INTRODUÇÃO
A Advocacia Geral da União, ao longo desses 25 anos, ofereceu à sociedade uma defesa, eminentemente combativa, aos interesses públicos federais, tutelando sua prevalência e superioridade. Um grande desafio se impõe, daqui para diante, à Instituição: atuar na Consensualidade. A técnica para o exercício dessa nova competência, de autocompor conflitos, ou advogar, de forma colaborativa, foi ofertada pela lei 13.140/15, e sua essencialidade ao exercício desse novo mister é objeto da reflexão que aqui se propõe.
Nas últimas três décadas, diversos movimentos transformaram o papel do Estado contemporâneo, deflagrando um processo de revisita à compreensão de sua finalidade na sociedade. Nesse contexto, a partir de meados dá década de 1990, o Brasil iniciou seu mais profundo processo de transição, ainda inacabado.
Nesse sentido, o país vem empreendendo alterações em sua estrutura administrativa, a fim de transformar o modelo burocrático de gestão e implantar novo modelo de administrar, denominado gerencial. A diferença entre ambos os modelos reside na finalidade da prestação dos serviços públicos: o gerencial visa ao atendimento dos interesses coletivos com foco no cidadão. Dessa forma, há um rompimento com a estrutura administrativa tradicional, uma vez que existe, agora, uma nova percepção quanto aos interesses coletivos e aos do Estado, em si. A reforma administrativa comprometeu o Estado com seus resultados qualitativos. A prestação do serviço e a atuação administrativa vêm buscando atuar da forma mais eficiente possível, a fim de satisfazer os interesses e necessidades do cidadão usuário, em vez de somente garantir a manutenção da rigidez administrativa. Assim, flexibilizados os modos de gestão e de adoção de políticas públicas, no decorrer da descentralização e desburocratização da atividade administrativa, o formalismo desmedido vem perdendo a vez.
I DO CONTEXTO HISTÓRICO POLÍTICO-SOCIAL DA CONSENSUALIDADE
Nesse panorama de transformações, o Estado passou, então, a priorizar o desempenho de suas tarefas, alinhadas aos seus objetivos, preferencialmente, de modo compartilhado com os cidadãos.
Exsurgem novos conceitos e valores do Estado eficiente. Fenômenos como o Estado em rede e a Governança Pública passam a ser propagados como pressupostos dessa eficiência. Assim, não há dúvida de que emerge uma nova forma de administrar, cujas referências são o diálogo, a negociação, o acordo, a coordenação, a descentralização, a cooperação e a colaboração.
Logo, a consensualidade na Administração Pública resulta de inúmeras transformações sociais, políticas e econômicas ocorridas em uma sociedade global, interferindo, de forma determinante, nas relações do poder público com os cidadãos.
II O INTERESSE PÚBLICO NO CONSENSO
Nesse panorama, relativizar o conceito clássico, que impunha um supremo e indistinto interesse público, uno e indivisível, é fundamental. Hoje, esse reconhecimento qualifica e privilegia a concepção de interesse público. Não há desamparo na consensualidade. Ao revés. O entendimento que, hoje, se pode, com propriedade, sustentar, é o da unidade de interesses públicos e privados, sem contradição, negação ou exclusão. Mas, antes de tudo, de harmonização.
Nesse panorama, vale ressaltar o pensamento de Norberto Bobbio, expressado em 1985, para quem "o Estado de hoje está muito mais propenso a exercer uma função de mediador e de garante, do que a de detentor do poder exercer uma função de mediador e de garante, do que a de detentor do poder de império."
Constata-se, nesses 25 anos de AGU, uma evolução das estratégias, de uma defesa intransigente, ao reconhecimento de um suposto déficit ou erro administrativo pelo Estado.
A atuação Consensual é, portanto, percebida como uma nova competência institucional, ao lado da Consultiva, Contenciosa e Correicional/Disciplinar. O êxito em cada uma dessas frentes de atuação institucional, vai requerer, do advogado público, aptidão diferenciada. Por essa razão, defende-se a especialização na advocacia pública. A missão institucional de diferenciar perfis próprios de atuação, capacitando-o, está a serviço da eficiência do serviço a ser prestado à sociedade e ao Estado pelo órgão representativo.
A nova realidade exige, portanto, uma advocacia pública de Estado, que atenda às mudanças paradigmáticas, exigindo não só qualificação e treinamento, mas, também especialização, com alterações estruturais, em sua repartição de competências, e funções institucionais, para abraçar a atuação consensual, como forma autônoma e independente de atender às demandas do Estado e da sociedade.
