Dois julgamentos recentes marcaram o cenário político brasileiro e português: aqui, o andamento do processo de Luiz Inácio Lula da Silva, ex-presidente do Brasil (2003-2010), no âmbito da Operação Lava Jato; em Portugal, o julgamento de José Sócrates, ex-primeiro ministro lusitano (2004-2011), investigado ao longo da Operação Marquês.
No último domingo (11), o jornal Folha de S. Paulo publicou uma entrevista que o próprio José Sócrates ressaltou as coincidências entre os casos: “as mesmas conduções coercitivas, os mesmos vazamentos, a mesma cumplicidade do jornalismo, a mesma instrumentalização política de combate à corrupção”; “a mesma escolha viciada do juiz, o juiz que nunca esteve acima das partes, mas ao lado delas, o Ministério Público; “o juiz-herói construído pela indústria midiática”; “a mesma violência, a mesma brutalidade, o mesmo ódio político”; “O lawfare é uma guerra de extermínio.”
O que mais impressiona é que, em ambos os casos, os dois supostos réus tiveram suas sentenças anuladas. Assim como o ministro Edson Fachin do Supremo Tribunal Federal (STF) anulou as sentenças já proferidas em segunda instancia contra o ex-presidente Lula, a Justiça portuguesa decidiu na semana passada que a acusação de corrupção que imporia sete anos de prisão a Sócrates não tinha fundamento.
Sem entrar no mérito dos processos, tanto a defesa do ex-presidente, para rebater as denúncias contra seu cliente, como o próprio José Sócrates, alegam que são vítimas a chamada lawfare, que, a grosso modo, traduz uma guerra jurídica que é travada pela manipulação das leis com apoio intenso e ininterrupto da mídia para atingir alguém que foi escolhido como inimigo político, não raro para que este seja impedido de se eleger novamente.
O mais preocupante é que, em ambos os casos, houveram, como comandantes dessas tramas jurídicas, o protagonismo de “juízes-justiceiros”, que tiveram suas escolhas viciadas. Frutos de uma imagem fabricada e projetada pelos veículos de comunicação de massa, cujo tom opinativo, para além do informativo, macula a apuração imparcial dos fatos, que é a nobre missão da imprensa livre por excelência.
Serve de alerta para a sociedade civil organizada, especialmente as entidades ligadas à advocacia como a Ordem do Advogados (OAB) e os vários Institutos de Advogados ao redor do país, para que estejam melhor preparados para evitar a ocorrência, especialmente no atual mundo digital, dessa união nefasta de dois poderes que se aliam para afastar do cenário político um alvo a ser atingido – o poder da “burocracia jurídica”, no caso o próprio órgão que deveria ser o fiscal da lei, então comandados por um “juiz-justiceiro”; e o poder da “indústria midiática” que captura os fatos políticos sob a ótica do espetáculo escandaloso para derrubar a presa sob uma via legal camuflada.
O mais irônico é que foi a contra mídia antagonista, protagonizada pelo portal The Intercept, uma publicação on-line independente dos grupos de comunicação do país, que revelou à nação as surpreendentes conversas dos membros da operação Lava Jato, sobre as quais o ministro Gilmar Mendes, relator do último julgamento do ex-presidente, afirmou: “Se foram só conversa de anjos não muda nada.”
Infelizmente, como já disse um pensador: “São dos melhores anjos que surgem os piores demônios.”