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PL 827/20 – Um incentivo a invasão de áreas públicas e privadas

Prevê o artigo 2º, do PL 827/20, a suspensão dos efeitos de ato ou decisão, judicial, extrajudicial ou administrativo, que foram proferidos/editados, entre 20/3/20 até 31/12/21, que imponha a desocupação ou remoção forçada coletiva de imóvel privado ou público, urbano ou rural, que sirva de moradia ou que represente área produtiva pelo trabalho individual ou familiar.

24/5/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

O Projeto de lei, aprovado pela Câmara dos Deputados, que fora encaminhado para o Senado Federal, esconde por trás da suspensão dos despejos previstos no artigo 59, da lei 8.245/91 (lei de Locações), em razão da estado pandêmico ocasionado pela covid-19, uma verdadeira carta branca para a invasão de áreas públicas e privadas, urbanas e rurais, pelos transeuntes.

Prevê o artigo 2º, do PL 827/20, a suspensão dos efeitos de ato ou decisão, judicial, extrajudicial ou administrativo, que foram proferidos/editados, entre 20/3/20 até 31/12/21, que imponha a desocupação ou remoção forçada coletiva de imóvel privado ou público, urbano ou rural, que sirva de moradia ou que represente área produtiva pelo trabalho individual ou familiar.

Para o arrepio desse autor, esse artigo nitidamente incentiva a invasão de áreas públicas e privadas, principalmente áreas rurais, tendo em vista que nesse período nenhuma medida poderia ser adotada para a sua proteção, inclusive a autotutela, consoante parágrafo primeiro, do artigo supracitado.

O parágrafo primeiro, prevê, que durante o prazo estipulado no artigo 2º, aplica-se a suspensão nos seguintes casos: I - execuções de decisões liminares e de sentenças, em ações de natureza possessória e petitória, inclusive quanto a mandados pendentes de cumprimento; II – despejos coletivos promovidos pelo Poder Judiciário;III - desocupações e remoções promovidas pelo Poder Público;IV - medidas extrajudiciais; V – despejos administrativos em locações e arrendamentos em assentamentos; VI – autotutela da posse.

Destaque para os incisos II, III e IV, que durante o prazo de suspensão estipulado no PL, os Poderes Judiciário e Público, não poderiam promover despejos coletivos, desocupações e remoções, e pior, no prazo estipulado fica suspenso o exercício da autotutela da posse, o que nitidamente viola o artigo 5º, inciso XXII, da CF/88.

É garantido o direito de propriedade, sendo que, dentre os atributos inerentes ao direito do exercício da propriedade, se encontra justamente o direito de reaver ou buscar a coisa de quem injustamente possua ou detenha, sendo inclusive autorizado pelo permissivo legal manter-se ou restituir-se por sua própria força a posse turbada ou esbulhada.

Vetar qualquer possibilidade, tanto do Poder Judiciário, Público ou do Setor Privado, em se manter ou restituir-se na posse do seu bem imóvel, é autorizar e incentivar, mesmo que por prazo determinado, a turbação e o esbulho possessório.

O parágrafo 2º, do artigo 2º, do PL 827/20, ainda prevê que as medidas decorrentes de atos ou decisões proferidos anteriormente ao prazo estipulado, 20/3/20 até 31/12/21, não serão efetivadas, desvirtua o “objetivo” do Projeto de lei, tendo em vista que as causas decorrentes do período anterior ao estado de calamidade pública não possuem conexão com o presente momento.

Com o intuito de consolidar a impossibilidade da autoridade administrativa e judicial, em tomar qualquer providência, durante esse período de suspensão, o parágrafo 3º, prevê que não serão adotados qualquer medida preparatória ou negociação com o fim de efetivar eventual remoção e os processos em curso, deverão ficar sobrestados, até o encerramento da “suspensão”.

Ao final do prazo de suspensão, o poder judiciário deverá, condição sine qua non, realizar audiência de mediação entre as partes, com a participação dos Ministérios Público, Defensoria Pública, nos processos de despejo, remoção forçada e reintegração de posse coletivos que estão em tramitação e a realização de inspeção judicial nas áreas em litígio.

