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Da morte para vida – O fim da lama

A estrutura da constituição traz pilares que consagram o princípio da justiça social, a centralidade da pessoa humana na vida econômica e na ordem jurídica, mas também é sobretudo o da valorização do trabalho e do emprego.

28/4/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

O Brasil é um país de inocentes que não enxerga a verdadeira estética do trabalho. Muito embora nosso país retrate uma democracia efetivamente consolidada, assentada no Estado que é de Direito, o Brasil coloniza ilegalidades no trabalho de uma forma que causa suspeitas. A Reforma Trabalhista geminou movimentos de desproteção ao trabalhador. 

A estrutura da constituição traz pilares que consagram o princípio da justiça social, a centralidade da pessoa humana na vida econômica e na ordem jurídica, mas também é sobretudo o da valorização do trabalho e do emprego.

No dia 28 de abril de 1969, uma explosão numa mina no estado da Virgínia, nos Estados Unidos, matou 78 mineiros. Em 2003, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) instituiu a data como o Dia Mundial da Segurança e Saúde no Trabalho, em memória às vítimas de acidentes e doenças relacionadas ao trabalho.

Em 2020, outro evento chama a atenção do mundo e a vastidão dos crimes no trabalho, o enfrentamento do coronavírus, patologia muito recente que traz umas exigências novas e é um leque de imprevisibilidade para o trabalho cotidiano.

Mas voltando ao dia de hoje, o 28 de abril foi instituído no Brasil pela lei 11.121/05 e a finalidade é a cultura nacional de segurança e saúde ocupacional.

Portanto, é claro que o legislador queria enfatizar a proteção do trabalhador e conjugar com o direito à saúde, ostentando manifestas energias em tais campos, inclusive extraindo pela legislação infraconstitucional, algumas garantias.

Muito embora a Reforma Trabalhista tenha esmigalhado muitos direitos, cristalizando a patologização desses movimentos antidemocráticos, no campo da saúde do trabalhador, as alterações foram mínimas. Não se criou nada. Não sublinharam a tragédia de Brumadinho. Deixaram à sombra temas importantes e reduziram isto ou aquilo. Se preocuparam com os honorários periciais. Um fracasso.

De acordo com o Ministério da Economia, entre janeiro e dezembro de 2019, foram autorizados 193.660 auxílios acidentários no país. Este número estampa doenças relacionadas a acidentes físicos sofridos pelos trabalhadores ou mesmo as doenças ocupacionais desenvolvidas pelo exercício diário das atividades profissionais.

Em 2018, o número de acidentes de trabalho, segundo o Governo Federal, somou 477.415 em todos os estados brasileiros mais o Distrito Federal. Cerca de 2.022 pessoas morreram durante o expediente. O número de mortes entre 2012 e 2018 chega a 16.455, segundo levantamento do Observatório Digital de Saúde e Segurança do Trabalho.

Esses dados sacralizam o fato social.  Se morre mais caindo do andaime e pela lama do detrito de minério, do que indo ou vindo. A morte durante o trabalho é um indicativo de que a prevenção não atinge seu fim.

A Direção do Estado, a nível legal ou de políticas públicas é a única via para propiciar a redução dessas mortes absurdas. Não há fícus de práxis aqui. Tem que haver movimento.

A morte no trabalho é um tipo de alarme quanto à qualidade e solidez dos tijolos que usamos em nossa república. É uma amostra do porvir, é preciso cercá-la de andaimes.

A prevenção destaca-se como pedra angular neste movimento. É o acender de uma cultura nacional de segurança e saúde ocupacional. É a busca eficaz do direito (constitucional) a um ambiente de trabalho seguro e saudável que é respeitado em todos os níveis, onde governos, empregadores e trabalhadores participam ativamente através de um sistema de direitos e responsabilidades definidos onde a maior prioridade seja a prevenção. Sem isso, a democracia e o trabalho estarão marcados pela inércia e falta de cuidado, que pesa sobre eles.

O diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus disse que: “O mundo pós covid-19 terá que ser outro. Terá que ser mais Seguro, saudável e preparado. A vida não será mais como antes”.

Nada será como antes. A ramificação da luta pela vida se acendeu com a pandemia. Ainda que o trabalho siga lutando e que o trabalhador a nível mundial busque alternativas ambientais políticas e sociais para prestação de seu labor, o resultado final é positivo.

É isso que se celebra, a busca por vida, por um trabalho alinhado com a liberdade e a dignidade. Desalienado. E, sobretudo, o fim do diálogo com a morte. Chega de lama.

Maria Inês Vasconcelos
Advogada, pesquisadora, professora universitária e escritora.

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