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Nova lei de licitações e a responsabilidade subsidiária da administração pública pelos encargos trabalhistas

A questão sempre suscitou divergências no meio jurídico, todavia, ao longo dos anos firmou-se o entendimento nas Cortes Superiores de que a Administração seria responsabilizada por tais encargos tão somente quando houvesse prova de sua omissão em fiscalizar o contrato.

16/4/2021

 

De conhecimento geral a entrada em vigor da lei 14.133/21, conhecida como a nova Lei de Licitações, bem como as diversas alterações trazidas que afetam de forma substancial o Direito Administrativo e suas intersecções com o Direito do Trabalho.

Em que pese a referida norma prever em seu art. 193, II, que a lei 8.666/93 apenas será completamente revogada dois anos após sua publicação oficial, importante identificar o atual entendimento firmado, principalmente no que tange aos aspectos atinentes a responsabilidade da Administração Pública pelos encargos trabalhistas e contratos de terceirização.

O art. 71 da lei 8.666/93 já previa que a responsabilidade pelos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais seria suportada pelo contratado e não automaticamente transferidos à Administração. Senão vejamos:

Art. 71. O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato.

§ 1º A inadimplência do contratado, com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis.

§ 2º A Administração Pública responde solidariamente com o contratado pelos encargos previdenciários resultantes da execução do contrato, nos termos do art. 31 da lei 8.212, de 24 de julho de 1991. (Redação dada pela lei 9.032, de 1995) (destacamos)

A questão sempre suscitou divergências no meio jurídico, todavia, ao longo dos anos firmou-se o entendimento nas Cortes Superiores de que a Administração seria responsabilizada por tais encargos tão somente quando houvesse prova de sua omissão em fiscalizar o contrato, a chamada culpa in vigilando.

Frise-se, por oportuno, que a condenação do ente público sem a devida prova constituída nos autos, partindo-se de mera presunção, viola o entendimento legal e caracteriza declaração velada de inconstitucionalidade do parágrafo 1º do artigo 71 da Lei de Licitações.

Feitas tais ponderações, a nova Lei de Licitações manteve em sua integralidade o disposto no caput do art. 71 da lei 8.666/93, e acrescentou outras disposições.

Veja-se a nova redação:

Art. 121. Somente o contratado será responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato.

§ 1º A inadimplência do contratado em relação aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transferirá à Administração a responsabilidade pelo seu pagamento e não poderá onerar o objeto do contrato nem restringir a regularização e o uso das obras e das edificações, inclusive perante o registro de imóveis, ressalvada a hipótese prevista no § 2º deste artigo.

§ 2º Exclusivamente nas contratações de serviços contínuos com regime de dedicação exclusiva de mão de obra, a Administração responderá solidariamente pelos encargos previdenciários e subsidiariamente pelos encargos trabalhistas se comprovada falha na fiscalização do cumprimento das obrigações do contratado.

§ 3º Nas contratações de serviços contínuos com regime de dedicação exclusiva de mão de obra, para assegurar o cumprimento de obrigações trabalhistas pelo contratado, a Administração, mediante disposição em edital ou em contrato, poderá, entre outras medidas:

I - Exigir caução, fiança bancária ou contratação de seguro-garantia com cobertura para verbas rescisórias inadimplidas;

II - Condicionar o pagamento à comprovação de quitação das obrigações trabalhistas vencidas relativas ao contrato;

III - efetuar o depósito de valores em conta vinculada;

IV - Em caso de inadimplemento, efetuar diretamente o pagamento das verbas trabalhistas, que serão deduzidas do pagamento devido ao contratado;

V - Estabelecer que os valores destinados a férias, a décimo terceiro salário, a ausências legais e a verbas rescisórias dos empregados do contratado que participarem da execução dos serviços contratados serão pagos pelo contratante ao contratado somente na ocorrência do fato gerador. (destacamos)

Observa-se que a lei passou a dispor no parágrafo 2º do art. 121 que as contratações de serviços contínuos com regime de dedicação exclusiva de mão de obra são a única hipótese de responsabilização subsidiária da Administração.