A LÓGICA DO CONSENSO: NOVA TÉCNICA
O atuar do advogado público, sob a lógica do consenso, difere fundamentalmente da atuação sob a lógica adversarial e do olhar consultivo e de assessoramento jurídico. São ofertas de serviços distintos. Usualmente, o que se verifica, em geral, é a aplicação de técnicas excessivamente persuasivas, já que nem sempre os profissionais do direito dispõem das habilidades específicas para conduzir processos consensuais. Por isso, muitas vezes, aqueles que acessam a via judicial enfrentam as dificuldades impostas por um sistema talhado na lógica adversarial. A postura persuasiva e combativa acaba comprometendo a qualidade dos acordos obtidos, comprometendo a sustentabilidade dos mesmos.
A ausência da técnica pode resultar, inclusive, na construção de um contencioso administrativo, ao invés de, efetivamente, facilitar uma comunicação e a construção de consenso.
Portanto, no compromisso com a eficiência e com a segurança jurídica, o construir do consenso precisa de técnica. A autocomposição há de ser um processo técnico, onde o advogado público condutor, deve ser capacitado para bem utilizar as ferramentas próprias, dentro dos princípios específicos desse novo atuar previsto em Lei. Surge, desse modo, um novo saber, uma nova lógica de pensamento e de postura ao Advogado Público.
O exercício da Mediação entre interesses conflitantes. por advogados públicos capacitados na técnica da Mediação, conforme exige a lei 13.140/15, é o cenário ideal pela congruência que lhe é possível construir entre os princípios do Direito administrativo e os inerentes à técnica da Mediação.
ADVOCACIA PÚBLICA COLABORATIVA: NOVA COMPETÊNCIA INSTITUCIONAL
Apresentei a proposta de um novo conceito de advocacia pública na I Jornada "Prevenção e solução extrajudicial de litígios", realizada no Conselho da Justiça Federal, em agosto de 2016. Aprovada por unanimidade, hoje, consiste em uma recomendação, expressa no enunciado 31 da CJF, dirigida aos órgãos representativos, aos representantes legais, aos representados e à sociedade.
É recomendável a existência de uma advocacia pública colaborativa entre os entes da federação e seus respectivos órgãos públicos, nos casos em que haja interesses públicos conflitantes/divergentes. Nessas hipóteses, União, Estados, Distrito Federal e Municípios poderão celebrar pacto de não propositura de demanda judicial e de solicitação de suspensão das que estiverem propostas com estes, integrando o polo passivo da demanda, para que sejam submetidos à oportunidade de diálogo produtivo e consenso sem interferência jurisdicional.1
A ideia foi importar o conceito da experiência na área privada da Advocacia Colaborativa, na qual se firmam pactos de não litigância entre os advogados, para que se evolua no diálogo e na busca por integralizar interesses contrários.
Na seara da Advocacia Pública, a importação de conceitos, requer, evidentemente, ajustes e adequações. O pacto de não judicialização pode ser firmado sem ofensa ao dever institucional, partindo-se da premissa da existência de um interesse público em construir soluções consensuais. A tutela a esse interesse autoriza o advogado público a optar e a se comprometer com a não judicialização. Frustrado o resultado da advocacia colaborativa, um novo cenário se recompõe no Contencioso, com novos advogados públicos. Essa é a ideia.
Assim, a advocacia pública colaborativa atende a uma AGU cidadã que tutela a dignidade humana, persegue a eficiência e realiza a opção constituinte por um sistema federativo de repartição de competências que funcione como uma unidade.
XI CONCLUSÃO
Há um grande caminho ainda a percorrer para que essa recomendação, constante do enunciado 31 do CJF, não seja um mero conselho, que será seguido ou não, conforme o juízo de valor e conveniência de cada advogado público ou gestor público. Deve, dessa maneira, carregar todo um peso conceitual de dogmas para embasar uma eficiente atuação colaborativa, oferecendo segurança jurídica à sociedade e ao Advogado Público que pretenda atuar de forma colaborativa.
Propõe-se, desse modo, a releitura do papel institucional da AGU dentro do atual contexto de uma Administração gerencial, sugerindo uma nova advocacia, exercida de forma colaborativa e não combativa, além de uma condução técnica dos processos de autocomposição.
Prospectivamente, se visualiza a especialização da advocacia pública como forma de dar suporte ao advogado público no exercício das novas competências institucionais, assegurando, com isso, que as soluções consensuais sejam efetivamente construídas de forma integrada, juridicamente segura e sustentável no tempo.
É a AGU inserida na cultura da paz social.
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