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A Lei Anticorrupção e os limites da responsabilidade objetiva: Uma proposta de lege ferenda

Há normas para todos os gostos e situações, de modo que podemos seguir nos questionando, por que ainda ouvimos, vemos e sentimos tantos casos de corrupção?

16/4/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

É lugar comum o desejo de um país com menos corrupção. Neste contexto, há diversos mecanismos que a legislação traz consigo na busca da repressão e da prevenção nesta matéria, podendo ser citados o capítulo de crimes específicos contra a administração presente no Código Penal, a Lei de Licitações que prevê crimes específicos, a nova Lei de Licitações recente promulgada (lei 14.133/21), que inclui todo um capítulo no Código Penal acerca dos crimes em licitações e contratos administrativos, a Lei de Improbidade Administrativa, a Lei de Regime Diferenciado de Contratações Públicas e a Lei de Combate à Corrupção, também denominada Lei Anticorrupção. E é nesta seara que vamos trazer alguns comentários.

Uma primeira constatação, portanto, é que há normas para todos os gostos e situações, de modo que podemos seguir nos questionando, por que ainda ouvimos, vemos e sentimos tantos casos de corrupção?

Como forma de compreensão, em primeiro lugar, devemos ter presente que os crimes contra a administração e os atos que podem ser compreendidos como de improbidade, em sentido amplo, são fruto da ação humana, que é movido por uma moral própria do indivíduo e deriva de seu caráter. De um ponto de vista empírico, é possível compreender que a corrupção advém da quase certeza de impunidade – ou no mínimo de alta morosidade no processamento dos fatos.

Neste contexto, destacamos a Lei Anticorrupção, que foi sancionada em 2013, e tinha por objetivo exatamente aprimorar os mecanismos de responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos lesivos contra a administração pública.

A primeira nota marcante a diferenciar a Lei Anticorrupção da Lei de Improbidade Administrativa reside no fato de que a primeira norma mencionada tem por objetivo a responsabilização das pessoas jurídicas, e não as físicas – embora estas também o serão “na medida de sua culpabilidade” (art. 3º, § 2º).

O propósito, a nosso ver, era o de buscar atingir o núcleo econômico da matriz de corrupção, penalizando as empresas pela prática de ato que pudessem concorrer para o resultado danoso.

Para tanto, o art. 2º, da lei 12.846, de 2013, previu que “As pessoas jurídicas serão responsabilizadas objetivamente, nos âmbitos administrativo e civil, pelos atos lesivos previstos nesta Lei praticados em seu interesse ou benefício, exclusivo ou não” (grifo nosso).

É bem por isso que se coloca como absolutamente necessário compreender a origem da norma, que teve por força motriz no Brasil, além de inúmeros movimentos internacionais de transparência e integridade, as manifestações populares iniciadas em 2013, com o propósito candente de combater a cultura da corrupção. Ou seja, a norma foi uma tentativa de resposta, uma reação a uma problemática posta à época.

E cá estamos quase oito anos após a vigência da norma, e o que temos na prática que tenha propiciado a redução da impunidade ou mesmo da sensação de que vivemos em um país menos corrupto?

Pouco, quase nada, e ainda com a ameaça premente de que as grandes corporações que sempre estiveram à frente das grandes contratações passem a figurar no arquivo morto das Juntas Comerciais, já que para a falência.

ANTONIO ARALDO FERRAZ DAL POZZO et al, ao comentar a Lei Anticorrupção, conduz à conclusão no sentido de que “(...) a "pessoa jurídica" é uma ficção jurídica, um ente que existe apenas no mundo do direito, mas que não tem vontade própria e nem age por si mesma - sua vontade é aquela que externam as pessoas qualificadas por seus estatutos e contratos e seu "agir" é a ação de seus órgãos, administradores e prepostos1.

De fato, as empresas são anímicas, ou seja, não tem vida ou vontade próprias, não se expressam por si tampouco realizam atos, sendo os dirigentes e colaboradores a sua verdadeira alma.

