Migalhas de Peso

A importância do direito canônico e do eclesiástico

O Direito Canônico e o Eclesiástico são realmente relevantes para a sociedade brasileira? É necessário entender o que é a lei e como funciona o Direito Religioso e os seus sub-ramos citados.

19/4/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

Para Tomás de Aquino, existe uma lei que veio de Deus e outra advinda dos homens. Sendo assim, para ele, as leis podem ser divididas em: lei eterna (provém de Deus) e lei natural (descobertas pela razão). Além disso, “a lei não é o mesmo direito, senão certa razão deste” (ST, I-II q. 57, art 1, ad 2), ou seja, a lei antecede, modula e justifica o direito.

O Direito Eclesiástico não adveio de Deus, e sim da humanidade. As leis eclesiásticas têm como objetivo criar direitos ou obrigações, que serão relevantes nas relações entre denominação religiosa e pessoas naturais ou jurídicas. Não é correto resumir o ramo eclesiástico ao conteúdo das leis eclesiásticas.

“As conclusões do Direito Eclesiástico devem ser concebidas como algo independente de qualquer sistema de crença, devendo obviamente conhecer, e muitas vezes, apoiar-se nos princípios fundamentais de determinada crença, mas basear-se suas conclusões nos princípios da dignidade da pessoa humana e da liberdade religiosa, o fato social e o próprio Direito, em harmonia com o Estado Democrático de Direito1.

No caso do Direito Eclesiástico, é possível dividi-lo entre Privado e Público. No primeiro, trata-se das relações entre a denominação e particulares. No segundo, visa-se as relações entre a denominação e o Estado.

Um dos motivos da necessidade de um Direito Eclesiástico no Brasil pode ser a própria história:

“Na visão histórica, é necessário dizer que uma das primeiras ações de Pedro Alvares Cabral fora organizar uma missa. A partir de 1549, com a chegada dos jesuítas da Companhia de Jesus, que fundaram diversas vilas e cidades, a presença da Igreja Católica se fortaleceu no Brasil. Conforme um relatório do instituto de pesquisa Pew Research Center, o Brasil possui 175 milhões de seguidores de Jesus, atrás apenas dos Estados Unidos, com 246 milhões”2

Desde a Constituição de 1824, encontra-se a importância da religião. Na Constituição Federal de 1988, em seu preâmbulo, é mostrada a importância de Deus para o povo brasileiro. As leis eclesiásticas não forçam a existência de um Estado Religioso, e sim a garantia e proteção da fé. No Brasil, fora adotada a laicidade aberta – também conhecida como laicidade brasileira -, que garante uma postura de neutralidade do Estado concernente a religião (art. 19, I, CF/88).

A partir de agora, o Direito canônico será explicado para que não seja confundido com o Direito celesiástico.

O Direito Canônico é o ordenamento jurídico de qualquer denominação religiosa, isto é, emana da própria denominação. A Igreja Luterana, por exemplo, possui o Livro de Concórdia como fonte primária de Direito Canônico. Na Congregação Cristã no Brasil – CCB, o estatuto pode ser considerado fonte primária do Direito citado.

Alguns estudiosos compreendem o Direito canônico como sinônimo do Direito eclesiástico. Joaquim dos Santos Abranches acredita que:

‘O Direito público ecclesiastico trata da constituição da Egreja. Ora a constituição fundamental da Egreja foi determinada por Jesus Christo d’um modo positivo: mas Jesus Christo deu também á Egreja o poder de se organizar e estabelecer d’harmonia com aquela constituição fundamental. De maneira que o direito publico da Egreja é divino e humano’3.

Como dito anteriormente, o Direito canônico emana da própria denominação, diferente do eclesiástico público que trata das relações com o Estado, além de que a lei eclesiástica é feita pelo legislador pátrio e a lei canônica é norma interna de uma denominação religiosa, que não pode ser aplicada em outra organização religiosa.

Para Pedro Lombardía, o Direito canônico é o ordenamento jurídico da Igreja Romana Apostólica4, entretanto, não pode ser visto assim, pois o referido Direito não deve ser confundido com o Código de Direito Canônico da citada organização religiosa. Não se trata de um ramo exclusivo da denominação romana apostólica.

O ramo canônico do Direito permite que um grupo religioso possa ter liberdade para apresentar os direitos e as obrigações que os seus fiéis possuem, enquanto estiverem conectados ao referido grupo. Deste modo, a liberdade de crença exigida pelo art. 5º, VI, da CF/88 é respeitada e cumprida.

Para reforçar o que foi defendido acerca do Direito canônico:

Assim sendo o Direito Eclesiástico e o Direito Canônico se apresentam como sub-ramos do Direito Religioso, sendo o Direito Canônico aquele voltado às normas e regulamentos internos das organizações religiosas, regulando as relações da Igreja com seus membros, bem como de sua diretoria e liderança5.

Diante do exposto, nota-se a importância do Direito Religioso e de seus sub-ramos (eclesiástico e canônico). Não se trata apenas de uma questão de fé, e sim de liberdade. O que seria a liberdade de crença? Seria possível que a referida liberdade limitasse direitos de outrem? Esse é um assunto para outro artigo.

_________

1. Direito Religioso questões práticas e teóricas. Vieira, THIAGO RAFAEL e Marques Regina, JEAN. 3º edição, página 64. Vida Nova, 2020.

2. Deus, Estado Laico e Preâmbulos. Conic-Semesp 2020. Disponível aqui.

3. ABRANCHES, Joaquim dos Santos. Direito Ecclesiastico Portuguez. Coimbra, 1895.

4. Pedro Lambardía, lições de Direito canônico (São Paulo: Loyola,2008). Página 15.

5. O direito canônico das Organizações Religiosas Brasileiras. Disponível aqui.

Lázaro Lima Souza
Atualmente é colaborador no escritório Ogawa, Lazzerotti & Baraldi Advogados.

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