Migalhas de Peso

Reflexões sobre o julgado da ADIn 6288

Neste cenário, emerge um ponto de grande relevo, consistindo na discussão sobre os limites jurídico-constitucionais da adoção de regimes modernizados e simplificados de licenciamento ambiental.

24/5/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

Efetivamente estruturado no Brasil a partir da vigência da lei da Política Nacional do Meio Ambiente – lei Federal 6.938/81 – elencado nesta como dos seus instrumentos de operacionalização, o Licenciamento Ambiental, desde então, ganhou notório protagonismo no âmbito do desenvolvimento econômico, social e ambiental, advindo regulamentações do instituto, tais como as Resoluções CONAMA 01/86¹ e 237/97², normas de execução federais, estaduais e municipais, bem como se consolidando no dispositivo constitucional, encartado no Art. 225 da Constituição Federal de 1988³.

Passados quarenta anos de sua objetiva instituição no contexto normativo ambiental brasileiro, o licenciamento ambiental cumpriu importante papel no desenvolvimento sustentável, inegavelmente sendo responsável pela compatibilização entre os empreendimentos e atividades, com a proteção do meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações.

De igual forma, estas quatro décadas estamparam, não o que o instituto, mas que a sua forma de execução, apresentaram de desafios: prazos longos e sucessivamente descumpridos para sua conclusão; exigências desconexas no que tange aos objetivos impactos da atividade ou empreendimento; conflito de competência entre os entes federados, invasão de pressupostos ideológicos no âmbito técnico e outros, que terminaram por consolidar o licenciamento ambiental como um entrave ao desenvolvimento e um propulsor de insegurança jurídica, afastando investimentos, empreendimentos e alimentando a pauta do maniqueísmo entre economia e proteção ambiental.

Neste cenário, emerge um ponto de grande relevo, consistindo na discussão sobre os limites jurídico-constitucionais da adoção de regimes modernizados e simplificados de licenciamento ambiental, em especial os que utilizam expedientes digitais, parametrização pré-estabelecidas de requisitos e condicionantes, autodeclarações e adesão automática. Expedientes de licenciamento ambiental que foram “batizados” de autolicenciamento, licenciamento por adesão, automático, eletrônico, digital, entre outras denominações.

Tais regimes de licenciamento ambiental possuem, como fundamentos, o potencial controlado de impactos das atividades e empreendimento a eles sujeitos; o conhecimento técnico-ambiental consolidado acerca dos impactos e medidas mitigadoras e compensatórias vinculadas; necessidade de maior dinâmica e eficiência na emissão das licenças ou sua denegação, bem como, evitar a oneração indevida da máquina pública. Em regra, se operacionalizam através de plataformas e sistemas digitais, com o carregamento da documentação, incluindo estudos ambientais e sensoriamento remoto (análise de imagens de satélite e outras), comprovantes de pagamento de emolumentos e taxas, bem como, possuem a validação prévia, ou posterior pelo órgão licenciador.

Ocorre que, tais regimes têm enfrentado questionamentos judiciais, em larga medida fundados a uma possível lesão ao princípio da vedação ao retrocesso ambiental, arguindo-se que a adoção de regimes simplificados e autodeclaratórios corresponderia à renúncia da Administração Pública na governança ambiental, caracterizando a falta de atendimento aos postulados da prevenção e precaução, encartados, principalmente, no Art. 225, §1º, inciso IV, da Constituição Federal – “exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade” – redundando em um cenário com forte risco de generalização e pré-conceito à adoção de regimes de licenciamento ambiental simplificados, ou autodeclaratórios, vestindo-os de inconstitucionais ou ilegais, previamente.

Não se trata de entendimento correto e se apresenta contrário à necessária evolução e modernização do procedimento de licenciamento ambiental, que, assim como toda e qualquer ação da Administração Pública, deve primar pelo postulado constitucional da eficiência, nos termos do caput, do Art. 37, da Constituição Federal. Como dito, o instituto fora consolidado há, aproximadamente, quarenta anos, com suas principais normas de execução vigentes por décadas, inclusive com a norma constitucionalmente prevista de regulamentação da cooperação entre os entes federados para efetivação do Licenciamento Ambiental, editada vinte e três anos após a promulgação da Carta Constitucional, motivos pelos quais, é imperiosa a modernização dos regimes de licenciamento ambiental.

Além disso, este entendimento pré-concebido pode afrontar, até mesmo, os comandos que norteiam a exigibilidade de licenciamento ambiental, tais como o caput, do Art. 10, da lei Federal 6.938/81 – lei da Política Estadual do Meio Ambiente – “A construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental dependerão de prévio licenciamento ambiental” – vez que a própria exigibilidade do licenciamento ambiental é condicionada à efetividade ou potencialidade de causar degradação ambiental, sendo certo que não se pode descartar a evolução do conhecimento científico sobre as atividades e empreendimento desenvolvidos desde a instituição do procedimento de licenciamento ambiental.

É inegável o acúmulo de conhecimento, cada vez mais detalhado e consolidado, sobre os impactos ambientais, positivos e negativos, de algumas atividades e empreendimentos, em que a manutenção de expedientes repetitivos, com resultados sempre idênticos, não por desídia dos órgãos licenciadores, mas por reincidência e recorrência de condições idênticas, para atividades idênticas, para empreendimentos idênticos ou similares, em locais idênticos, onde redundam em impactos idênticos, que demandam governança conhecida com o emprego de condições idênticas ou similares.

