A Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) aprovou, em reunião realizada em 29 de abril de 2021, um novo modelo de comercialização de biodiesel no Brasil. De acordo com a proposta, os leilões públicos de comercialização de biodiesel com o intermédio da Petrobras deixarão de ser realizados, e produtores de biodiesel e distribuidores de combustíveis poderão negociar a compra do produto diretamente. A alteração ainda será formalizada em resolução da ANP, que revogará a Resolução ANP 33/07, que atualmente regula o tema, e passará por consulta pública. O novo modelo de contratação passará a vigorar a partir de 1º de janeiro de 2022.
Contexto
De acordo com o disposto na lei federal 13.033/14, (i) a adição de biodiesel ao óleo diesel comercializado no país é obrigatória e (ii) compete ao Conselho Nacional de Políticas Energéticas (CNPE) a determinação desse percentual – que hoje é de 13%, e deverá ser elevado para 15% em dois anos. Nos termos da Resolução CNPE 5/07, todo o biodiesel utilizado para atendimento desse requisito de adição obrigatória deve ser adquirido através de leilões públicos – envolvendo, de um lado, os produtores de biodiesel e, de outro, produtores e importadores de óleo diesel. Na prática, contudo, a Petrobras sempre atuou como adquirente exclusiva de todo o biodiesel comercializado nesses leilões, revendendo-o aos distribuidores – observadas as regras de cada edital, os preços máximos de referência por região determinados pela ANP e os volumes máximos por produtor.
Se, por um lado, os leilões dão grande transparência ao processo, garantindo o equilíbrio entre oferta e demanda, por outro, contêm imperfeições. A primeira delas está no fato de a Petrobras estar envolvida, mas não atuar com biodiesel em sua cadeia de produção. Por essa razão, a companhia já demonstrou interesse em não mais atuar como adquirente nem organizadora desses processos – desinteresse que tende a se acentuar ainda mais na medida em que a Petrobras avance no desinvestimento de metade das suas refinarias, em processos já em curso e com previsão de conclusão até o final deste ano. Além do desejo da Petrobras em não mais participar, a própria ANP alega que (i) os custos regulatórios de realização desses leilões – atualmente realizados bimestralmente – são significativos e (ii) o fato de esses procedimentos terem que seguir as regras rígidas dos editais acaba por tirar a flexibilidade da Agência no atendimento de situações específicas de desabastecimento.
Nesse contexto, o CNPE determinou, em dezembro de 2020, através da Resolução 14/20, que a ANP estudasse e propusesse um novo modelo de comercialização do biodiesel – que substituísse os leilões públicos. Na mesma Resolução, o CNPE estabeleceu que a Agência deveria observar as seguintes premissas quando da estruturação desse novo modelo: (i) que fosse passível de implementação a partir de 1º de janeiro de 2022; (ii) que a comercialização do biodiesel entre produtores e distribuidores de combustível não tivesse intermediários – como hoje acontece na figura da Petrobras; e (iii) que não fosse sob a forma de um novo leilão público, mas que fosse regulado pela ANP.
Mudanças Propostas
A partir da edição da Resolução CNPE 14/20, a ANP montou um grupo de trabalho e ouviu diversos agentes do mercado, entre distribuidores, produtores e consultorias. No curso das discussões, foram debatidas cinco alternativas de substituição do modelo atual, conforme resumido abaixo:
Alternativas |
Considerações |
Leilão Organizado pela ANP |
Alternativa fere premissa do CNPE (Não pode ser um novo leilão público) |
Livre Mercado |
Alternativa fere premissa do CNPE (Deve haver regulação pela ANP) |
Leilão Privado |
Alternativa fere premissa do CNPE (Não seria passível de implementação antes de Jan/2022)* |
Contratos de Balcão |
Alternativa fere premissa do CNPE (Não seria passível de implementação antes de Jan/2022)* |
Venda Direta |
Alternativa atenderia às premissas do CNPE |
(*) Alegação de que seriam necessários entre 16 e 18 meses para o desenvolvimento e implementação de plataforma substitutiva à plataforma atual (Petronect).
Desses estudos, a alternativa de venda direta entre produtores de biodiesel e distribuidores de combustível acabou sendo a preferida. O resultado está detalhado na Nota Técnica Conjunta 10/2021/ANP.
Ainda durante a reunião que aprovou o novo modelo de contratação, a Diretoria Colegiada da ANP também sinalizou que a minuta de nova resolução trará as seguintes novidades em relação ao processo de compra de biodiesel no país: (i) meta individual de comercialização de volume mínimo aplicável a distribuidores que representem mais de 5% do mercado de óleo diesel e a produtores que representem mais de 3% do mercado de produção de biodiesel (sendo essa meta em torno de 80% do volume comercializado no bimestre equivalente no exercício fiscal anterior); (ii) penalidade de bloqueio de comercialização de biodiesel a entidades que descumprirem as metas; (iii) possibilidade de a ANP admitir a importação de biodiesel ou de exonerar determinados agentes da obrigação de comercialização em hipóteses específicas.
Impactos Tributários
Um ponto de atenção é o impacto tributário dessa proposta de venda direta realizada pelos produtores aos distribuidores. Atualmente, a legislação do ICMS prevê que a venda do biodiesel pelos produtores está sujeita ao tributo, mas o seu pagamento é diferido para o momento da venda do biodiesel pelos distribuidores.
Logo, como a saída do biodiesel realizada pelos produtores não é tributada, existiria o entendimento de que as aquisições de insumos pelos produtores não gerariam o direito ao aproveitamento de créditos de ICMS.
Ocorre que, pelas informações divulgadas pela ANP, a Petrobras conseguiria absorver esse não aproveitamento do crédito de ICMS em sua estrutura fiscal, evitando o aumento do custo tributário do biodiesel, tendo em vista a diversidade de atividades realizadas pela empresa. Contudo, com a saída da Petrobras da cadeia de fornecimento do biodiesel, existiria o risco de um aumento no custo tributário, tendo em vista o não aproveitamento do crédito de ICMS pelos produtores. Esse aumento no custo, provavelmente, será repassado no preço ao consumidor final.
Pelas informações da ANP, esse tema está sendo avaliado pela Agência, e mudanças no regime de tributação do biodiesel pelo ICMS podem vir a ser implementadas. Importante ressaltar que há argumentos jurídicos para sustentar a tomada do crédito de ICMS pelos produtores, caso a legislação atual não seja alterada, ainda que a saída do biodiesel seja sujeita ao diferimento do tributo.
Próximos Passos
Por fim, a Diretoria Colegiada da ANP estabeleceu o seguinte cronograma tentativo de implementação do novo modelo de comercialização: (i) publicação da minuta de nova resolução e abertura de período de consulta pública: julho de 2021; (ii) realização de audiência pública: meados de agosto de 2021, ao fim do término do período de consulta pública mencionado acima; (iii) publicação da nova resolução: outubro de 2021 e (iv) entrada em vigor do novo modelo de contratação: 1º de janeiro de 2022.
Nós continuaremos acompanhando por aqui.
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*Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.
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