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Decisão liminar suspende retorno de 20 mil empregados às atividades presenciais nas ETEC´s no Estado de São Paulo

A decisão liminar cassa a determinação do Centro Paula Souza de retorno presencial dos seus 20 mil empregados, no dia 10/5/21, em um contexto onde sequer EPI´s seriam entregues aos trabalhadores.

12/5/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

Importante destacar antes mesmo de fazer a análise da decisão judicial, o contexto ao qual está inserida a decisão do Centro de Paula Souza de determinar o retorno às aulas presenciais.

Desta forma para melhor elucidação dos pontos considerados importantes, serão evidenciados o contexto externo, relacionado à pressão que o Governo do Estado de São Paulo exerce em relação ao retorno às aulas e o contexto atual da Instituição, tais como ausência de departamento de medicina e segurança do trabalho, ausência de fornecimento de EPI's, violação ao debate democrático com a comunidade escolar, ausência de convênio médico aos seus empregados.

Em relação ao contexto externo é necessário observar a manipulação de critérios científicos pelo Exmo. Governador do Estado de São Paulo, que em atuação conjunta ao Ilmo. Secretário de Educação, transformam a educação pública em atividade essencial, não por de fato reconhecer sua essencialidade à comunidade, mas sim para que pudessem determinar o retorno às atividades presenciais logo na pior fase da pandemia no Brasil.

De análise aos decretos estaduais, no início da pandemia covid-19 no Brasil, o estado de São Paulo se prontificou e instituiu um plano de combate à doença denominado Plano São Paulo, o qual tinha por objetivo salvaguardar a saúde e vida dos paulistas, bem como pautar as medidas do governo estadual em critérios científicos, dentre eles o momento correto para retorno presencial de atividades.

O início de tais regras e critérios científicos se dá com o Decreto Estadual 65.061, de 13 de julho de 2020. Neste decreto a previsão é de que houvesse obrigatoriamente a estabilização por 28 dias na fase amarela do plano São Paulo, para que a cidade onde a unidade de ensino está localizada retornasse com 35% dos alunos às atividades presenciais.

Ainda pautado no critério de 28 dia de estabilização no Decreto seguinte, Decreto Estadual 65.140, de 19 de agosto de 2020, há certa relativização pela própria nota técnica em relação à baixa letalidade do vírus em crianças e adolescentes.

Tal fato de relativizar a faixa etária mais baixa se dá pelo momento em que o Decreto Estadual foi publicado, momento onde havia apontamento científico para tal conclusão, o que difere da realidade atual, quando letalidade não pode ser descartada ara nenhuma faixa etária, haja vista aumentos vertiginosos ocorridos após início da imunização dos idosos e maior contaminação entre os mais jovens¹.

Já ao final do ano de 2020, o Decreto 65.384, de 17 de dezembro de 2020 não só revoga a necessidade de estabilização por 28 dias na fase amarela para o retorno às atividades presenciais, como também autoriza o retorno às atividades presenciais durante a fase vermelha do plano São Paulo.

Fosse uma decisão acertada ou não, temos que houve nota técnica no referido decreto estadual apontando alguns estudos sobre a necessidade das aulas presenciais. Lembrando que neste momento o estado passava por um dos menores índices durante a pandemia covid-19.

Contudo o cenário de possível abrandamento da pandemia sente um revés abrupto e o Decreto 65.545, de 3 de março de 2021 classifica todo o estado na fase vermelha do plano São Paulo, com nota técnica recomendando trabalho remoto a todos os trabalhadores que puderem adaptar o trabalho por esta forma virtual.

Porém, ao contrário do que se imaginava, que com o agravamento da situação pandêmica haveríamos retorno dos critérios mais rígidos em relação ao retorno às aulas, o Governo do Estado com redação dada pelo Decreto Estadual  65.597, de 26 de março de 2021, manipula a situação e classifica a educação como atividade essencial, o que permitiria o retorno do trabalho presencial em qualquer fase do Plano São Paulo.

Vemos que este decreto é o único da sequência aqui mencionada que não traz qualquer apontamento técnico, ou seja, não há anexo ao Decreto qualquer nota técnica, o que antes era feito pelo Centro De Contingência Do Coronavírus nos decretos estaduais.

