Migalhas de Peso

Não cumulatividade do PIS/Cofins - Crédito de frete interno

A ausência de definição pelo legislador do termo “insumos” para fins de creditamento de PIS/Cofins, desencadeou vasto contencioso administrativo e judicial, ainda não definitivamente pacificado.

14/5/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

A técnica da não cumulatividade para o PIS e a Cofins foi introduzida por normas infraconstitucionais1, que estabeleceram hipóteses taxativas aos itens passíveis de creditamento2, elencando, dentre eles, e no que importa para o presente artigo, no inciso II do artigo 3º da lei 10.637/023, reproduzido no artigo 3º, inciso II da lei 10.833/03 as despesas relativas aos “bens e serviços utilizados como insumo na prestação de serviços e na produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda”.

A ausência de definição pelo legislador do termo “insumos” para fins de creditamento de PIS/Cofins, desencadeou vasto contencioso administrativo e judicial, ainda não definitivamente pacificado. Decerto, ainda que o Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento do Recurso Especial 1.221.170/PR, sob o rito repetitivo, tenha oferecido o norte da essencialidade ou relevância para os contribuintes e o Fisco, o tema ainda será objeto de julgamento em definitivo pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no Agravo em Recurso Extraordinário 790.828, tema 7564.

Há um ponto relevante, contudo, que já foi aprofundado pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) em seus julgados, e que o STJ recusa-se a adentrar na análise do inciso IX do art. 3° da lei 10.833/03. O dispositivo em questão tem a seguinte redação:

Art. 3º Do valor apurado na forma do art. 2º a pessoa jurídica poderá descontar créditos calculados em relação a:

IX - armazenagem de mercadoria e frete na operação de venda, nos casos dos incisos I e II, quando o ônus for suportado pelo vendedor.

Note-se, o dispositivo remete o creditamento na armazenagem de mercadoria e frete na operação de venda, nos casos dos incisos I e II do mesmo dispositivo, ambos com a seguinte redação:

Art. 3º Do valor apurado na forma do art. 2º a pessoa jurídica poderá descontar créditos calculados em relação a: 

I - bens adquiridos para revenda, exceto em relação às mercadorias e aos produtos referidos: 

II - bens e serviços, utilizados como insumo na prestação de serviços e na produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda, inclusive combustíveis e lubrificantes, exceto em relação ao pagamento de que trata o art. 2o da Lei nº 10.485, de 3 de julho de 2002, devido pelo fabricante ou importador, ao concessionário, pela intermediação ou entrega dos veículos classificados nas posições 87.03 e 87.04 da Tipi; 

A leitura em conjunto do texto do inciso IX e dos incisos I e II supratranscritos, evidencia que o dispositivo permite o creditamento com os custos de armazenagem e frete na “operação de venda” ou para a venda do produto final, desde que esses custos sejam suportados pelo vendedor.

Além dessa referência, a qual indica não se esgotar a hipótese no transporte para a venda do produto, ou seja, no transporte do comprador para o vendedor, há ainda a remissão no dispositivo às hipóteses do inciso I e II que representam etapas anteriores a esse marco final e derradeiro das transações.

Fundada nessa interpretação, a 3ª turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF) do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) acolhe o creditamento de frete interno tanto para as matérias-primas e produtos semiacabados, por integrar uma etapa do processo produtivo, bem como o frete interno de produtos acabados, de acordo com a inserção na “operação de venda”.

Com efeito, pode-se dizer que desde 2017 (cite-se o acórdão 9303-005.156, dentre outros) o Tribunal Administrativo firmou entendimento de que o permissivo legal suso referido ampara o creditamento amplona hipótese de frete interno, ou seja frete entre estabelecimentos da mesma empresa, seja para os “insumos”, ou seja para os produtos acabados.

O juízo da 3ª turma da CSRF assenta nas premissas de que: 1) se trata de custo essencial para a destinação do produto final à venda, enquadrando-se, assim, como insumo na produção (inciso II do artigo 3º das leis 10.637/02 e 10.833/03), na linha do entendimento consagrado pela 1ª Seção do STJ no RESP 1.221.170/PR; e 2) a hipótese do inciso IX do artigo 3º das leis 10.637/02 e 10.833/03 prevê a possibilidade de creditamento relativamente às despesas com frete na “operação” de venda e não frete de venda.

A linha adotada pelo Tribunal Administrativo, portanto, é bastante simples, e parte da expressa disposição da lei, que usa a expressão “operação de venda” em contraposição ao “frete de venda” e se reporta aos incisos I e II do mesmo dispositivo.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ), todavia, em precedentes esparsos de suas duas turmas, tem se posicionado pela impossibilidade de creditamento no frete interno de produtos acabados, em uma visão extremamente restritiva e que ignora as premissas adotadas nos precedentes do Tribunal Administrativo.

