A maioria das datas históricas tem sua origem em lutas e em pressões sociais. Com o 17 de maio – Dia Internacional de Luta contra a Homofobia –, não poderia ser diferente.
A data representa a retirada, em 1990, da palavra “homossexualismo” da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID), pela Organização Mundial da Saúde. Até então, diversos países empenhavam esforços, principalmente terapêuticos, para combater o que era considerado doença. Como marco cronológico, a data representou o início de um sonho e a real esperança na construção de uma sociedade igualitária.
No Brasil, alguns avanços foram vistos ao longo dos anos, a exemplo do reconhecimento da união estável entre pessoas do mesmo sexo e a possibilidade de doação de sangue por pessoas LGBTQIA+. Outro marco importante tem a ver com a criminalização da homofobia e da transfobia pelo Supremo Tribunal Federal, reconhecendo que tais práticas se equiparam ao crime de racismo, descrito na lei 7.716/89, e que a prática de homicídio contra a comunidade LGBTQIA+, quando em razão dessa condição, é requisito para qualificação da conduta criminal por motivo torpe, nos moldes do art. 121, § 2, inciso I, do Código Penal Brasileiro.
No julgamento sobre a criminalização da homofobia, o então ministro Celso de Mello reconheceu a vulnerabilidade da população LGBT, reiterando que os números assustadores “representam uma verdadeira ‘banalidade do mal’, adaptando aqui a célebre expressão de Hannah Arendt, no sentido de termos pessoas comuns (e não ‘monstros’) achando-se detentoras de um pseudo ‘direito’ de agredir, ofender, discriminar e mesmo matar pessoas por sua mera orientação sexual homoafetiva/biafetiva ou identidade de gênero transgênera”.1
Não obstante os avanços citados, ainda vivemos em uma sociedade bastante conservadora e cheia de tabus e preconceitos. O Brasil segue sendo o país que mais mata gays e transexuais no mundo. A criminalização não impediu que pessoas sigam atacando e matando gays e lésbicas, cenário que se agrava quando tratamos da população transexual, colocada à beira de um grande abismo social.
A opressão ganha forças com os políticos, unidos em bancada extremamente conservadora e que tenta barrar, a todo custo, quaisquer projetos que permitam diminuir a desigualdade que ainda vivenciamos. Para eles, a comunidade LGBTQIA+ simplesmente quer privilégios.
Não se trata de privilégios, mas direitos, para que todos sejam respeitados por suas diferenças e singularidades, tendo as mesmas condições de acesso à saúde, à educação, ao trabalho e à segurança.
E o preconceito, atualmente, não é mais velado. Encontra espaço nas grandes mídias e é potencializado pelo discurso do atual governo. Exemplo recente é o de apresentador de televisão que foi absolvido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo depois de agredir, em rede nacional, uma transexual. Enquanto exibia imagens da Parada LGBT de 2019, em São Paulo, o apresentador afirmou: “Isso é um lixo”; “Uma bosta”; “Raça desgraçada”; “Os homossexuais estão arruinando a família brasileira”.
Para o TJ/SP, “a conduta do apresentador não é ilícita, sendo uma mera crítica por entender que sua religião havia sido ofendida por homossexuais, a quem entende serem avessos a Jesus”. Em seu voto, o relator entendeu que o Estado não poderia censurar o direito de dizer o que pensa e que a fala “pode até ser um equívoco crasso, mas não uma manifestação ilícita do pensamento”.2
Outros exemplos são o assassinato de Lindolfo Komaski, ativista LGBT e do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, encontrado carbonizado, depois de ser vítima de dois tiros de arma de fogo; e da jovem Keron Ravach, de apenas 13 anos, morta em janeiro a pauladas e chutes, com seus olhos perfurados pelo autor do crime.
Aos cidadãos “de bem”, não bastou matar. Foi preciso agir com ódio e barbárie, retirando a vida e os sonhos de pessoas que lutavam por aceitação. Somente isso, nada mais.
No Brasil, ser LGBTQIA+ se traduz em luta diária por direitos: direito à vida, à saúde e à liberdade. Luta diária também por identidade e pelo direito de amar. Luta incessante pelo direito de ser quem é.
Nesta data, devemos demonstrar nossa força. A LGBTfobia não pode ser tolerada! Protejam e respeitem as monas, as sapas e as trans!
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1 MELLO, Celso de. ADO 26 DISTRITO FEDERAL. Supremo Tribunal Federal. 2019. p. 40/41. Link: clique aqui. Acesso em 05/05/2021.
2 Clique aqui.
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