Mesmo se tratando de decisão cujo comando era previsível, em especial, diante dos posicionamentos pretéritos da Corte, podemos dizer que era expectativa consolidada que o STJ modulasse os efeitos da decisão, considerando a existência de inúmeros empreendimentos e obras licenciados e autorizados com fundamento na lei federal 6.766/79, bem como as disposições jurisprudenciais consolidadas acerca da (i) imprescritibilidade do dano ambiental – tema 999 da repercussão geral do STF; e (ii) da vedação ao fato consumado em matéria ambiental – súmula 613 do STJ; que terminam por alçar a questão à relevante insegurança jurídica, vez que a esperada modulação não ocorreu.

Contudo, nos parece que a aplicação da norma positiva, princípios de Direito e efeitos processuais dos julgados em temas repetitivos, terminam por auxiliar na construção do aparato defensivo dos empreendimentos e obras licenciadas e autorizadas enquanto se mantem a controvérsia.

Nesta construção, inicialmente, importa destacar o que já se colhe do quanto narrado no voto do relator (apesar do inteiro teor do julgado ainda não ter sido publicado), vez que este dispõe sobre “na vigência do novo Código Florestal (lei 12.651/12)”, logo delimitando a aplicação desta ao marco de 28 de maio de 2012 (data da publicação da norma), não atingindo ocupações pretéritas, por expressa dicção do dispositivo.

Em uma segunda perspectiva, a modulação nos parece imperativa, não se limitando, mas, sobretudo, pela aplicação projetada do comando do art. 24 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB, que assim dispõe:

Art. 24.  A revisão, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, quanto à validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa cuja produção já se houver completado levará em conta as orientações gerais da época, sendo vedado que, com base em mudança posterior de orientação geral, se declarem inválidas situações plenamente constituídas

Certo é que, não foi este o entendimento do STJ, como se colhe de objetiva passagem do julgado constante do REsp 1.770.808 - SC, afetado pelo incidente que constituiu o Tema 1010, conforme se extrai do quanto disposto no voto do Relator:

“A modulação dos efeitos do julgamento tem por escopo atuar sobre situações excepcionalíssimas quando verificada a alteração da jurisprudência dominante, considerados o interesse social e a segurança jurídica (art. 927, § 3º, do CPC/15). É instituto utilizado para evitar a surpresa com a nova interpretação da norma, o que não é o caso. Como visto acima, o Superior Tribunal de Justiça já determinava a aplicação do antigo Código Florestal (lei 4.771/65) às áreas urbanas para melhor garantir a proteção das Áreas de Preservação Ambiental nela contidas, conforme precedentes da Primeira e Segunda Turmas. Não houve alteração desse entendimento com a edição do novo Código Florestal (lei 12.651/12), que também passou a ser aplicado por esse Tribunal Superior para fins de manter a proteção das Áreas de Preservação Ambiental urbanas. É dizer, não há surpresa ou guinada jurisprudencial a justificar a atribuição de eficácia prospectiva ao julgamento”.

O que, com a devida venia, se pondera é a existência incontroversa de uma controvérsia interpretativa entre duas normas, tanto porque redundou-se no incidente de afetação para consolidação do Tema 1010, o que já demonstra inexistir a aludida ausência de “surpresa ou guinada jurisprudencial a justificar a atribuição de eficácia prospectiva ao julgamento”. Renovada venia, se compartimenta a análise do julgado em um recorte delimitado da realidade fática, rotina administrativa autorizativa e se abstrai dos fatos de que sem empreendeu, em larga medida, a aplicação do quanto disposto na lei federal 6.766/79.