Agrava-se ainda mais a situação quando o próprio Governador do Estado, no mesmo dia do decreto anterior, publica o Decreto 65.596, de 26 de março de 2021, estendendo a fase vermelha para todo o estado de São Paulo e cujo preâmbulo do decreto dispõe sobre a possibilidade de colapso no sistema de saúde pública do estado, conforme o Centro de Contingência do Coronavírus. Vejamos o prêambulo:

Considerando as recomendações do Centro de Contingência do Coronavírus, instituído pela Resolução 27, de 13 de março de 2020, da Secretaria da Saúde, fundadas em evidências científicas e informações estratégicas em saúde, que sinalizam a permanência de risco potencial de colapso da capacidade de resposta do sistema de saúde no Estado de São Paulo (Anexo); Considerando a necessidade de conter a disseminação da covid-19, de garantir o adequado funcionamento dos serviços de saúde e de preservar a saúde pública,(...)

É importante verificar que a nota técnica é ainda mais assertiva quanto a gravidade do momento, inclusive pela confirmação de escassez de profissionais para operar os leitos de Unidade de Terapia Intensiva – UTI. Vejamos:

Novos aumentos quantitativos, entretanto, já esbarram no limite máximo possível, especialmente em razão da escassez de profissionais aptos para operar leitos de UTI. Nesse cenário, observando as informações registradas e avaliando as tendências, as últimas recomendações deste Centro foram direcionadas a limitar o desempenho de atividades no Estado de São Paulo ao básico essencial, buscando desestimular a circulação de pessoas, a fim de interromper a cadeia de transmissão do Sars-Cov2.

Diante desta análise podemos notar que a classificação da educação como atividade essencial e a revogação dos 28 dias de estabilização na fase amarela para permitir o retorno às atividades presenciais foi uma questão puramente política, ao passo que mesmo com o agravamento, ao invés de retornar os critérios anteriormente revogados pelo abrandamento da pandemia, o Governador classifica a educação como atividade essencial para que todos possam ser obrigados a trabalhar, a contrário senso da lógica.

Sendo assim é este o contexto externo ao Centro de Paula Souza, o qual influi diretamente na tomada de decisão para o retorno presencial da Instituição, que ainda que tenha gestão autônoma garantida, sempre está no caminho ditado pelo Governador.

Conhecido então o contexto externo, passamos ao contexto interno que é ainda mais frágil, ao passo que a instituição não toma decisões acertadas desde o início da pandemia, quando submeteu seus empregados ao regime de trabalho remoto sem qualquer infraestrutura, seja de equipamentos eletrônicos, seja com custeio partilhado dos gastos que se tem trabalhando diariamente em casa.

Contudo, entre a precarização do trabalho remoto e a exposição do direito à vida, mais seguro que permaneça com a primeira condição.

Já em 28/4/21 o Centro de Paula Souza determinou aos seus empregados que retornassem ao trabalho presencial no dia 10/5/21, o que é inviável pela estrutura fornecida para seus empregados.

Importa destacar que a Instituição não possui Departamento de Medicina e Segurança do Trabalho, mesmo tendo mais de 20 mil trabalhadores contratados, ou seja, descumpre completamente o disposto na Norma Regulamentadora 04 que em seu item 4.1 determina que todo empregador, seja da iniciativa privada ou pública, deverá manter os serviços de medicina e segurança do trabalho.

De outro ponto a Instituição afirma em seu protocolo sanitário que os empregados deverão utilizar máscaras e trocá-las a cada duas horas, porém a compra será a encargo de cada empregado e não da instituição, que afirma em seu próprio site que não fornecerá EPI's pela quantidade de trabalhadores contratados.

Vejamos então que a decisão da Instituição de retorno presencial sem entrega de EPI's viola o direito constitucional do empregado ter assegurado a redução de riscos inerentes ao trabalho por meio de cumprimento das normas regulamentadoras, previsão do artigo 7º, XXII, viola em decorrência lógica a NR 6 que em seu item 6.3, alínea “a”, dispõe sobre a obrigação do empregador de fornecer os referidos equipamentos, viola ainda o artigo 157, I da Consolidação das leis do Trabalho, que determina que as empresas sigam as normas regulamentadoras de medicina e segurança do trabalho.