Embora ainda sejam poucos os acórdãos exarados pelo STJ sobre o tema, o que se nota é que as Turmas de Direito Público têm afastado a possibilidade de creditamento sobre os custos com o frete interno de produtos acabados, sob o único fundamento de que não se trata de despesa de venda ou revenda5 do produto.

Nos precedentes já publicados, as decisões afirmam que a questão objeto do REsp 1.1221.170/PR “é distinta”6 do tema e que as “transferências internas das mercadorias para estabelecimentos da mesma empresa, por não estarem intrinsicamente ligadas às operações de venda ou revenda7

Nega-se a Corte, todavia, a examinar as premissas adotadas nas decisões do Tribunal Administrativo, ainda que tenham sido levadas ao seu conhecimento nos recursos já submetidos a julgamento.

Como um Tribunal de precedentes, a Corte Superior tem um ônus que pesa sobre suas decisões, o de deliberação de todos os temas e argumentos que lhe são apresentados, enfrentando-os diretamente de forma a produzir resultados bem fundamentados que revelem precedentes eficazes8.

A ausência de deliberação sobre as premissas há muito adotada nos acórdãos do CARF sobre o tema, empobrecem as decisões da Corte Superior na medida em que lhes retira densidade pela ausência de amplitude e abertura para o debate com todos os argumentos postos.

Não se pretende que a Corte examine argumentos para fora do processo, mas argumentos que foram inseridos no bojo dos recursos e foram submetidos a julgamento, abrindo-se ao amplo debate, despido de conclusões apriorísticas9.

É importante que todos os argumentos sejam examinados e firmadas as razões de conclusão do Tribunal, até como forma de evitar a violação ao princípio da isonomia, a julgar pelas decisões já obtidas pelas empresas que optaram por levar a discussão apenas para o âmbito administrativo.

_________

1 A lei 10.637/02 dispôs sobre a não-cumulatividade para o PIS, com indicação das hipóteses de creditamento no art. 3º. Já para a COFINS, a não-cumulatividade foi introduzida pela lei 10.833/03 e as hipóteses de creditamento seguem previstas no artigo 3º.

2 Na exposição de motivos da lei 10.833/03 há referência ao elenco taxativo para fins de creditamento: “(...) Por se ter adotado, em relação à não-cumulatividade, o método indireto subtrativo, o texto estabelece as situações em que o contribuinte poderá descontar da contribuição devida, critérios apurados em relação a bens e servidos adquiridos, custos, despesas e encargos que menciona”.

3 Art. 3º Do valor apurado na forma do art. 2o a pessoa jurídica poderá descontar créditos calculados em relação a: II - bens e serviços, utilizados como insumo na prestação de serviços e na produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda, inclusive combustíveis e lubrificantes, exceto em relação ao pagamento de que trata o art. 2º da lei 10.485, de 3 de julho de 2002, devido pelo fabricante ou importador, ao concessionário, pela intermediação ou entrega dos veículos classificados nas posições 87.03 e 87.04 da Tipi(Redação dada pela Lei 10.865, de 2004)

4 Confira-se o teor da decisão exarada pelo Ministro Fux quanto ao Recurso Extraordinário interposto no REsp 1.221.170/PR.

5 Trecho extraído do voto do Ministro Mauro Campbell Marques no acórdão exarado no AgInt no AgInt no REsp 1.763.878.

6 Expressão adotada pela Ministra Assusete em seu voto no AgInt no ARESP 1.237.892/SP.

7 Trecho extraído do voto do Ministro Mauro Campbell Marques no acórdão exarado no AgInt no AgInt no REsp 1.763.878.

8 FAREJOHN, John; PASQUINO, Pasquale. Constitutional courts as deliberative institutions: towards an institutional theory of constitutional justice. Acesso em 9/1/20. “Moreover, high courts, unlike other political institutions, do not simply publish orders or decisions. They are expected also to publish plausible rationales for their holdings: arguments that others can be expected to respect and embrace, whether or not their own interests have been vindicated. The expectation that courts explain their holdings can be seen as deliberative expectation in two senses. The first, just given, is that reasons are given that can be understood and embraced as, in some normative sense, our own reason for action. (...) Secondly, since courts ar colegial institutions, these reasons are arrived at through an internal process of deliberation, guided by the particular court's decision-making norms”.

9 FAREJOHN, John; PASQUINO, Pasquale. Constitutional courts as deliberative institutions: towards an institutional theory of constitutional justice. Acesso em 9/1/20

Tatiana Zuconi Viana Maia
Advogada pós-graduada em Direito Tributário pelo IBET e em Direito Constitucional pelo IDP. Advogada do escritório Bento Muniz Advocacia.

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