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A técnica para interposição de recursos de natureza extraordinária no contexto da inteligência artificial

Além do primeiro exame de admissibilidade, no Tribunal prolator da decisão recorrida, há óbices em geral apontados para o conhecimento dos recursos que impedem o exame do mérito.

21/5/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

Ter um recurso de natureza extraordinária examinado em Tribunal Superior não é tarefa fácil. Além do primeiro exame de admissibilidade, no Tribunal prolator da decisão recorrida, há óbices em geral apontados para o conhecimento dos recursos que impedem o exame do mérito.

Os recursos de natureza extraordinária têm requisitos específicos de admissibilidade previstos na Constituição Federal (artigos 102, III, e 105, III). Seu cabimento é estrito pela própria função principal dos recursos – resguardar a inteireza da Federação através do controle da aplicação da legislação federal (constitucional ou infraconstitucional).

E o duplo juízo de admissibilidade está expressamente previsto na legislação, não havendo razões para criticá-lo. Independente do segundo juízo, a vice-presidência do Tribunal prolator da decisão atacada pelo recurso de natureza extraordinária, examina se estão ou não preenchidos os requisitos (violação, divergência, principalmente) para enviar os autos para a Corte Superior.

E o indeferimento do recurso, no primeiro juízo, hoje, pode ocorrer não apenas pela falta de preenchimento de requisitos constitucionais, mas a legislação expressamente impõe a verificação das decisões em repercussão geral/recursos repetitivos, etc.. Ou seja, as chances são cada vez maiores de haver um primeiro indeferimento, já na origem.

Mas, dependendo do fundamento da inadmissibilidade (se não for por aplicação de precedente em repetitivo/repercussão geral), pode haver ainda o agravo para a Corte Superior.

Quando o processo chega em Brasília, há a distribuição do feito (após filtro prévio, em tese, da presidência do Tribunal Superior, que pode ou não ser exercido), e novo juízo de admissibilidade sobre os requisitos é realizado.

Os óbices mais comuns são (i) a falta de ataque direto à decisão recorrida, (ii) tentativa de reexame de matéria fática, (iii) falta de impugnação a determinado fundamento.

Agora, com a inteligência artificial sendo usada, principalmente para auxiliar os gabinetes nas Cortes Superiores a identificar precedentes sobre o tema objeto do recurso e óbices processuais corriqueiros, surge a questão de como se prevenir contra eventuais indeferimentos indevidos.

A inteligência artificial já está (e se fará cada vez mais presente) sendo um importante instrumento para auxiliar no exame de recursos. E a tendência é que os sistemas de informática gerem cada vez mais informações de forma rápida para auxiliar no trabalho dos gabinetes.

A inteligência artificial age basicamente a partir de um banco de dados, confrontando-o com o teor da peça recursal. São identificados termos que podem ajudar a analisar a semelhança com teses já apreciadas pelo Tribunal Superior ou óbices processuais.

Surge então a questão: precisará ser alterado o modo de elaborar um recurso?

A princípio não. Recursos pertinentes e bem elaborados, que passam pelos filtros tradicionais, continuarão não sofrendo impacto extra pelo auxílio dos sistemas de inteligência artificial na identificação de óbices e teses.

Mas alguns cuidados valem ser tomados, ligados principalmente à objetividade na argumentação e ataque à decisão recorrida.

Argumentações extensas e desnecessárias, com referências não essenciais ao histórico do processo devem ser evitadas. Vale, antes de tudo, demonstrar que o que se está a atacar é determinada decisão, que se entende equivocada. E que o cabimento se enquadra em uma das alíneas do permissivo constitucional.

Por exemplo, não adianta gastar linhas com referências a depoimentos testemunhais, documentos juntados na instrução probatória. O que adianta é demonstrar que, do teor do acórdão recorrido, consegue-se extrair dada violação à legislação ou divergência jurisprudencial válida.

De forma objetiva, assim, o mais importante é demonstrar que o recurso é cabível porque a decisão recorrida, ao adotar a fundamentação que adotou (se preciso pode-se resumi-la ou transcrever trechos importantes), incorreu em violação ou em divergência. E, em sequência, deve-se pontuar quais foram as violações verificadas ou onde está a divergência com outra decisão.

Quanto ao outro óbice comum – tentativa de reexaminar fatos e provas –o cuidado é no mesmo sentido: ser objetivo na demonstração de onde, a partir da fundamentação da decisão atacada, está a ofensa ou a divergência.

Vale mais ser pontual destacando, da decisão recorrida, onde a matéria foi apreciada e porque se encaixa em uma hipótese de cabimento, do que gastar parágrafos com extensos resumos de tudo o que ocorreu no processo.

Não se pretende que os recursos sejam simplesmente curtos, mas que sejam objetivos no limite do possível, pontuando (i) o que se está atacando, (ii) onde estão os equívocos da decisão recorrida, e (iii) em qual hipótese de cabimento (destacando o artigo violado ou a divergência jurisprudencial) se enquadra o recurso.

A inteligência artificial não veio para julgar em substituição aos magistrados, mas para ser uma ferramenta útil para auxiliar nas seleções e filtros e, assim, colaborar com uma prestação jurisdicional mais célere e efetiva.

Osmar Mendes Paixão Côrtes
Advogado do escritório Paixão Côrtes e Advogados Associados. Pós-doutor em Direito pela UERJ. Doutor em Direito pela PUC/SP. Mestre em Direito e Estado pela Unb. Diretor do IBDP. Professor do mestrado/doutorado do IDP.

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