O ambiente jurídico, como sabido, deve reagir e se atualizar diante de novas experiências humanas, sociais e econômicas desenvolvidas no cotidiano da sociedade em que se encontra inserido. Sob a perspectiva negocial, essa assertiva é ainda mais emblemática, eis que novas atividades, muitas vezes relevantes para a movimentação da economia e geração de tributos e empregos, necessitam de aparato jurídico que, se não incentiva, ao menos não impeça o florescer dos seus empreendimentos.
A realidade acima destacada traduz inequívoco exemplo concreto quando se examina o desenvolvimento de novos negócios em um ambiente como o atual, consentâneo com o momento digital, virtual, tecnológico vivido pela sociedade. Não se discute, portanto, nesse contexto, a necessidade de romper o abismo entre realidade prática e a legislativa.
Diversas iniciativas nesse sentido têm sido implementadas nos últimos anos, como o Marco Civil da Internet (lei 12.965/14) e a lei da Liberdade Econômica (lei 13.874/19). Estava pendente, ainda, a atualização do ambiente normativo para as chamadas startups.
Nesse contexto, no último 12 de maio, foi enviado pela Câmara dos Deputados para a Sanção do Presidente da República o Projeto de lei que busca instituir o Marco Legal das Startups que, nas palavras do próprio PL 146/19, “São (...) as organizações empresariais ou societárias, nascentes ou em operação recente, cuja atuação caracteriza-se pela inovação aplicada a modelo de negócios ou a produtos ou serviços ofertados.”
Portanto, independentemente do tipo de organização jurídica, o enquadramento como startup baliza-se em questões temporais (novas ou recentes estruturas) e principalmente na inovação prática, devidamente aplicada a modelos negociais, produtos ou serviços em mercado.
Para além de sua importância estratégica, à medida que atualiza termos e condições essenciais para a disciplina de novos negócios no País, o autodenominado “Marco Legal das Startups e do empreendedorismo inovador” mostra-se relevante para a construção da segurança jurídica necessária para o desenvolvimento dessas atividades, mediante a construção de um arcabouço de normas e princípios próprios para esse pujante setor.
O Projeto de lei, pendente de sanção presidencial, é relevante, ainda, por trazer conceitos jurídicos mais claros para expressões e institutos típicos do setor, como é o caso de investidor-anjo (“investidor que não é considerado sócio nem tem qualquer direito a gerência ou a voto na administração da empresa, não responde por qualquer obrigação da empresa e é remunerado por seus aportes;”) e o tão famoso sandbox regulatório (“conjunto de condições especiais simplificadas para que as pessoas jurídicas participantes possam receber autorização temporária dos órgãos ou das entidades com competência de regulamentação setorial para desenvolver modelos de negócios inovadores e testar técnicas e tecnologias experimentais, mediante o cumprimento de critérios e de limites previamente estabelecidos pelo órgão ou entidade reguladora e por meio de procedimento facilitado”).
Dessa forma, o Marco Legal se mostra hábil na busca da necessária segurança jurídica, e sua típica rigidez textual, ponderando princípios e diretrizes para o funcionamento dessas recentes organizações econômicas, com enfoque na inovação e na manutenção de um contexto favorável para o surgimento de novas ideias.
Importante registrar, assim, a existência de normas específicas para a disciplina dos investimentos em tais estruturas corporativas, através de aportes de capital de natureza própria que podem resultar ou não em participação no capital social (instrumentos de equity, debt ou híbridos), a depender da modalidade de investimento escolhida pelas partes, denominados “instrumentos de investimento em inovação”. O PL prevê, ainda, a futura regulamentação do tema pela Comissão de Valores Mobiliários – CVM, sendo importante atentar que tal atividade deverá ser norteada pela linha de atuação da CVM no mercado de capitais, consoante as diretrizes contidas na lei 6.385/76 para valores mobiliários e ofertas públicas.
Ademais, o projeto busca incentivar o investimento em pesquisa, desenvolvimento e inovação (P&D), não só pelos meios tradicionais mas, também, estimulando a adoção da estruturas mais complexas, como é o caso dos Fundos de Investimentos em Participações – FIPs, tão importantes e conhecidos na indústria de private equity.
Por fim, é importante registrar que o projeto do Marco Legal trata da participação do Estado como contratante, estabelecendo as possibilidades, bem como suas regras para contratação em um cenário de equilíbrio jurídico que não coloque em risco o desenvolvimento de novas mecânicas empresariais e negociais.
Pode-se afirmar, assim, que o Marco Legal a ser editado tem por elemento positivo o incentivo ao cenário de maior segurança jurídica no setor, permitindo que os elementos técnicos nele presentes aflorem em bases jurídicas razoáveis e menos arriscadas. Resta, porém, a necessidade prática de, através de sua regulamentação e da interpretação a ser conferida às suas normas pela jurisprudência e doutrina especializada, desenvolverem-se mecanismos que atribuam maior concretude prática às disposições contidas no projeto de lei em comento, permitindo-se, em efetivo, o avanço do arcabouço normativo para novos negócios no Brasil.