Tal tipo de contratação é definido no art. 6º, XV da lei 14.1333/21, da seguinte forma:

Art. 6º Para os fins desta lei, consideram-se:

XVI - serviços contínuos com regime de dedicação exclusiva de mão de obra: aqueles cujo modelo de execução contratual exige, entre outros requisitos, que:

a) os empregados do contratado fiquem à disposição nas dependências do contratante para a prestação dos serviços;

b) o contratado não compartilhe os recursos humanos e materiais disponíveis de uma contratação para execução simultânea de outros contratos;

c) o contratado possibilite a fiscalização pelo contratante quanto à distribuição, controle e supervisão dos recursos humanos alocados aos seus contratos;

Portanto, a lei estabeleceu distinção entre os serviços de mão de obra quando os mesmos são prestados de forma contínua e com regime de dedicação exclusiva, sendo que, nessa modalidade, os empregados do contratado ficam à disposição nas dependências do contratante, tornando possível a fiscalização pelo contratante quanto à dinâmica da prestação de serviços, inclusive em relação a sua distribuição, controle e supervisão.

Ocorre que, apesar de ser este o caso das principais contratações envolvendo terceirização por parte do Poder Público, tal hipótese, por si só, não enseja a responsabilização subsidiária. Isso porque, a lei também dispôs que para a incidência da responsabilidade é imprescindível que haja comprovação de falha na fiscalização do cumprimento das obrigações do contratado.

Desse modo, o que o que já havia sido previsto na súmula 331 do TST, passou a constar na própria lei de Licitações, encerrando a cizânia que havia sobre o tema, ante a omissão na lei 8.666/93.

Veja-se trecho da aludida súmula:

V - Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da lei 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada. (destacamos)

Diante disso, tem-se observado que nas inúmeras ações judiciais envolvendo a temática, os entes estatais têm comprovado sua efetiva fiscalização, por meio de toda documentação exigida. Até porque, tal ato é requisito legalmente estabelecido à manutenção dos mesmos desde a lei 8.666/93 (art. 67), mantido da seguinte forma na lei 14.133/21:

Art. 117. A execução do contrato deverá ser acompanhada e fiscalizada por 1 (um) ou mais fiscais do contrato, representantes da Administração especialmente designados conforme requisitos estabelecidos no art. 7º desta lei, ou pelos respectivos substitutos, permitida a contratação de terceiros para assisti-los e subsidiá-los com informações pertinentes a essa atribuição. (destacamos)

Todavia, em que pese o princípio do livre convencimento motivado, o Judiciário tem criado parâmetros do que considera ou não, prova da fiscalização. Ocorre que, os contratos existentes entre particulares com a Administração Pública estão adstritos ao princípio da legalidade, assim, faz-se apenas o que expressamente previsto em lei, inclusive nos atos fiscalizatórios.

Assim, quando o Judiciário estipula balizas probatórias nos casos concretos, aquém do que prevê a própria legislação de regência está, mesmo que de forma indireta, criando novas regras aos contratos de terceirização.

Nesse ínterim, ressalta-se o previsto no parágrafo 3º, do art. 121, da lei 14.133/21, in verbis:

§ 3º Nas contratações de serviços contínuos com regime de dedicação exclusiva de mão de obra, para assegurar o cumprimento de obrigações trabalhistas pelo contratado, a Administração, mediante disposição em edital ou em contrato, poderá, entre outras medidas: (destacamos)

Claramente a legislação não estipula quais meios a Administração se utilizará para assegurar o cumprimento das obrigações trabalhistas, tratando-se de rol meramente exemplificativo, não cabendo ao Judiciário fazê-lo.

Assim, cumpridas as exigências previstas na Lei de Licitações no que tange à fiscalização do contrato, em regra, não há que se falar em falha. De modo que, demonstrando a Administração ter seguido tais preceitos, caberia a parte autora comprovar o contrário.

Ressalta-se ainda que nos termos da já mencionada súmula 331 do TST, "A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada."

Diante disso, faz-se cada vez mais necessário a adequação do entendimento jurisprudencial à Nova lei de Licitações, afastando a responsabilidade subsidiária da Administração quando verificado o cumprimento dos atos fiscalizatórios previstos na lei.

Ingrid L. Bonadiman Arakaki
Advogada e mestranda em Direitos Humanos/UFMS.

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