E daí, como é que se pode impor a responsabilidade objetiva a empresa, que desenvolve atividade econômica, emprega pessoas, gera renda, agrega valor à sociedade, se aqueles que efetivamente podem macular a sua imagem e reputação serão responsabilizados “no limite de sua culpabilidade” (art. 3º, § 2º)?

Aqui, temos que diferenciar da responsabilidade objetiva decorrente do Código Civil (art. 927, p. único) em relação à Lei Anticorrupção, de modo a compreender que há verdadeiro excesso, e por isso deve ser objeto de revisão, por meio de proposta de lei, a imputação de responsabilidade objetiva.

É bem por isso que ANTONIO ARALDO FERRAZ DAL POZZO e outros já alertaram que “Daí o enorme cuidado que doravante terão que ter todas as pessoas jurídicas que travam relações jurídicas com os entes públicos, no que diz respeito às pessoas que possam representá-las2.

Por isso, não se ignora a necessidade de ter mecanismos que repreendam a prática da corrupção, em sentido amplo, mas não se pode extremar as medidas, de forma policialesca, que ensejam um prejuízo maior à própria sociedade, condenando uma empresa pela prática de seus dirigentes e colaboradores.

As corporações devem, sim, pagar pela má conduta de seus colaboradores, ensejando inclusive que se tenham políticas de compliance rigorosas, mas substituir a perquirição da culpabilidade pode ser desastrosa – notadamente ao arrepio do devido processo legal –, como a prática tem demonstrado.

De mais a mais, é importante ter presente que há um série de outras medidas que podem ser exploradas em diversas outras searas, inclusive cumulativamente, como é o caso de lançar mão de punições na esfera penal (criminalização do ato) e cível (CADE, improbidade administrativa etc.) – assunto que certamente será objeto de reflexão em uma próxima oportunidade, considerando a máxima do non bis in idem3.

De toda a sorte, filio-me ao entendimento que é – se mantida a perspectiva de responsabilização objetiva decorrente da Lei Anticorrupção – necessária e indispensável a prova de nexo de causalidade entre a conduta do agente e consequente ilícito4.

Por isso, parece razoável refletir: ora, se o ato de improbidade não pode impor responsabilidade objetiva ao agente, é razoável que tal responsabilidade seja objetiva em desfavor da empresa, que se consubstancia na atividade humana?

Diante dessa perspectiva econômica, muito prejudicial para a economia de um país em desenvolvimento como o Brasil, é que se pode capitular, como um dos erros capitais, a previsão de responsabilização objetiva da pessoa jurídica, devendo-se propugnar para um amadurecimento evolutivo da legislação de regência, com o intuito de evitar a imposição de sequelas econômicas ainda mais severas, notadamente porque já há uma complexa rede de mecanismos jurídicos que preveem a responsabilização dos culpados com base no grau de sua respectiva culpabilidade.

_________

1 DAL POZZO, Antonio Araldo Ferraz et al. Lei Anticorrupção: apontamentos sobre a Lei n. 12.846/2013. 2ª. Ed. São Paulo: Contracorrente, 2015, p. 37.

2 Idem, p. 38.

3 Outra crítica que também se considerada, em breve, diz respeito ao direito sancionador administrativo que não acompanha, necessariamente, as evoluções na esfera penal, como denunciam RENATO DE MELLO JORGE SILVEIRA e EDUARDO SAAD-DINIZ: “O modelo do direito administrativo sancionador tampouco acompanha - como deveria - a mesma proteção de garantias do sistema jurídico-penal. Sem mencionar-se a discussão sobre as finalidades da intervenção punitiva que diferencia o sistema administrativo do penal (que vai para muito além da mera reparação do dano), o perigo que representa a nova regulamentação remonta à delicada antecipação do juízo de punibilidade da conduta de que podem ser vítimas os acusados nos processos administrativos de responsabilização (PAR)” (in Compliance, direito penal e lei anticorrupção, São Paulo: Saraiva, 2015, p. 325.

4 Idem, p. 39.

Paulo Henrique Triandafelides Capelotto
Advogado sênior e sócio do escritório Dal Pozzo Advogados.

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