Passados pouco mais de doze meses do início da pandemia do novo coronavírus, os efeitos inéditos desse sinistro continuam a aparecer e a atingir a sociedade das mais diversas formas, seja no campo político, econômico e, claro, no jurídico.
Nesse sentido, a situação sem precedentes a qual estamos submetidos fez com que o STJ suspendesse a imposição da prisão civil àqueles que não adimplem as obrigações alimentares:
Diante do contexto social e humanitário atualmente vivido, não há ainda, infelizmente, a possibilidade de retomada do uso da medida coativa extrema que, em muitas situações, é suficiente para dobrar a renitência do devedor de alimentos, sobretudo daquele contumaz e que reúne condições de adimplir a obrigação. (Habeas Corpus 645.640/SC)
Como destacado pelo referido Tribunal, apesar de ser uma recomendação vigente do Conselho Nacional de Justiça – CNJ1, a medida coativa atualmente sustada é, justamente, o que garante aos alimentandos o recebimento daquilo a que fazem jus pois, sem tal coibição, muitos dos alimentantes se esquivam do cumprimento da sua obrigação, deixando aqueles que precisam de tal auxílio à míngua, especialmente em tempos tão difíceis.
Fato é que, com a deliberação do HC 645.640/SC, os preceitos do Código Civil (artigo 1.694 e seguintes) sofrem grande impacto, em razão da momentânea ineficácia do artigo 5º, inciso LXVII, da Constituição Federal.
Mas, diante desse cenário, o que fazer para compelir os devedores de alimentos a honrarem com os pagamentos?
Bem, partindo-se do pressuposto de que estamos diante de uma dívida que não foi liquidada oportunamente, tem-se que é possível o protesto e a inscrição do nome do devedor em cadastro de proteção ao crédito. Tal medida pode ser adotada pelo magistrado como meio de garantir a efetivação dos direitos fundamentais, especialmente, da criança e do adolescente.
Nesse sentido, o seguinte respaldo legal e jurisprudencial:
- Artigo 528, § 1º e artigo 782, §§ 3º e 4º do Código de Processo Civil;
- STJ. 3ª turma. REsp 1.469.102/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 8/3/16 (Info 579);
- STJ. 4ª turma. REsp 1.533.206/MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 17/11/15.
Ocorre que, de acordo com o STJ, essa alternativa só seria possível no caso dos alimentos devidos à menores de idade:
RECURSO ESPECIAL 1.577.031/MG (2016/0003309-0) RELATOR: MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO RECORRENTE: L R A (MENOR) RECORRENTE: E B A (MENOR) RECORRENTE: L R C A (MENOR) REPR. POR: M B A RECORRENTE: B B A RECORRENTE: A B A ADVOGADO: DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MINAS GERAIS RECORRIDO: I C DE A ADVOGADO: FELLIPE SOARES LEAL - MG124937N PROCESSUAL CIVIL (CPC/73). RECURSO ESPECIAL. DIREITO DE FAMÍLIA. ALIMENTOS. EXECUÇÃO. DEVEDOR. INSCRIÇÃO EM CADASTROS DE RESTRIÇÃO AO CRÉDITO. POSSIBILIDADE. COERÇÃO INDIRETA DO EXECUTADO. DIREITO À VIDA DIGNA. AUSÊNCIA DE IMPEDIMENTO LEGAL. MELHOR INTERESSE DO ALIMENTANDO. MÁXIMA EFETIVIDADE AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DA CRIANÇA E ADOLESCENTE. MÍNIMO EXISTENCIAL PARA SOBREVIVÊNCIA. PRECEDENTES. 1. Apesar da inexistência de previsão legal expressa de inscrição do devedor de alimentos contumaz nos órgãos de proteção ao crédito, com base no princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, bem como da tutela do direito social à alimentação, viável a adoção desse modo alternativo de coação para cobrança de dívidas alimentares, diante de tentativas infrutíferas de adimplemento, compelindo-se o devedor de alimentos a adimplir a dívida. [...] Ante o exposto, com base no art. 932, inciso IV, do Código de Processo Civil de 2015 c/c a Súmula 568 deste Superior Tribunal de Justiça, DOU PROVIMENTO ao recurso especial para autorizar a inscrição do nome do devedor nos cadastros de inadimplentes. Intimem-se. Brasília, 18 de setembro de 2017. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO Relator. (STJ - REsp 1.577.031/MG 2016/0003309-0, relator: ministro Paulo de Tarso Sanseverino, data de publicação: DJ 2/10/17)
Todavia, o texto do CPC expande essa previsão, ao trazer a viabilidade do protesto de forma ampla, não se limitando apenas aos casos de alimentos devidos a filho menor, haja vista que, outras modalidades de alimentos também são possíveis, do filho aos genitores, por exemplo.
Embora não nos pareça – ao menos a curto prazo – ser essa a melhor solução para obrigar os devedores de alimentos a honrar com a sua obrigação perante o alimentando, no contexto do atual cenário que estamos vivenciando, esta é uma opção assertiva para resolução desse tipo de impasse.
Isso porque, apesar de não estar impedido de exercer o seu direito de ir e vir, com o nome negativado o devedor perderá exponencialmente o seu crédito na praça. Isso quer dizer que essa pessoa terá maiores dificuldades de comprar a prazo e de ter acesso ao crédito. Tal situação pode gerar problemas, inclusive, quando da abertura de conta corrente, solicitação de cartão de crédito e adesão à financiamentos, por exemplo.
O credor (alimentando) pode, ainda, pugnar pela penhora das quotas sociais do devedor de alimentos, haja vista a existência de previsão legal para tanto:
AGRAVO DE INSTRUMENTO LOCAÇÃO AÇÃO DE DESPEJO CUMULADA COM COBRANÇA FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA - Penhora de quotas sociais pertencentes ao devedor principal Possibilidade Expressa permissão legal contida no art. 835, IX, do CPC/2015 Medida voltada à satisfação de débito pessoal do sócio e que nem sequer afronta a "affectio societatis" Precedentes Decisão mantida RECURSO NÃO PROVIDO. (Agravo de Instrumento 2022521-07.2020.8.26.0000 - relator Luis Fernando Nishi. 32ª turma de Direito Privado TJ/SP)
Importante salientar que, embora a decisão acima tenha dito que “nem sequer afronta a affectio societatis”, não significa necessariamente que, caso afetasse, a penhora seria negada pelo juízo.
Em conjunto, temos ainda outra opção, que também pode ser eficaz: o requerimento de suspensão da CNH e do passaporte do devedor, desde que esgotados os meios típicos de cobrança de crédito e mediante decisão devidamente fundamentada (3ª turma do STJ). Ao contrário do que ocorre nas hipóteses do protesto e da penhora, nesse caso, há restrição na locomoção do devedor que, embora não esteja encarcerado, tem por prejudicado o seu direito de ir e vir, conforme possibilitado pela jurisprudência atual.
De uma forma ou de outra, seja através da medida coativa da prisão civil, ou por meio das outras vias indicadas, o devedor será lembrado da sua obrigação, que é a de prestar os alimentos àqueles que necessitam e que possuem esse direito garantido por lei, seja em tempos de pandemia ou não.
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1 Recomendação CNJ 62/20, com vigência prorrogada até 31 de dezembro de 2021, pela Recomendação 91/21).