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São dos melhores anjos que surgem os piores demônios

O mais preocupante é que, em ambos os casos, houveram, como comandantes dessas tramas jurídicas, o protagonismo de “juízes-justiceiros”, que tiveram suas escolhas viciadas. Frutos de uma imagem fabricada e projetada pelos veículos de comunicação de massa.

16/4/2021

Dois julgamentos recentes marcaram o cenário político brasileiro e português: aqui, o andamento do processo de Luiz Inácio Lula da Silva, ex-presidente do Brasil (2003-2010), no âmbito da Operação Lava Jato; em Portugal, o julgamento de José Sócrates, ex-primeiro ministro lusitano (2004-2011), investigado ao longo da Operação Marquês.

No último domingo (11), o jornal Folha de S. Paulo publicou uma entrevista que o próprio José Sócrates ressaltou as coincidências entre os casos: “as mesmas conduções coercitivas, os mesmos vazamentos, a mesma cumplicidade do jornalismo, a mesma instrumentalização política de combate à corrupção”; “a mesma escolha viciada do juiz, o juiz que nunca esteve acima das partes, mas ao lado delas, o Ministério Público; “o juiz-herói construído pela indústria midiática”; “a mesma violência, a mesma brutalidade, o mesmo ódio político”; “O lawfare é uma guerra de extermínio.”

O que mais impressiona é que, em ambos os casos, os dois supostos réus tiveram suas sentenças anuladas. Assim como o ministro Edson Fachin do Supremo Tribunal Federal (STF) anulou as sentenças já proferidas em segunda instancia contra o ex-presidente Lula, a Justiça portuguesa decidiu na semana passada que a acusação de corrupção que imporia sete anos de prisão a Sócrates não tinha fundamento.

Sem entrar no mérito dos processos, tanto a defesa do ex-presidente, para rebater as denúncias contra seu cliente, como o próprio José Sócrates, alegam que são vítimas a chamada lawfare, que, a grosso modo, traduz uma guerra jurídica que é travada pela manipulação das leis com apoio intenso e ininterrupto da mídia para atingir alguém que foi escolhido como inimigo político, não raro para que este seja impedido de se eleger novamente.

O mais preocupante é que, em ambos os casos, houveram, como comandantes dessas tramas jurídicas, o protagonismo de “juízes-justiceiros”, que tiveram suas escolhas viciadas. Frutos de uma imagem fabricada e projetada pelos veículos de comunicação de massa, cujo tom opinativo, para além do informativo, macula a apuração imparcial dos fatos, que é a nobre missão da imprensa livre por excelência.

Serve de alerta para a sociedade civil organizada, especialmente as entidades ligadas à advocacia como a Ordem do Advogados (OAB) e os vários Institutos de Advogados ao redor do país, para que estejam melhor preparados para evitar a ocorrência, especialmente no atual mundo digital, dessa união nefasta de dois poderes que se aliam para afastar do cenário político um alvo a ser atingido – o poder da “burocracia jurídica”, no caso o próprio órgão que deveria ser o fiscal da lei, então comandados por um “juiz-justiceiro”; e ­ o poder da “indústria midiática” que captura os fatos políticos sob a ótica do espetáculo escandaloso para derrubar a presa sob uma via legal camuflada.

O mais irônico é que foi a contra mídia antagonista, protagonizada pelo portal The Intercept, uma publicação on-line independente dos grupos de comunicação do país, que revelou à nação as surpreendentes conversas dos membros da operação Lava Jato, sobre as quais o ministro Gilmar Mendes, relator do último julgamento do ex-presidente, afirmou: “Se foram só conversa de anjos não muda nada.”

Infelizmente, como já disse um pensador: “São dos melhores anjos que surgem os piores demônios.”

Antonio Mario de Abreu Pinto
Presidente Honorário do Colégio dos Presidentes dos Institutos de Advogados do Brasil. Sócio do escritório Albuquerque Pinto Advogados.

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