I – Introdução:
O aumento de 82,94% na realização de compensações tributárias, conforme relatório de arrecadação elaborado pela Receita Federal do Brasil – RFB1, não veio desacompanhado da ampliação das discussões e estudos sobre a referida modalidade de extinção dos débitos tributários.
A primeira delas, provavelmente influenciada pela derrota fazendária no emblemático RE 574.706/PR2 no Supremo Tribunal Federal – STF, diz respeito a possibilidade ou não de se compensar créditos tributários de natureza comum, oriundos de recolhimento indevidos ou a maior, com débitos vincendos de natureza previdenciária, como são os exemplos os “tributos sobre a folha” pagos pelos empregadores.
Nesta discussão, os argumentos giram em torno do momento em que a “compensação cruzada”, introduzida pela Instrução Normativa 1.717/17 após a implementação do sistema de apuração eSocial seria permitida: i) se a partir do recolhimento indevido, a contar da utilização do eSocial, ii) a partir do recolhimento indevido, independentemente da data de uso do eSocial ou, por outro lado; iii) a partir do trânsito em julgado da ação.
Outra discussão importante que vem sendo enfrentada com frequência, diz respeito a necessidade de retificação das obrigações acessórias pretéritas para o reconhecimento do indébito para a sua posterior utilização.
Nesta batalha, ora se defende a necessidade de prévia retificação das obrigações acessórias para reconhecimento do crédito, ora se pugna pela sua desnecessidade, tendo em vista o inquestionável direito à compensação, em caso de recolhimentos indevidos.
É a segunda discussão, contudo, que iremos nos ater neste estudo, sobretudo após a elucidativa publicação mencionando a volátil jurisprudência do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF3 sobre o tema.
II – Nascimento do “direito ao ressarcimento/compensação”:
Na consecução de suas atividades, se determinado contribuinte verificar que em alguns períodos realizou o recolhimento de algumas exações de maneira equivocada ou em valores superiores ao efetivamente devido, poderá optar pela realização de pedidos de restituições e compensações tributárias, conforme lhe permite atualmente a lei 9.430/96, especificamente em seus artigos 74 e seguintes:
Como também lhe permite o artigo 65 e seguintes da Instrução Normativa 1.717, de 2017, editada com o intuito de estabelecer os procedimentos referentes as restituições e compensações.
Ocorre, caros leitores, que em que pese o fato de a legislação tributária apontar que o crédito tributário é constituído na competência em que o contribuinte realiza o pagamento indevido ou maior, a Receita Federal considera que o crédito tributário é, na verdade, constituído quando da retificação das obrigações acessórias.
É o que se verifica, por exemplo, na Solução de Consulta COSIT 77/18.
10. Assim, é condição administrativa para o exercício de direito creditório do sujeito passivo o cumprimento da obrigação acessória de apresentação ou correção de GFIP vinculada ao pagamento indevido reconhecido judicialmente, conforme estabelecido no Manual da GFIP/SEFIP, aprovado pela IN RFB 880, de 16/10/8, em concorrência com as disposições contidas nos arts. 113 e 115 do CTN; art. 32, IV, da lei 8.212, de 1991, e art. 47 da IN RFB 971, de 2009. (...)
12. A inobservância de tal obrigação configura-se em ilícito tributário a ensejar a aplicação de penalidade pecuniária – conforme previsão do §3º do art. 113 do CTN c/c art. 32 – A da lei 8.212, de 1991, e c/c art. 746 da IN RFB 476, de 2009 -, cujo crédito tributário sujeita-se a lançamento de ofício, modalidade que se opera mediante auto de infração lavrado por Auditor Fiscal da RFB, nos termos dos arts. 142 e 149 do CTN c/c arts. 33, §§1º e 3º, e 37 da Lei 8.212, de 1991.
Ou até mesmo na Solução de Consulta DISIT 73, de 20 de abril de 2012:
INCIDÊNCIA NÃO-CUMULATIVA. APROVEITAMENTO DE CRÉDITOS EXTEMPORÂNEOS. NECESSIDADE DE RETIFICAÇÃO DE DACON E DCTF.
É exigida a entrega de Dacon e DCTF retificadoras quando houver aproveitamento extemporâneo de créditos da Contribuição para o PIS/Pasep.
Esse entendimento fazendário, de que somente com a retificação das obrigações acessórias ocorre o nascimento do direito ao crédito, entretanto, contradiz o seu próprio atendimento, acerca da impossibilidade da utilização do instituto da compensação entre débitos de natureza diversa (contribuições previdenciárias compensando débitos de PIS e COFINS, por exemplo) com relação a períodos anteriores a adoção do eSocial pelo contribuinte, como determina o artigo 76, inciso XX, da mencionada IN 1.717:
Art. 76. Além das hipóteses previstas nas leis específicas de cada tributo e no art. 75, a compensação é vedada e será considerada não declarada quando tiver por objeto:
XX - o débito dos demais tributos administrados pela RFB:
a) relativo a período de apuração anterior à utilização do eSocial para apuração das contribuições a que se referem os arts. 2º e 3º da lei 11.457, de 2007, com crédito concernente às referidas contribuições; e
b) com crédito das contribuições a que se referem os arts. 2º e 3º da lei 11.457, de 2007, relativo a período de apuração anterior à utilização do eSocial para apuração das referidas contribuições.
Como se nota, temos um comportamento totalmente contraditório, pois ao passo que se afirma que a retificação das obrigações acessórias, como as GFIPs ou DCTFs é o que faz com que ocorra o “nascimento” do direito ao crédito, posteriormente, a mesma Autoridade Fiscal afirma que as compensações entre tributos de espécies diferentes somente seriam permitidas para períodos de apuração após a adoção do sistema eSocial, como ficou claro na recente Solução de Consulta 50/214.
Afinal, considerando o posicionamento inicial da própria Receita Federal, seria possível se concluir que: o contribuinte, ao realizar a retificação das suas obrigações acessórias, poderá compensar o crédito identificado com os demais débitos federais, inclusive contribuições previdenciárias vincendas, uma vez que a retificação e, por consequência, a constituição do crédito tributário, ocorreria após o ingresso da empresa no eSocial (por exemplo, em dezembro de 2019).
III – Conclusão:
Por estes motivos, entendemos que o entendimento fazendário é altamente contraditório e demanda de uma definição pela própria Administração Pública. Contudo, até o momento, esta contrariedade autoriza que os contribuintes busquem o sempre atento Poder Judiciário, para que seja autorizado a compensação entre espécies de tributos diferentes, assim como permitido pela IN 1.717, mesmo que o período de apuração dos indébitos sejam anteriores a adoção do sistema eSocial, eis que nos termos do determinado pela própria RFB, apenas com a retificação das obrigações acessórias ocorreria a possibilidade de aproveitamento ao mencionado crédito tributário.
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1 Clique aqui, acesso em 20.4.21, às 20:09.
2 Clique aqui, acesso em 20.4.21, às 13:59.
3 Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF, acesso em 20.4.21, às 17:27.
4 Clique aqui.