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ANA inicia regulação dos serviços de saneamento

No Brasil, a regulação dos serviços de saneamento é feita por agências estaduais, regionais ou municipais, de modo que a própria figura das “normas de referência” é uma novidade no setor.

20/4/2021

O novo Marco do Saneamento Básico, lei 14.026/20, atribuiu à ANA (Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico) a função de elaborar normas de referência para a regulação dos serviços públicos de saneamento básico. As normas publicadas pela Agência servirão de parâmetro para a regulação a nível regional e local, de modo a garantir maior uniformidade à regulação praticada ao redor do país.

Em março de 2021, a ANA disponibilizou para consulta pública a sua norma de referência, que trata da instituição da cobrança pela prestação do serviço público de manejo de resíduos sólidos urbanos.

Norma de referência

No Brasil, a regulação dos serviços de saneamento é feita por agências estaduais, regionais ou municipais, de modo que a própria figura das “normas de referência” é uma novidade no setor. Nesse sentido, a norma de referência em consulta pública, por ser a primeira, irá servir de base para as normas de referência futuras.

O objeto da norma decorre da nova redação do art. 35, § 2º, da Lei Nacional de Saneamento Básico, pelo novo Marco Regulatório, que estabelece o prazo de um ano para que os titulares dos serviços de manejo de resíduos sólidos proponham instrumentos de cobrança pela prestação do serviço, sob pena de renúncia de receitas nos termos do art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal.

O processo de construção da norma de referência começou em outubro de 2020, logo após a publicação do novo Marco. Para iniciar o processo, a Agência, em conjunto com a consultoria contratada pelo BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), organizou rodadas de discussões com os stakeholders, divididos em quatro grupos: (I) agências reguladoras e ABAR, (II) entidades representativas dos municípios, (III) prestadores de serviços e ABES, e (IV) governo federal e entidades de financiamento. Estas rodadas permitiram à ANA compreender as maiores dificuldades dos atores no setor, bem como as expectativas e necessidades para essa primeira norma de referência.

Quanto ao escopo, a norma tratará exclusivamente do manejo de resíduos sólidos (coleta, transporte, transbordo, tratamento e destinação final), não dispondo sobre a limpeza pública. Esta, que inclui as atividades de varrição, capina, poda de árvores e limpeza de vias públicas, entre outros, é serviço indivisível, que não pode ser remunerado por taxas ou tarifas, mas apenas por tributos de caráter geral.

Ainda, a cobrança disciplinada na norma incide apenas sobre a coleta e destinação final dos resíduos sólidos urbanos, não incluindo os resíduos dos grandes geradores.

Além da norma, a ANA também está produzindo um manual sobre a implementação da cobrança, para orientar os titulares e agências reguladoras de maneira mais detalhada.

Contexto

Durante a análise de impacto regulatório, a ANA verificou a baixa sustentabilidade financeira dos serviços. Dentre os mais de 3000 municípios monitorados pelo SNIS, a maioria não cobra pela prestação dos resíduos, e entre os que cobram, apenas 11,9% arrecadam valores suficientes para cobrir todas as despesas com a prestação do serviço. Mais de 40% dos municípios que cobram taxas ou tarifas atualmente recebem valores que correspondem a apenas 0 a 25% dos custos com o serviço.

Além disso, a imensa maioria dos que cobram, cobram taxa em conjunto com o boleto do IPTU, sujeitando-se à alta inadimplência e à utilização de registros defasados. Apenas 1% dos municípios monitorados cobram tarifa pela prestação do serviço;

A ANA também detectou baixa capacidade técnica e regulatória das agências reguladoras. Atualmente, apenas sete agências possuem atuação consolidada na regulação dos resíduos sólidos, cobrindo apenas 31 municípios, sendo 19 deles situados no Estado de Santa Catarina.

Conteúdo da norma

Na norma de referência disponibilizada em consulta pública, a ANA buscou incentivar a cobrança por meio de tarifas, instituídas por contrato de concessão ou por ato administrativo do titular. Em seus estudos, as tarifas aparecem como a melhor maneira para se atingir a sustentabilidade financeira do serviço.

Ainda assim, o município ou estrutura regional responsável pela prestação do serviço é livre para optar pela instituição de taxa. A diferença principal é que a taxa, como espécie de tributo, se sujeita ao regime tributário, de modo que exige lei para ser instituída ou majorada. Essa situação pode gerar entraves políticos à fixação do valor adequado. Já a tarifa terá seu valor fixado por agência reguladora, por meio de critérios técnicos que possam assegurar, de um lado, a cobrança de valor suficiente para fazer frente a todas as despesas com a prestação do serviço e, por outro, garantir a modicidade do valor cobrado dos usuários.

A norma tem o desafio de ser adaptável a diferentes contextos regionais, e por isso apresenta todas as alternativas para a estruturação de cobrança. Assim, o titular pode considerar as condições locais para definir o melhor modelo para sua realidade. Além de não limitar a escolha do instrumento (taxa ou tarifa), a norma apresenta os diferentes parâmetros que podem ser considerados na estrutura de cobrança (área construída, bairro do imóvel, volume disponibilizado para a coleta, consumo de água, entre outros), e as formas possíveis de cobrança (no boleto do IPTU, boleto específico ou cofaturado com outros serviços públicos), para orientar o gestor público na instituição.

Conclusão

Conforme a nova redação do art. 29 da Lei Nacional de Saneamento Básico, a sustentabilidade econômico-financeira dos serviços de saneamento básico será alcançada por meio da instituição de uma fonte financeira vinculada e contínua para custear as despesas com os serviços.

Na proposta de norma de referência em consulta pública, a ANA busca orientar os titulares e as agências reguladoras na instituição de instrumento de cobrança que assegure ao prestador dos serviços a receita requerida, sem vedar alternativas ou atrapalhar o que já está sendo feito (e funcionando) hoje nos municípios brasileiros. Nesse sentido, a norma é abrangente, apresentando alternativas que se aplicam tanto à prestação do serviço por concessionárias quanto à prestação direta por autarquias especiais. Da mesma forma, apresenta disposições orientando a instituição da cobrança em caso de prestação regionalizada do serviço.

Por fim, a norma também é pensada para ser de implementação rápida. É um ponto de partida importante para garantir os investimentos necessários para que, logo, todos os resíduos sólidos gerados tenham destinação ambientalmente adequada.

Wladimir Antonio Ribeiro
Sócio do escritório Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Sociedade de Advogados.

Tamara Cukiert
Sócia advogada do escritório Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Sociedade de Advogados.

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