Vale ressaltar que após o prazo de suspensão, provavelmente, ainda não estaremos com toda a população vacinada e consequentemente as atividades não terão retornado em sua totalidade, o que irá ocasionar um enorme transtorno e demorada, que pode levar anos, até a efetiva desocupação e remoção dos transeuntes que injustamente esbulharam a posse das propriedades públicas e/ou privadas.

O artigo 4º, que possui uma maior coerência, porém, que não deixa de causar polêmica, prevê a impossibilidade da concessão de liminar para desocupação de imóvel urbano nas ações de despejo, nos casos dos incisos I, II, V, VII, VIII e IX¹, do parágrafo primeiro, do artigo 59, da lei 8.245/1991, até 31/12/21. Desde que, o locatário demonstre a ocorrência de alteração da situação econômico-financeira decorrente de medida de enfrentamento à pandemia, que resulte incapacidade de pagamento de aluguel e demais encargos sem prejuízo da subsistência familiar.

Além disso, a regra prevista no artigo 4º, também só será aplicada nos contratos cujo valor mensal do aluguel não seja superior a R$ 600,00 (seiscentos reais) no caso de locação de imóvel residencial e R$ 1.200,00 (um mil e duzentos reais) nos casos de locação de imóvel não residencial.

Entendo que nesse caso a iniciativa foi no intuito de ajudar, as pessoas com menor poder aquisitivo e o pequeno empreendedor, a enfrentarem a crise sanitária, atitude louvável, porém, na prática não funciona de maneira simples. Como ficam as pessoas que dependam dos frutos oriundos das locações para a subsistência da sua família?

Por fim, mesmo o artigo 7º, prevendo que as medidas tratadas no artigo 2º, não se aplicam a ocupações ocorridas após 31/3/21, na prática sabemos que isso não será obstáculo para que os transeuntes eivados de má-fé, esbulhem a posse por tempo indeterminado, ou no melhor cenário, até que cesse o período pandêmico e as atividades tenham retornado ao status quo ante, para que haja uma maior efetividade no cumprimento da reintegração dos seus direitos.

____________

1. Art. 59. Com as modificações constantes deste capítulo, as ações de despejo terão o rito ordinário. § 1º Conceder - se - á liminar para desocupação em quinze dias, independentemente da audiência da parte contrária e desde que prestada a caução no valor equivalente a três meses de aluguel, nas ações que tiverem por fundamento exclusivo: I - o descumprimento do mútuo acordo (art. 9º, inciso I), celebrado por escrito e assinado pelas partes e por duas testemunhas, no qual tenha sido ajustado o prazo mínimo de seis meses para desocupação, contado da assinatura do instrumento; II - o disposto no inciso II do art. 47, havendo prova escrita da rescisão do contrato de trabalho ou sendo ela demonstrada em audiência prévia; V - a permanência do sublocatário no imóvel, extinta a locação, celebrada com o locatário; VII – o término do prazo notificatório previsto no parágrafo único do art. 40, sem apresentação de nova garantia apta a manter a segurança inaugural do contrato; VIII – o término do prazo da locação não residencial, tendo sido proposta a ação em até 30 (trinta) dias do termo ou do cumprimento de notificação comunicando o intento de retomada; IX – a falta de pagamento de aluguel e acessórios da locação no vencimento, estando o contrato desprovido de qualquer das garantias previstas no art. 37, por não ter sido contratada ou em caso de extinção ou pedido de exoneração dela, independentemente de motivo.

Gabriel Mazarin Mendonça
Advogado do Barreto Dolabella Advogados. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliario. Pós-graduado em Direito Imobiliário pela Escola Paulista de Direito – EPD. Incorporação Imobiliária - SECOVI/SP. Pós-graduando em Direito Processual Civil pelo Instituto Brasiliense de Direito Público – IDP.

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