Concluída a modernização do sistema que possibilita a penhora de ativos financeiros (Sistema de Busca de Ativos do Poder Judiciário - Sisbajud), em setembro de 2020, o aperfeiçoamento do Renajud surge como o mais novo auxiliar do Judiciário para a satisfação de dívidas em processos judiciais. O sistema funciona como uma restrição judicial online de veículos de propriedade de devedores, por meio da integração do Judiciário com o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran).
Atualmente, a ferramenta eletrônica pode ser acionada por magistrados de todo o país e seu uso mais frequente consiste no lançamento de ordens de circulação e alienação em automóveis. O tema, porém, tem sido palco de muitas polêmicas. Isso porque a nova funcionalidade do Renajud promete autorizar o bloqueio da carteira nacional de habilitação (CNH) do devedor, o que envolve teses a respeito da legalidade e do cabimento da referida suspensão.
De um lado, há quem defenda que a medida ofende a dignidade da pessoa humana, apresentando-se como medida gravosa ao devedor, que passa a sofrer limitações em seu direito de ir e vir.
Essa mesma corrente, também, argumenta que o bloqueio da CNH extrapola os limites da razoabilidade e da proporcionalidade porque não serve para atingir o patrimônio do devedor, tampouco modifica a circunstância de inexistência de bens em nome do deste.
No entanto, existem aqueles que defendem a literalidade do artigo 139, IV, do Código de Processo Civil, que autoriza ao magistrado que determine “todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial.” Nessa linha, o bloqueio da CNH aparece como um dos aparatos úteis ao credor para receber o que lhe é de direito.
Enxerga-se com bons olhos cada movimento das autoridades voltado à promoção da efetividade das demandas judiciais, principalmente no contexto da extrema lentidão processual e o estado de ineficiência do judiciário em muitos casos.
Contudo, além das teorias que envolvem o tema, fundamental mesmo é considerar que: da mesma forma que não parece razoável permitir que o devedor amargue anos a fio de execução frustrada, não é admissível a aplicação do referido artigo 139, IV em isolado, sem considerar o contexto fático do processo.
Com base na experiência na defesa dos interesses de clientes ora credores, ora devedores, leva-se à conclusão de que é plenamente possível autorizar a suspensão da CNH do devedor se esgotadas as tentativas de satisfação da dívida, em manifesta afronta ao resultado útil do processo. Todavia, isso deve ser aplicado para os casos em que se constatar a absoluta ineficácia dos demais meios de penhora, mediante decisão fundamentada e que oportunize a defesa do devedor.
Esse entendimento, inclusive, é sólido no Superior Tribunal de Justiça, que, no julgamento do Recurso Ordinário em Habbeas Corpus 97876-SP, foi enfático ao concluir que o bloqueio da CNH só se justifica quando precedido de decisão fundamentada e sujeita ao contraditório, demonstrando-se, inquestionavelmente, a sua excepcionalidade, em razão da ineficácia de outros meios de execução.
Nesse contexto é que os advogados parecem como ferramenta essencial. Seja para assegurar que os clientes, enquanto credores, tenham acesso ao que há de mais moderno e eficaz na recuperação de seus créditos, ou para evitar que, enquanto devedores, não sejam constrangidos ilegalmente ou violados em seus direitos fundamentais por força de decisões desmedidas.