Frise-se que não se descartam aqui os efeitos próprios do julgamento de um tema afetado pelos recursos repetitivos, nos termos do art. 1.040 do CPC, quais sejam, (i) processos julgados conforme a tese consolidada, com a denegação do seguimento dos recursos especiais ou extraordinários impetrados contra o julgado e sobrestados na origem; (ii) nos casos em que o teor do julgamento for contrário à tese fixada, sendo determinada a adequação da decisão; e (iii) para os casos em que o processo tenha sido suspenso, em primeira ou segunda instância, retomarem seu curso para serem julgados conforme o entendimento consolidado. Todavia, se projeta a aplicação da ressalva de entendimento com a constatação de realidade fática que atraia aplicação de outros fundamentos não expressamente considerados no entendimento consolidado.

Pois é exatamente nesta quadra que emergem outros elementos, como por exemplo a aplicação do princípio da prevalência do melhor interesse do meio ambiente, constatando-se, no caso concreto, que a eventual reversibilidade pode acarretar situação mais prejudicial ao meio ambiente, com a projeção do racional disposto no Art. 19 do decreto federal 6.514/081.

Importa destacar que não se trata neste ponto de convocação da aplicação da teoria do fato consumado, o que afrontaria a citada Súmula 613 do STJ, mas sim a soberania da salvaguarda ambiental na convergência dos comandos constitucionais extraídos do art. 225 da Constituição Federal. Ou seja, independente da norma a ser aplicada, é de rigor constitucional que se observe, no caso concreto, a solução que melhor atenda ao meio ambiente.

Tal ponto é de se extrair do próprio julgado constante do REsp 1.770.808 - SC, afetado pelo incidente que constituiu o Tema 1.010:

“4. A definição da norma a incidir sobre o caso deve garantir a melhor e mais eficaz proteção ao meio ambiente natural e ao meio ambiente artificial, em cumprimento ao disposto no art. 225 da CF/1988, sempre com os olhos também voltados ao princípio do desenvolvimento sustentável (art. 170, VI,) e às funções social e ecológica da propriedade”.

Portanto, é de se notar, e não poderia ser diferente, que a aplicação do entendimento pacificado pelo Tema 1010, deve ser sopesada ao caso concreto e, em especial, quanto aos eventuais efeitos ambientais de medidas de demolição e desfazimento, tal fato sendo sinalizado pelo próprio Superior Tribunal de Justiça – STJ.

Vale ainda destacar que, em especial, nos casos em que o Administrado percorreu todos os ritos administrativos autorizativos, emerge a ausência de culpa e dolo, afastando a incidência de responsabilidades criminal e administrativa infracional, ainda devendo a Administração Pública, nos casos não ajuizados, promover o controle de legalidade dos seus atos, sob idênticos prisma e aspectos, de modo a fazer prevalecer o melhor interesse do meio ambiente, de forma conjugada no caso concreto com a segurança jurídica. Deve-se ainda, reconhecer a aplicação do racional do Art. 24 da LINDB, advertindo-se ser “vedado que, com base em mudança posterior de orientação geral, se declarem inválidas situações plenamente constituídas”.

Inegavelmente, há de se projetar ainda a aplicação compulsória do princípio da segurança jurídica, onde apenas após a disponibilização do inteiro teor do julgado do Tema 1.010 do STJ e consequente reflexo nos casos pendentes e futuros, será possível aquilatar a extensão dos seus efeitos, sendo imperativo que sejam observados os aspectos fáticos e a segurança jurídica daqueles que seguiram o rito próprio junto à Administração Pública, notadamente, nos processos de licenciamento e autorização ambiental (com a salvaguarda própria da autoexecutoriedade e imperatividade dos atos administrativos), bem como, da projeção dos efeitos do julgado no melhor interesse do meio ambiente.

_______________

1 § 3º. Não será aplicada a penalidade de demolição quando, mediante laudo técnico, for comprovado que o desfazimento poderá trazer piores impactos ambientais que sua manutenção, caso em que a autoridade ambiental, mediante decisão fundamentada, deverá, sem prejuízo das demais sanções cabíveis, impor as medidas necessárias à cessação e mitigação do dano ambiental, observada a legislação em vigor.

Leandro Henrique Mosello Lima
Advogado do escritório MoselloLima Advocacia.

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