Terminou hoje o julgamento do RE 970.821, representativo do Tema 517, no STF. A controvérsia diz respeito à constitucionalidade da cobrança da antecipação de ICMS nas compras interestaduais para revenda de contribuintes do Simples Nacional.¹
Ainda em 2019 o julgamento teve início com 4 votos favoráveis aos contribuintes e 1 voto contrário; na época o julgamento foi suspenso por pedido de vista do Ministro Gilmar Mendes. Passados dois anos, o processo foi devolvido para julgamento e a expectativa de vitória dos contribuintes foi reforçada pelo ganhos nos Temas 1.093 (Diferencial na venda para não contribuinte) e 456 (Diferencial na compra para contribuinte do regime geral).
No entanto, para surpresa de todos, hoje o julgamento terminou 6 a 5 em favor do Estado do Rio Grande do Sul, legitimando a cobrança exclusivamente para os contribuintes do Simples Nacional.
Seria cômico se não fosse trágico. Sob fundamento de que existe previsão em lei complementar (LC 123/06) e que o contribuinte do Simples já opta por um regime mais favorável, então deve arcar com o ônus do diferencial, o Supremo Tribunal Federal tomou em mãos a Constituição Federal e rasgou seus artigos 170, IX, e 179,² que preveem um tratamento favorecido para as pequenas empresas.³
A situação agora é o inverso, as maiores empresas do país, que tinham o Difal como uma antecipação de fato (pois geram crédito do valor) estão dispensadas do recolhimento; ao passo que o contribuinte do Simples Nacional deve realizar o recolhimento e arcar com seu custo, já que não tem direito ao crédito fiscal. Como imaginam os guardiões da Constituição que o pequeno comércio de bairro possa competir com o preço da grande varejista carregando mais esse custo? A resposta é só uma: não podem. Ou irão mergulhar ainda mais na informalidade ou fechar as portas.
Ademais, o ICMS, imposto mais controverso dentro de nosso manicômio tributário, é impreterivelmente norteado pela não cumulatividade, isto é, o que se paga na operação anterior serve como crédito na saída subsequente para se garantir neutralidade da carga tributária e evitar a tributação em cascata.4 Por mais elaboradas as teorias que se possam montar sobre o respeito a não cumulatividade no caso, a realidade da situação é que os pequenos contribuintes continuarão recolhendo a antecipação de ICMS e arcando com seu ônus sem poder repassá-lo na venda, sob pena de trabalhar com preço exorbitante em comparação com o grande varejista.
Hoje quem perde não são algumas empresas, mas o direito tributário, que vem sendo desmontado e remontado com incrível facilidade e pouco embaraço, em geral em prol da arrecadação desmedida que sufoca o empreendedor brasileiro.
Para pôr fim a esse desabafo de um tributarista, faço minhas as palavras do Ministro Alexandre de Moraes, que abriu divergência em favor dos contribuintes e tratou do fim do diferencial: “O Brasil tem pouquíssimos incentivos ao empreendedorismo. Esse é um grande incentivo ao empreendedorismo, à micro e pequena empresa, que gera empregos e é exatamente o que, parece-me, nós estamos precisando no momento.”5
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1. Tema 517 - Aplicação de diferencial de alíquota de ICMS à empresa optante pelo SIMPLES NACIONAL.
2. Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios (...)
IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.
Art. 179. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei.
3. O fundamento da decisão é que o regime do Simples Nacional em si já configura o tratamento diferenciado e favorecido.
4. Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:
§ 3º O imposto previsto no inciso IV: (...)
II - será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores;
5. RE 970/821, Voto divergente, Min. Alexandre de Moraes