Neste contexto que os regimes simplificados de licenciamento ambiental - e a própria dispensa de licença ambiental - ganham relevo como procedimentos oportunos e convenientes, favorecendo a dinâmica e agilidade, sem perda da governança pública ambiental, inexistindo, por decorrência lógica, lesão aos princípios da vedação ao retrocesso ambiental, prevenção e precaução.

Não é outro o entendimento do STF, conforme se extrai do Voto da Ministra Rosa Weber na ADIn 62884, onde muito destaque fora dado para o reconhecimento acerca da impossibilidade de dispensa de licenciamento ambiental para atividades e empreendimentos, efetiva ou potencialmente poluidores, porém deixando de se observar que o mesmo julgado assentou a possibilidade de adoção de regimes simplificados e específicos de licenciamento ambiental:

Como visto, os tipos de licenças ambientais apontados são referentes a formas específicas ou simplificadas de licenciamento, inclusive de empreendimentos já existentes e previamente licenciados, em exercício da competência concorrente sem afastamento da devida análise a ser efetuada pela administração pública. Não vislumbro a configuração de desproteção ambiental, portanto. Ao contrário, busca-se otimizar a atuação administrativa estadual, em prestígio ao princípio da eficiência e em prol da manutenção da proteção ambiental.

Além da citação acima resumir o objeto deste artigo, com pertinência ainda mais contundente, no julgado da ADI 6288 (por unanimidade) se ratificou a constitucionalidade da Licença por Adesão e Compromisso, valendo novamente citar:

Quanto à Licença Ambiental por Compromisso – LAC – a 1ª Turma desta Casa já se pronunciou sobre a constitucionalidade de sua previsão no Estado de Santa Catarina. Transcrevo a ementa do acórdão:

“AGRAVO INTERNO NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. AMBIENTAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. CÓDIGO ESTADUAL DO MEIO AMBIENTE. LEI 14.675/09 DO ESTADO DE SANTA CATARINA. LICENÇA AMBIENTAL POR COMPROMISSO – LAC. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA CONCORRENTE. OS ESTADOS-MEMBROS PODEM COMPLEMENTAR A LEGISLAÇÃO FEDERAL EM MATÉRIA DE LICENCIAMENTO AMBIENTAL, MORMENTE NO QUE SE REFERE A PROCEDIMENTOS AMBIENTAIS SIMPLIFICADOS PARA ATIVIDADES E EMPREENDIMENTOS DE PEQUENO POTENCIAL DE IMPACTO AMBIENTAL. PRECEDENTE:AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 4.615. ATENDIMENTO AO PRINCÍPIO DA PREVENÇÃO. VERIFICAÇÃO DA HARMONIA DA NORMA LOCAL COM A LEGISLAÇÃO FEDERAL. MATÉRIA DE ÍNDOLE INFRACONSTITUCIONAL. OFENSA INDIRETA À CONSTITUIÇÃO FEDERAL. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO”. (RE 1264738 AgR, Relator(a): LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 24/8/20, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-222 DIVULG 04-09-2020 PUBLIC 8/9/20, destaquei).

Portanto, o STF tem firmado jurisprudência no sentido de reputar como inconstitucional a dispensa de licenciamento ambiental, quando estipulada para atividades e empreendimento efetiva ou potencialmente poluidoras, igualmente dispondo como constitucional a licença por adesão e compromisso. Nada obstante, é fato que, com a evolução do conhecimento técnico-científico, em especial, sobre os impactos ambientais, bem como como o avanço tecnológico, como promotor de novos métodos e formas de implantação e operação das atividades e empreendimentos, é perfeitamente possível a reclassificação destes, retirando o elemento fundamental de exigibilidade de licenciamento ambiental, o efetivo ou potencial poluidor.

Caminhando em tal sentido, a Corte Suprema consagra o disposto no Art. 225, inciso IV,  da Constituição Federal, estabelecendo a hipótese de incidência constitucional para a adoção de regimes simplificados e até mesmo a dispensa de licenciamento ambiental, remetendo à aferição do grau de efetividade ou potencialidade poluidora, sendo certo que não se pode lançar um procedimento administrativo de índole eminentemente técnica, a não acompanhar a evolução técnico-científica ao longo dos anos, bem como, o conhecimento acumulado pela reiteração de processos de licenciamento de atividades e empreendimento recorrentes.

Admitir o sentido oposto, seria manter o licenciamento ambiental “congelado” nos anos 80 e 90, o que contraria o postulado da eficiência. Sendo o potencial poluidor da atividade ou empreendimento baixo, inexiste inconstitucionalidade na adoção de procedimentos simplificados, ou por adesão e compromisso, bem como, há de se expandir tal raciocínio para atividades e empreendimentos, cujo potencial poluidor já fora objeto de inúmeros estudos e processos de licenciamento, devendo a Administração Pública Ambiental otimizar o processo administrativo licenciador ambiental, para que se evite procedimentos, estudos e custos desnecessários, que em nada incrementam a governança ambiental, valendo-se do conhecimento acumulado, sem com isso violar dispositivos constitucionais de regência.

______________

1. Disponível aqui. Acesso em 11 abr.2021.

2. Disponível aqui. Acesso em 11 abr.2021.

3. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

(...) IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;          

4. Disponível aqui. Acesso em: 11 abr. 2021.

Leandro Henrique Mosello Lima
Advogado do escritório MoselloLima Advocacia.

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