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Coronavírus: Natureza ou cultura? A situação brasileira

O tema ora abordado guarda correlação com as acepções de “natureza” e “cultura” hauridas na filosofia antiga ocidental.

3/5/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

Muito se tem falado na atualidade, nas mídias escrita e falada (enfoque que nos parece equivocado), sobre as influências decorrentes de fatores naturais, sanitários, médicos e hospitalares sobre o surgimento e disseminação do coronavírus.

Relega-se, assim, a plano secundário as interferências sociais, políticas e culturais no surgimento e disseminação dessa doença.

À propósito, vale trazer à tona a referência ao local onde se originou a covid-19, vale dizer, na cidade de Wuhan, na China. Lá o coronavírus eclodiu em mercados populares de animais selvagens, como morcegos, cobras, coelhos etc.

O que queremos dizer, pelo que vem de ser exposto, é que o surgimento e disseminação do vírus naquela cidade não é um problema natural, da natureza, não estando dissociados, portanto, de fatores políticos e culturais. Com efeito, a par da cultura local propiciar a venda de animais selvagens naquele local, de outro lado verifica-se que é de se atribuir ao governo chinês, em especial o da cidade de Wuhan, as gestões da urbanização, higiene, sanitarização, etc., de tais mercados populares, sem as quais ocorreria, como acabou ocorrendo, o problema do coronavírus.

O tema ora abordado guarda correlação com as acepções de “natureza” e “cultura” hauridas na filosofia antiga ocidental. Efetivamente, várias acepções foram adotadas para explicitar o sentido das expressões natureza e cultura, dentre elas, sem exclusão de outras tantas, as que vamos a seguir referir.

Em primeiro lugar, atribui-se o sentido de natural ao que é inato ao ser humano, em oposição ao que é por ele adquirido pelo costume e pelas relações com o ambiente e à vida na sociedade.

Por outro lado, decorre da natureza a organização da vida dos seres, regida por leis universais e necessárias. Vale dizer: as que estabelecem a relação de causalidade relativas aos fenômenos naturais da vida. Assim, pode-se dizer que o ser humano possui características inerentes ao seu caráter e temperamento, que lhes são dadas pela natureza e que independem daquilo que é por ele adquirido na vida em sociedade, como por exemplo os costumes.

Por fim, com amparo nos ensinamentos de Marilena Chauí, na obra intitulada Convite à Filosofia, editora Ática, 13ª edição, pág. 245, pode-se dizer que “Nesse sentido, natureza ou natural opõe-se a artificial, artefato, artifício, técnico e tecnológico. Natural é tudo quanto se produz e se desenvolve sem nenhuma interferência humana”.

Já a expressão “cultura”, dentre outros sentidos que lhe podem ser atribuídos, serve para, com os gregos antigos, designar o que é adicionada ao que de inato tem na natureza humana (caráter, temperamento etc.) pela educação. É o aprimoramento e refinamento da natureza humana do que lhe é inato.

Também por “cultura” pode se entender tudo aquilo que é produzido pelo homem, “...resultados expressos em, obras, feitos, ações e instituições: as técnicas e os ofícios, as artes, a religião, as ciências, a filosofia, a vida moral e a vida política ou o Estado. (Marilena Chauí, na obra citada, pág. 246.)

Finalmente, com o evoluir do pensamento humano, cultura tornou-se sinônimo de “história”, vale dizer, relações que os seres humanos estabelecem como si mesmos e com a natureza, e que variam e se transformam no tempo e no espaço.

De logo, diante de tudo que vem sendo exposto, emerge uma conclusão inevitável: o coronavírus, seja na sua origem, seja na sua disseminação, é um problema que não pode ser atribuído à natureza exclusivamente, vale dizer, por exemplo, à anatomia e biologia ligada ao vírus, como assim a questões médicas e hospitalares a ele relacionadas, mas sim também, e em grande medida, a fatores culturais e mais especificamente políticos, estes últimos ligados primordialmente à gestão da pandemia (melhor dizendo: sindemia) pelos governos.

Simetricamente ao tema ora sob análise, vale trazer à baila o conceito de” biopolítica”, expressão esta cunhada por Michel Foucault, notadamente nas obras ”História da Sexualidade” e “Segurança, Território e População”.

Biopolítica é a expressão cujo significado quer dizer, na modernidade, a gestão pelos governos da dinâmica do corpo coletivo, da população, no tocante à natalidade, à vida, à sobrevivência da espécie humana, à sua sexualidade, longevidade etc. Isso é o quanto basta para os limites do presente artigo, pois o tema biopolítica é complexo e abrangente. No período que precedeu a idade moderna, o foco dos governos era o individual, o controle do indivíduo considerado isoladamente. Além disso, o foco também recaia nas questões éticas, como a justiça, a virtude e a prudência, etc.

Por outro lado, seguindo a trilha de alguns pensadores, a biopolítica, ou a gestão pelos governos de assuntos relacionados à população, está intimamente associada ao sistema capitalista, ao mercado, vale dizer, o governo e o mercado cuidam dos problemas biopolíticos.

Ingressando no assunto do coronavírus e a biopolítica no Brasil, não é difícil assinalar a íntima correlação do coronavírus e da pandemia com a desastrosa gestão do Governo Federal no trato desse assunto.

Com efeito, não podemos ficar, para a ampla compreensão do tema, com a afirmação, feita por muitos, de que o coronavírus e a pandemia estão relacionados, de forma exclusiva ou às vezes prioritária, com fatores naturais ou médico-hospitalares, olvidando as influências da cultura e da biopolítica no assunto em apreço..

Não é demasia asseverar a manifesta e íntima ligação da desastrosa, incompetente, para não dizer criminosa, gestão da pandemia pelo governo Federal com a disseminação do vírus.

O governo Federal, na pessoa do presidente Bolsonaro, apregoa aos quatro ventos a anti-ciência, o negacionismo, a não utilização de máscaras, a desnecessidade do distanciamento social e do lockdown, associados à desnecessidade da vacina.

Assim, voltando ao tema central do presente artigo, cumpre-nos firmar a posição de que o coronavírus não é fenômeno puramente natural, mas sim também está relacionado à biopolítica, em especial com a péssima gestão dessa crise pelo Governo Federal do Brasil.

Nessa linha de raciocínio, imaginar, sem levar em conta a desastrosa gestão da pandemia pelo Governo Federal, que a matança de mais de 400 mil pessoas se deve exclusivamente a um pedaço de RNA (o vírus) é um grande absurdo.

Para concluir, vale frisar que só através da política, notadamente daquela advinda da representação popular numa democracia participativa, é que a pandemia poderá ser extinta ou mitigada, sem embargo do nobre trabalho desenvolvido pelos profissionais da medicina.

Gustavo Hasselmann
Procurador do município de Salvador/BA. Graduado em Direito pela Universidade Federal da Bahia. Especialista em Processo Civil e Direito Administrativo. Membro do IAB e do Instituto Brasileiro de Direito Administrativo.

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