Migalhas de Peso

Filme “Monstro”, falta de provas e inexistência do fato

A defensora concede sua primeira e precisa orientação, respondendo que ele deveria ter dito "I didn't do it" (Eu não fiz isso).

14/5/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

Esse final de semana assisti ao filme "MONSTRO", que estreou no último dia 07 de maio na Netflix, do diretor Anthony Mandler, inspirado na obra de Walter Dean Myers.

Steve Harmon, um jovem inteligente e estudioso, com família estruturada e que reside num bairro simples se vê preso, supostamente envolvido em um crime. Entre elipses temporais, vai se desvelando a participação ou não de Steve em um malogrado assalto a uma bodega, resultando a morte de seu dono.

Como sabemos, nos EUA o veredito dos jurados pode ser "guilty" (culpado) ou "not guilty" (não culpado, ou absolvido). Em uma das cenas mais emblemáticas, mas que poderia passar despercebida aos mais incautos, Katherine O'Brien, a defensora indicada para representar Steve, faz anotações e há um desconfortável silêncio, quando seu assistido rompe a mudez enfaticamente: "I'm not guilty!" (Eu sou “não culpado!” - Ou poderíamos entender “Eu devo ser absolvido”)

Calmamente, a defensora concede sua primeira e precisa orientação, respondendo que ele deveria ter dito "I didn't do it" (Eu não fiz isso). Steve então responde repetindo a frase: "I didn't do it!". Parece claro que há uma distinção não meramente de técnica jurídica, mas sobretudo erística, ou seja, de argumentação e persuasão, entre se defender a absolvição e se defender que não houve a prática de determinada conduta que lhe é imputada.

Assim como no Brasil e na maioria dos países democráticos, vigora nos EUA a presunção de inocência, somente ilidida com a prova do cometimento de um crime, cujo ônus recai totalmente sobre a acusação. E não é qualquer prova, mas sim aquela além de qualquer dúvida razoável (proof beyond a reasonable doubt). Essa premissa essencial e absolutamente indispensável à vida comunal é também o baluarte do desafio à prova.

Dizem os acusados: "Que provem!" Dizem os condenados: "Não provaram!"

Mas e a verdade? E o fato imputado em si? Aconteceu ou não?  Afinal, não é esse o objetivo maior a se perquirir no processo? Respondendo a essas questões as opiniões e os interesses andam em muitas direções, mas parece uma opção frágil o caminho da singela defesa pela ausência de provas.

Os que têm certeza de seu direto fazem questão de vê-lo chancelado. Não por outro motivo, no processo penal brasileiro é bem reconhecido o chamado interesse recursal do réu absolvido por falta de provas, a fim de ver o fundamento de sua absolvição alterado para a inexistência do fato que lhe fora atribuído.

Afora o objetivo de afastar repercussões diversas da criminal, como a responsabilização civil que poderia decorrer, por exemplo, também há inequivocamente o interesse moral de se espancar qualquer dúvida que poderia pesar perenemente sobre os ombros de alguém acusado indevidamente cuja absolvição tenha sido pela mera falta de provas.

Seja como for, eu não entendo nada de direito e processo penal, mas no processo civil sempre recomendo o caminho pela defesa da verdade do direito material, principalmente àqueles que o tem ao seu lado. Quanto ao Steve, "guilty or not guilty"?

Francisco Tadeu Lima Garcia
Advogado e Cientista Social. Especialista em Direito Tributário pela USP e mestre em Direito Político e Econômico pelo Mackenzie.

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