As discussões acerca da implementação do open banking no Brasil parecem ter sido apenas o início de um processo muito mais amplo de modernização na regulação e de alteração de protagonismos nos serviços financeiros nacional. Junto dos movimentos empreendedores de base tecnológica, que deram origem à criação das normas de proteção de dados, impulsionaram o mercado das Fintechs que levaram ao open banking, o open insurance começa a desenhar-se como realidade no cenário nacional.
O open insurance, de modo conceitual, é o compartilhamento de dados securitários através da agregação e abertura, controlada e mediante sistemas com alto grau de segurança tecnológica, entre os agentes da indústria de seguros, previdência complementar aberta e capitalização1. Em outras palavras, permite o acesso e compartilhamento de dados securitários com outras seguradoras ou terceiros para a efetivação de serviços personalizados relacionados a seguros.
Os dados poderão ser compartilhados de forma segura com terceiros através das arquiteturas abertas das APIs (sigla em inglês para application programming interface) que proporcionam a integração entre sistemas e o compartilhamento de dados das instituições participantes e de clientes. Ou seja, as APIs criam uma verdadeira “piscina de dados” para que instituições aprimorem seus serviços e clientes possam comparar preços e serviços oferecidos.
A Superintendência de Seguros Privados (Susep) deu o ponta pé inicial para a regulamentação do open insurance no Brasil no último dia 22, quando a autarquia abriu consulta pública com duração de 30 dias de minutas de Resolução do Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP)2 e do Circular da Susep3, relacionados ao sistema de compartilhamento de dados da indústria de seguros.
Como explicitado por Solange Vieira, superintendente da Susep, o objetivo da implementação de tal modelo aberto de serviços no setor de seguros é justamente a melhoria do modo com o qual os clientes gerem finanças e que as empresas interagem entre si e com os clientes. Além disso, busca-se potencializar a concorrência no mercado e promover um acesso democrático aos produtos de seguro e previdência4.
A possibilidade desse modelo, bem como no caso do open banking, dá-se em razão da edição da lei 13.709/18, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). A LGPD deu ao titular do dado a propriedade de fato sobre este, cabendo a ele a decisão de dispor sobre o dado a partir de consentimento expresso.
A LGPD protegeu, com isso, o direito do titular sobre o dado, e não o dado em si. Apesar de sútil, é desse aspecto que deriva a natureza patrimonial5 atribuída ao dado. O open insurance viabiliza a utilização dos dados pelos seus titulares em seu próprio benefício, sem que esses sejam retidos pelas seguradoras como se delas fossem.
Além da LGPD, o Sistema de Registro de Operações (SRO) servirá como base do open insurance já que funcionará como uma plataforma de armazenamento de dados das operações do setor que poderão ser acessados e resgatados mediante prévio e expresso consentimento dos clientes.
Um dos objetivos da implementação é a compatibilidade com o open banking6 e, por isso, o cronograma para o funcionamento do sistema foi ajustado ao calendário daquele, coordenado pelo Banco Central. A primeira etapa consiste na disponibilização no sistema dos dados das sociedades participantes desde os canais de atendimento das seguradoras até os produtos e serviços comercializados. Na fase seguinte, com previsão de início em março de 2022, haverá a inclusão de dados pessoais que pertencem aos consumidores mediante expressa autorização desses. A funcionalidade, em termos operacionais, da contratação de serviços nesse ecossistema independente tem previsão para maio de 2022. Finalmente, o prazo final para a implementação total do ecossistema se prolonga até o início de 2023.
A importância da compatibilização de calendários vai muito além de mero alinhamento. Como mencionou Eduardo Fraga, diretor da Susep, o projeto do Banco Central prevê, na fase 4 de implementação do open banking, a entrada de segmentos como seguros e previdência. Com isso, caso a Susep não desenvolvesse sistema semelhante haveria uma assimetria no mercado de seguros, já que na ausência do open insurance produtos com acesso ao canal bancário seriam disponibilizados, enquanto empresas que disponibilizassem o mesmo serviço ou produto não teriam acesso ao sistema por não serem logadas a conglomerados financeiros7.
As primeiras fases têm o objetivo de testar e preparar o sistema para que os agentes tenham confiança e para que possam ser traçados diagnósticos de oportunidade. O sucesso da implementação do sistema recai justamente na garantia de um ambiente de compartilhamento de dados que seja confiável e acessível e, por isso, as minutas tanto da circular como da resolução frisam em diversos momentos termos como “segurança” e “controle”. A partir disso há o surgimento de um ambiente de oportunidade para o mapeamento e análise dos serviços disponibilizados e as necessidades dos consumidores.
O ecossistema informacional trazido pelo open insurance proporciona que não só o cliente possa contratar o melhor serviço para suas necessidades como também que haja uma redução significativa dos preços, já que a precisão da precificação do risco vai ser maior. Atualmente, as seguradoras precisam gerenciar um volume muito grande de dados e aprender o que podem extrair dessas informações, o que resulta em serviços e produtos genericamente desenvolvidos e precificados. A tecnologia de API dentro da piscina de dados do open insurance abre caminho também para inovações, pois permite que uma seguradora compare seus dados com as demais e busque soluções inovadoras e melhoria na experiência do cliente.
Os objetivos, modo e momento para implementação do open insurance parecem justificar o otimismo de seus defensores. Apesar de incipiente, parece promissor, mas deve provar-se seguro e confiável em suas fases iniciais de aplicação para que haja atração dos agentes necessários para seu funcionamento. Caso se concretize, mais um passo será dado para a modernização da regulação no setor, já que a diversificação e criação de produtos ficará por incumbência do mercado.
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1 Art. 2º, I Minuta de Resolução Susep citado abaixo.
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4 Disponível clicando aqui
5 Clóvis Beviláqua, Teoria Geral do Direito Civil, 5ª Ed., 1951, pp. 209-210
6 Art. 3º, VII e art. 4, VIII Minuta da Resolução supracitada.
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