Uma das novidades da nova Lei de Licitações - lei 14.133 de 1º de abril de 2021 - encontra-se em seu artigo 5º, no qual é possível vislumbrar um extenso rol de princípios a serem observados nas licitações.
São 22 princípios aos quais é feita referência expressa na norma, quais sejam, os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade, da eficiência, do interesse público, da probidade administrativa, da isonomia, do planejamento, da transparência, da eficácia, da segregação de funções, da motivação, da vinculação ao edital, do julgamento objetivo, da segurança jurídica, da razoabilidade, da competitividade, da proporcionalidade, da celeridade, da economicidade e do desenvolvimento nacional sustentável.
Dentre aqueles mencionados acima, o princípio da segregação de funções chama a atenção até por se tratar de uma novidade do novo diploma legal quando comparado à lei 8.666 de 21 de junho de 1.993.
Apesar de considerado uma novidade em comparação à antiga lei de licitações, a noção de segregação de funções já podia ser encontrada no ordenamento jurídico pátrio anteriormente à Constituição Federal de 1988, detidamente no artigo 57 do decreto-lei 2.300 de 21 de novembro de 1986 (norma geral de licitações e contratos administrativos pré-Constituição de 1988 e anterior à lei 8.666/93). O dispositivo previa a especial designação de um “representante da Administração” para a acompanhamento da execução e fiscalização de certo contrato administrativo.
Observa-se, também, menção expressa ao princípio da segregação de funções na instrução normativa 1, de 06 de abril de 2001, do Ministério da Fazenda. Na referida instrução, exige-se a “separação entre as funções de autorização/aprovação de operações, execução, controle e contabilização, de tal forma que nenhuma pessoa detenha competências e atribuições em desacordo com este princípio”.
A segregação de funções tem por função primordial a de servir como ferramenta de controle interno da própria Administração Pública a fim de garantir a independência funcional dos servidores e estrutural dos setores administrativos nas várias fases do procedimento licitatório. Isso porque, é inerente à segregação de funções que diferentes servidores atuem nas mais diversas fases da licitação, impedindo-se que uma única pessoa atue nos diferentes momentos do procedimento licitatório.
Trata-se, assim, de mecanismo apto a evitar falhas, omissões, fraudes, corrupção, abusos de poder, dentre outros aspectos. Na prática, a concretização de tal princípio pressupõe a correta e completa definição de funções a serem exercidas por cada servidor no decorrer do procedimento licitatório, em especial nas fases de planejamento, execução e controle.
Sendo um dos princípios basilares de controle interno, a prática da segregação de funções é recomendada pelos órgãos públicos de fiscalização e controle em diversos níveis de administração.
O Tribunal de Contas da União, por meio do acórdão TCU 686/11 – Plenário, recomenda à Administração Pública não “designar para compor Comissão de Licitação servidor que titularize cargos em setores que de qualquer modo atuem na fase interna do procedimento licitatório”.1
Outra decisão que merece referência consiste no acórdão 409/2007 - TCU2 da 1ª Câmara. No julgado, ressalta-se a importância da segregação de funções como ferramenta utilizada para otimizar e gerar eficiência administrativa.
Sob a ótica do setor privado, a segregação de funções acaba por conferir, ao menos em tese, maior segurança jurídica às licitações e contratos delas decorrentes, reduzindo os ricos de falhas e vícios que poderão, mais cedo ou mais tarde, gerar eventuais nulidades e/ou irregularidades contratuais.
Analisando a questão sob outro enfoque, a aplicação do princípio da segregação de funções, embora seja a regra geral, não é absoluta. Excepcionalmente, a partir da devida motivação, poderá ser limitada a incidência do princípio dadas as peculiaridades do caso concreto.
Como exemplo, menciona-se a eventual inexistência de diferentes departamentos internos ou mesmo disponibilidade de servidores em um pequeno município ou em eventual situação de urgência/calamidade. Nesse sentido, situações excepcionais podem mitigar a aplicação da segregação de funções, como no caso de pequenas unidades administrativas com eventual carência de pessoal.
Em tais hipóteses excepcionais, é plausível e razoável se permitir que um mesmo servidor atue em diferentes etapas do procedimento licitatório. Assim, conforme consta no Manual de Fiscalização de Contratos Administrativos do Tribunal de Contas do Estado do Mato Grosso3, “a Administração deve adotar alternativas administrativas capazes de, ao mesmo tempo, maximizar o aproveitamento de sua estrutura de pessoal e cumprir satisfatoriamente os mandamentos impostos pela legislação”.
Nessas situações que fogem à regra geral, a partir da ótica da ponderação, a aplicação do princípio poderá ser mitigada – mediante a devida motivação - evitando-se que a lógica da segregação de funções obste a continuidade de procedimentos licitatórios e contratações administrativas.
Pelo exposto, a menção expressa ao princípio da segregação de funções consiste em um aspecto positivo da nova Lei de Licitações. Trata-se, como visto, de ferramenta que, se bem executada, poderá contribuir com um maior controle interno da Administração Pública e com legalidade dos procedimentos licitatórios e contratos deles decorrentes.
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1 TCU – Acórdão 686/11 - PLENÁRIO - Processo 001.594/2007-6 – Relator André de Carvalho - Data da Sessão: 23/3/11.
2 Acórdão 409/07 - Primeira Câmara; Processo 016.555/2005-8; Relator Valmir Campelo; Data da Sessão 6/3/07.
3 Informações obtidas clicando aqui. Acesso em: 21 abr. 2021.