A utilização do hidrogênio na matriz energética tem ganhado espaço no debate internacional e local. Todavia, ainda é necessária no Brasil a introdução de novas regulações e incentivos para que o hidrogênio se torne competitivo e inserido na matriz energética nacional. Experiências anteriores para inserção de outras fontes e já consolidadas nos órgãos reguladores devem ser consideradas.
Atualmente, a produção de hidrogênio se destina principalmente a fins industriais, hospitalares ou na produção de fertilizantes. Entretanto, dada sua baixa ou até mesmo inexistente emissão de carbono, diversos países com Austrália, Japão, Alemanha, Espanha, dentre outros, e grandes empresas, têm considerado o hidrogênio em suas matrizes energéticas, conforme tratado na sequência. Nesse contexto, órgãos de planejamento setorial do setor elétrico brasileiro já discutem sua inserção na matriz energética¹.
O Brasil apresenta diversas vantagens competitivas para o uso energético do hidrogênio: (i) disponibilidade de GNL oriundo do pré-sal para a produção do hidrogênio “marrom” ou “azul”, que aproveitaria sinergias com a infraestrutura de distribuição de gás natural; (ii) capacidade de geração de energia renovável relevante com preços competitivos e potencial de expansão; e (iii) necessidade de mitigação da intermitência intrínseca à fontes renováveis.
Regulação e Desenho de Mercado
Essa nascente indústria ainda necessita de adequado tratamento jurídico. Atualmente há normas aplicáveis à produção do hidrogênio para uso medicinal² e ao transporte de produtos perigosos³, e normas técnicas para seu armazenamento. No entanto, inexiste norma específica da ANEEL ou da ANP que regule a produção, armazenamento e transporte de hidrogênio para usos energéticos.
No caso da ANP, que regula a indústria do petróleo, gás natural e biocombustíveis – o que exclui hidrogênio, especialmente por hidrólise. Já no caso da ANEEL, geração de eletricidade a partir de termelétricas é sujeita à autorização da agência, independente do combustível utilizado, o que incluiria térmicas a hidrogênio, mas o encaixe genérico não é suficiente por deixar diversas questões em aberto. Nesse sentido, haveria um “vácuo legislativo” acerca do hidrogênio, que pode prejudicar a expansão dessa “nova fonte”. Os órgãos reguladores brasileiros já se movimentam para endereçar isso. O CNPE propôs a elaboração de diretrizes para um Programa Nacional do Hidrogênio, até junho; bem como instituiu um programa de incentivo à adoção de combustíveis sustentáveis e de baixas emissões (Combustível do Futuro).
Há um histórico de políticas de desenho de mercado e incentivo às fontes renováveis que já foram adotadas no Brasil e hoje compõem a “caixa de ferramentas” à disposição dos reguladores brasileiros do setor elétrico. Tais experiências podem ser tomadas como exemplo por agentes interessados em contribuir para a dinamização do segmento do hidrogênio, conforme desenvolvemos abaixo:
- Resoluções conjuntas por agências reguladoras. Uma resolução conjunta sobre hidrogênio poderia endereçar de maneira consolidada as diferentes interfaces regulatórias do novo segmento. Tal mecanismo permitiria a regulação por entidades com diferentes capacidades técnicas e competências em um só ato.
- Descontos de fio. Os descontos de fio garantiram competitividade à energia de fontes renováveis – ao custo de introduzir um subsídio cruzado no setor. Com a lei 14.120/21, foi determinado que os descontos de fio sejam substituídos por regulação que precifique os benefícios ambientais das fontes renováveis – e naturalmente o hidrogênio deve ser considerado nas discussões e desenho de tal incentivo.
- Reserva de mercado para energia especial. A reserva do mercado dos consumidores especiais para a energia produzida por fontes incentivadas garantiu um prêmio para tal energia, mas se mostra menos viável em um contexto de liberalização e abertura do mercado de energia, além de pressionar as tarifas.
- Armazenamento de energia e leilões de armazenamento. A discussão acerca de sistemas de armazenamento na matriz energética brasileira e contratação específica de serviços de armazenamento pode se tornar uma oportunidade para os produtores de hidrogênio, já que esse tem forte vocação para funcionar como reserva de energia. Nesse contexto, leilões de armazenamento poderiam ser uma alternativa - importante lembrar que provavelmente tais leilões deveriam segregar fontes para evitar a competição com tecnologias mais maduras (como usinas reversíveis).
- RenovaBio. Alteração legislativa para inclusão do hidrogênio no RenovaBio, programa no qual produtores de biocombustíveis são certificados pela ANP, e passam a emitir créditos de descarbonização que devem ser adquiridos por distribuidores de combustíveis para que estes cumpram suas metas de descarbonização. O mercado já consolidado de certificados serviria como uma estratégia rápida para a captura de externalidades ambientais positivas do hidrogênio.
- PROINFA. A contratação direta de projetos de hidrogênio pelo governo também poderia dinamizar o segmento. No exemplo do PROINFA, a contratação direta de energia de fontes renováveis pela Eletrobras garantiu demanda por novas tecnologias. Todavia, novamente essa opção poderá onerar as tarifas de energia.
- Financiamentos subsidiados. Com relação ao financiamento do segmento, linhas de financiamento específicas por bancos públicos poderiam ser vislumbradas. Entretanto, em um contexto de escassez de fundos, o financiamento externo (por entidades como IFC, BIRD, IDB) pode se mostrar como alternativa – ainda que o serviço da dívida em dólar possa exigir hedge cambial. Importante mencionar que determinadas estruturas poderiam comportar um contrato dolarizado, no qual o risco cambial para o credor seria mitigado.
Do ponto de vista técnico, fica claro que inúmeros usos podem viabilizar a exploração deste produto. Todavia, uma agenda específica voltada ao hidrogênio, tanto com regulação direcionada, como um desenho de mercado que facilite sua expansão é questão fundamental para que o Brasil se consolide como player líder no segmento.
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1. Nota técnica da EPE “Bases para a Consolidação da Estratégia Brasileira do Hidrogênio”, fevereiro/21.
2. ANVISA – Resolução RDC 301, de 21 de agosto de 2019.
3. Resolução 5.848, de 25 de junho de 2019 da ANTT.