Truísmo dizer que nosso Planeta está em acelerada modificação em seus usos e costumes. Miríades de circunstâncias estão agindo, ora de maneira sinérgica, ora de forma divergente e até contraditória. Nessa espécie de caos, as pessoas procuram se situar como podem e buscar, no empreendedorismo, uma forma de vencer o desemprego, que muito se deve à recessão econômica e outro tanto à evolução da robótica e da inteligência artificial. Estamos num mundo sem privacidade, sem segredos, absolutamente aberto e escancarado. Os recônditos escaninhos da alma individual podem até existir, aqui e ali, mas os que pertencem às pessoas jurídicas estão inexoravelmente revelados.
Também não é novidade dizer que a pandemia que assola o mundo concentrou e compactou essas vertentes, transformando-as em verdadeiro suco caótico de incertezas, como se a realidade estivesse saindo de um multiprocessador de alimentos. E com as agravantes das facilidades de comunicação de informação, que nunca dantes existiram.
Tudo isso gerou a necessidade de novos instrumentos de análise da realidade.
Antes da pandemia, em meados dos anos 1980, durante o período que se sucedeu à Guerra Fria, os tempos eram de grande instabilidade e insegurança, de rápidas modificações e forte presença da tecnologia. Os militares norte-americanos conceberam o chamado MUNDO VUCA, cuja sigla inglesa diz por si mesma: V – voltility (volatilidade); U – uncertainty (incerteza); C – complexity (complexidade) e A – ambiquity (ambiguidade).
Porém, o conceito foi ultrapassado recentemente, pela pandemia mundial, e ingressamos no chamado MUNDO BANI, criado por Jamais Cascio, cuja sigla resulta das primeiras letras de: Brittle (frágil), Anxious (ansioso); Non linear (não linear) e Incomprehensible (incompreensível).
A volatilidade do mundo VUCA deu lugar à fragilidade, porque tudo se tornou sem vigor, quebradiço, delicado, sem solidez e impermanente; a incerteza, que a pandemia exacerbou, virou ansiedade, pois passou a prevalecer um sentimento de impotência, de grande insegurança; a complexidade tornou-se não linearidade dada a ruptura da relação causa e efeito, porque não mais se pode esperar, com certeza, um determinado resultado de nossas ações; e, por fim, a ambiguidade transformou-se em incompreensibilidade, tornando as pessoas sem capacidade de formular respostas ao mundo externo.
A análise da situação real com esses e outros instrumentos de verificação (como a teoria dos campos, de Pierre Bordieu) acabou fazendo com que as empresas buscassem boas práticas de governança, especialmente para orientá-las em seu relacionamento externo e interno, em suas tomadas de decisão e para a proteção de acionistas minoritários, num mundo que geralmente estes últimos não compreendem.
Com esses principais fundamentos a ideia se espalhou pelo mundo.
No Brasil, em 27 de novembro de 1995, foi fundado o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), organização não governamental, cujo objetivo é o de divulgar as melhores práticas em governança empresarial, inclusive com a publicação de um Código das Melhores Práticas de Governança Administrativa. O Instituto assim define a governança corporativa: “sistema pelo qual as empresas e demais organizações são dirigidas, monitoradas e incentivadas, envolvendo os relacionamentos entre sócios, conselho de administração, diretoria, órgãos de fiscalização e controle e demais partes interessadas”.
Parece mesmo que a realidade macroscópica está copiando a realidade infinitamente pequena, onde vige o princípio da incerteza, descoberto pelo então jovem físico alemão Werner Heisenberg. Com efeito, enquanto para a física clássica, se conhecermos a posição inicial e o movimento de um corpo podemos prever como suas partículas irão se comportar, na física quântica (melhor: na mecânica quântica), segundo Heisenberg, não podemos determinar, com precisão e ao mesmo tempo, a posição e momento de uma partícula.
O princípio da incerteza e fragilidade social é o que vigora hoje em dia.
Pois bem. Se essas ponderações não serão novidade para a grande maioria das empresas – talvez sejam insólitas no ramo da advocacia e esse desafio precisa ser enfrentado, com urgência.
Ocorre que, como as empresas foram praticamente obrigadas a estabelecer um sistema de governança, passaram a exigir dos escritórios de advocacia um sistema similar, para melhorar e aperfeiçoar seu relacionamento com estes. Estabelecer uma linguagem inteligível, de parte a parte.
O Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) enumera os princípios básicos a serem adotados no sistema de governança, que reforça a confiança entre os próprios componentes do escritório e a confiança que nele depositam os clientes. Mas, há outros, recomendados pelos experts na matéria, sendo sempre necessária sua adequação às bancas de advogados.
A transparência é um princípio básico que está a exigir mais que a demonstração de desempenho, mas os verdadeiros propósitos a serem perseguidos, a missão institucional do escritório. Seus procedimentos internos, como suas decisões estratégicas são tomadas, como manipula os dados e a confidencialidade, dentre outros. Também é preciso tornar evidente a responsabilidade corporativa, ou o patrimônio imaterial do escritório, qual seja a qualidade profissional dos seus agentes e sua reputação no mercado, o cuidado nos modelos de negócios e projetos em que atua. Modos de retenção de talentos e atração de novos players. Valorização da imagem do escritório pela sua projeção não apenas na área profissional do Direito, como ainda no campo acadêmico, revelado por artigos e obras de sua especialidade.
Como dissemos, essas questões não são novidades para aqueles que nasceram e foram criados no quintal do mundo empresarial, puro e simples. Não obstante, a nova ordem social contextualizada pelo MUNDO BANI pressiona as bancas de advogados a abandonar, de vez, a antiquada percepção de que tais princípios de governança corporativa não se aplicam à realidade dos escritórios de advocacia.
Surge, assim, uma responsabilidade para as faculdades de Direito e entidades de classe: incentivar a aderência desses princípios pelos escritórios, de forma a orientar e capacitar aqueles que elegeram a advocacia como profissão. Somente uma boa e adequada gestão poderá garantir a sobrevivência e a perenidade dos escritórios no novo cenário mundial.
Eis aí um tema que, embora aqui abordado bem superficialmente, deve ocupar a pauta das preocupações urgentes de todos os escritórios de advocacia.