Assim é primordial que vejamos a administração como parte do Estado e que por este motivo deve cumprir os princípios básicos dos atos administrativos públicos, quais sejam, legalidade e razoabilidade, os quais estão previstos, respetivamente, nos artigos 37, caput da Constituição Federal e artigo 111 da Constituição Estadual Bandeirante.

Diante desta condição de administração pública o cumprimento da legislação é algo imprescindível para validação de seus atos, os quais nem sequer deveriam ser publicados, como é o caso do Memorando 10/2021- GSE, quando há completa ilegalidade por de trás do retorno às aulas presenciais.

Além da ausência de departamento de segurança e medicina do trabalho, ausência de entrega de EPI's e da ausência de critério científico para o retorno antes da estabilização dos 28 dias em fase amarela de cada cidade a retornar, a Instituição ainda viola preceito fundamental à organização da educação Nacional, qual seja a Gestão Escolar Democrática, prevista nos artigos 3º, VIII e 14 da lei 9.394/96, qual seja, lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB.

Por fim, com a decisão de não colocar em debate a situação de retorno das aulas presenciais com a comunidade acadêmica, haja vista a completa mudança de estratégia e planejamento pedagógico, viola também o artigo 3º do próprio Regimento Interno das Escolas Técnicas, que se consolida em bases de gestão democrática, onde decisões que envolvam mudanças pedagógicas devem ser debatidas com a comunidade escolar antes da decisão final.

Em análise a todo o contexto elucidado, temos a brilhante decisão liminar proferida pelo Magistrado e Dr. Helcio Luiz Adorno Junior, que em sua decisão visita todos os argumentos lançados pela Ação Civil Pública e decide suspender a determinação da Instituição até que se cumpram alguns critérios.

A decisão então aborda dois temas importantes e evidenciados aqui, que são os 28 dias de estabilização na fase amarela do Plano São Paulo para o retorno de 35% da capacidade das unidades e a ausência de EPI's para fornecimento amplo e gratuito pelas 223 unidades de escolas técnicas espalhadas por todo o estado.

Por fim a justiça do trabalho neste caso reafirma sua posição social nas relações de trabalho e na garantia dos direitos dos trabalhadores, em um momento onde tem sido amplamente atacada, assim como a classe trabalhadora e determina a suspensão do retorno às aulas e dispõe sobre aplicação de multa a ser eventualmente revertida à Paróquia São Miguel Arcanjo da cidade de São Paulo. Vejamos trecho da decisão:

A requerida deverá abster-se de determinar o retorno dos trabalhadores representados pelo sindicato-autor às atividades presenciais até 28 (vinte e oito) dias após o ingresso do município em que se situar sua unidade de ensino na denominada “fase amarela do Plano São Paulo".

Deverá, ainda, para o oportuno retorno às atividades presenciais, comprovar a entrega aos seus empregados de equipamentos de proteção individual adequados à prevenção do contágio pela covid-19,sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 (mil reais) por unidade de ensino em que se descumprir as determinações ora baixadas, a ser revertida às atividades assistenciais à população de rua promovidas pela Paróquia São Miguel Arcanjo da cidade de São Paulo, CNPJ  63.089.825/0097-96, sem prejuízo da adoção de outras medidas legais cabíveis pelo descumprimento de ordem judicial.

Neste deslinde podemos concluir que mesmo em momentos de obscurantismo e com enfoque para estes momentos, a justiça do trabalho e as Entidades Sindicais tem garantido aos trabalhadores uma condição digna de trabalho e a preservação dos seus direitos, os poucos que ainda restam com tamanhas supressões recentes sustentadas como reformas econômicas.

_____________

1. Disponível aqui.

Augusto Costal Bonadio
Advogado no escritório Cascone Sociedade de Advogados, especialista em direito do trabalho e processo do trabalho pela Faculdade de Campinas.

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