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Promiscuidade negocial e parcialidade – O problema das colaborações na Lava Jato

O julgador pode se basear nos meios de prova para justificar determinada decisão do ponto de vista probatório, como fundamentação idônea, diferentemente do que se dá em relação aos meios de obtenção de prova, que não podem ser valorados diretamente pelo magistrado.

15/4/2021

I. Contextualização e premissas introdutórias

No último mês, o julgamento do Habeas Corpus 164.493/PR, pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), e a decisão monocrática proferida nos Embargos de Declaração opostos no Habeas Corpus nº 193.726/PR, suscitaram inúmeras dúvidas a partir do debate em torno de institutos processuais.

Ambas as decisões analisaram, respectivamente, a suspeição do julgador e a incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba para processar e julgar parte da Operação Lava Jato, a qual figura, especialmente, Luiz Inácio Lula da Silva. Após extensa apresentação do percurso que delimitou a competência do Juízo em questão, a decisão demonstrou a ausência de vínculo específico entre Lula e Petrobras S/A.1 Por sua vez, o julgamento da Segunda Turma em prol da suspeição foi possibilitado por fatos que oportunizaram a aferição da imparcialidade, a partir de caracteres subjetivos, do ex-juiz Sérgio Moro em relação a Lula – apenas referente ao caso do Triplex.

O enfrentamento verticalizado quanto à (in)competência da 13ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Curitiba, que afeta a todos os casos relacionados a Luis Inácio Lula da Silva, foi possibilitado somente em 03 de novembro de 2020, com a impetração do HC 193.726.

Trata-se de institutos processuais situados em um pano de fundo que pode, em alguma altura, causar dúvidas e gerar confusões. Este panorama é corroborado, ainda, com outro elemento, que redobra a dificuldade da análise: a própria Lava Jato e sua morfologia.

A referida operação, enquanto megaprocesso, apresentou característica própria, qual seja, o uso dilargado de colaborações premiadas, servindo estas enquanto meios para a produção de provas, mas não só: também como fins em si mesmas.2 Neste cenário, a ferramenta que teria delimitada função (reforça-se, enquanto meio),3 é alçada à condição de verdadeira rainha das provas.4

Outra deficiência que pode ser apontada sobre tais megaprocessos diz respeito justamente à problemática definição de competência do Juízo (local para o processamento do caso), especialmente em virtude da sequência de investigações sobre crimes diversos, que representam um sem-fim de apurações denominadas, como recurso hiperbólico, de “fases”.5

De modo inicial, sinalizamos que os casos referidos tanto integram a Lava Jato quanto contam, em sua base, com o uso da ferramenta da colaboração premiada – e de todos os seus pressupostos, tais como a negociação, formulação, apreciação e respectiva valoração.

Com efeito, o contexto fático proporcionado pelas decisões e a constatação do uso indiscriminado de colaborações premiadas provocaram os questionamentos anunciados. Bem por isso, e pela discussão em torno da incompetência ter outra sintaxe, própria, optamos por uma separação para fins didáticos: o presente ensaio tem na suspeição o seu referencial, e se propõe a levantar interrogações apenas quanto a esse instituto.

Pois bem. Fixadas as premissas de análise, pergunta-se: afinal, foram afetadas as colaborações que dizem respeito ao HC 164.493? Como ficam as colaborações premiadas produzidas na Operação Lava Jato? Quais são as repercussões possíveis sobre tais instrumentos de obtenção de prova?

Com a atuação deliberadamente perniciosa de atores jurisdicionais, inclusive daqueles que, pela função institucional, firmam os decisivos Acordos de Colaboração Premiada – responsáveis por toda a sustentação das hipóteses acusatórias desenvolvidas –, impõe-se ainda outro questionamento, em abstrato: como podemos considerar a colaboração em eventual situação de suspeição?

Antes de prosseguir, é imprescindível delinearmos brevemente o marco de compreensão sobre o instituto para depois enfrentarmos as perguntas propostas.

 

- Clique aqui para conferir o artigo completo na íntegra.

___________________

1 “Definiu-se, em resumo, que a prevenção do saudoso Ministro Teori Zavascki no âmbito do Supremo Tribunal Federal, assim como a da 13ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Curitiba, no contexto da “Operação Lava Jato”, seria restrita aos fatos relacionados a ilícitos praticados apenas em detrimento da Petrobras S/A.” STF, HC 193.726 ED/PR, Rel. Ministro Edson Fachin, DJe 9.3.21, fl. 9.

2 Como se vê: “[...] muitos desses acordos se revelaram vazios. Sua finalidade única era, mais uma vez, a execração dos acusados, dando ao ar de ilicitude a fatos muitas vezes publicamente conhecidos. Esses acordos infrutíferos veiculavam em muitos casos imputações unilaterais, destituídas de qualquer elemento mínimo de corroboração além da mera palavra do colaborador.” STF, HC 164.493/PR, Rel. Ministro Edson Fachin, p/ acórdão Ministro Gilmar Mendes, j. 23.3.21, fls. 58-59.

3 Em conformidade com a previsão do art. 3º, da Lei 12.850/13.

4 Para mais conhecimento a respeito da abrangência, etimologia e características dos megaprocessos, ver, entre outros, Malan, Diogo. Megaprocessos criminais e direito de defesa. Revista Brasileira de Ciências Criminais, vol. 159, ano 27, pp. 45-67. São Paulo: Editora RT, setembro 2019. Malan, Megaprocessos..., p. 47.

5 Assim: “O fato de a polícia judiciária ou o Ministério Público Federal denominarem de “fases da operação Lava-Jato” uma sequência de investigações sobre crimes diversos [...] não se sobrepõe às normas disciplinadoras da competência.” STF, INQ. 4.130 QO, Rel. Ministro Dias Toffoli, Tribunal Pleno, DJe 03.02.2016. Também em Pet. 8.090 AgR, que definiu o juízo destinatário das investigações: “[...] 1. O fato de a polícia judiciária ou o Ministério Público Federal denominaram determinadas apurações como fases da Operação Lava Jato, a partir de uma sequência de investigações sobre crimes diversos, não se sobrepõe às normas disciplinadoras de competência. Precedente: INQ 4.130 QO [...].” STF, Pet. 8.090 AgR, Rel. p/ Acórdão Ministro Gilmar Mendes, Segunda Turma, j. 8.9.20, DJe 11.12.20.

Matheus Chiocheta
Advogado criminalista em São Paulo. Formado em Direito pela PUC-RS. Sócio do escritório Chiocheta Advocacia. Especialista em Direito Penal Econômico, membro do Departamento de Estudos e Projetos Legislativos do IBCCRIM. Diretor acadêmico do CJA/CBMA.

Roberta de Lima e Silva
Advogada criminalista em São Paulo. Formada em Direito pela PUC-SP, sócia do escritório De Lima e Silva Advocacia. Especialista em Direito Probatório pela Universidad Alberto Hurtado, pós-graduada em Direito Penal Econômico pela FGV-SP. Mestranda em Filosofia do Direito pela PUC-SP e em Raciocínio Probatório pela Universitat de Girona (UdG).

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