A possibilidade de intimação por meio eletrônico depende de lei específica que regule a matéria. Atualmente, a Lei de Informatização do Processo Judicial (lei 11.419/06) autoriza o uso de meio eletrônico na “tramitação de processos judiciais, comunicação de atos e transmissão de peças processuais” (art. 1º). O aplicativo WhatsApp parece se adequar ao conceito jurídico de “meio eletrônico” previsto em lei (CPC, art. 246, inc. V; lei 11.419/06, art. 1º, § 2º, I). Surge então a dúvida: seria possível a comunicação de atos processuais por WhatsApp? Ainda não é possível responder de forma categórica, mas há decisões que indicam uma tendência favorável ao uso do aplicativo para esse fim.
Recente decisão do STJ, proferida em 21/11/19, no julgamento da HDE 2.935, de relatoria do min. Mauro Campbell Marques, é um marco relevante a favor da prática. O Tribunal proferiu decisão homologatória de sentença estrangeira, proferida em Portugal, na qual entendeu não haver nulidade na citação feita por WhatsApp e, portanto, não haver óbice à homologação.
Para proferir a decisão, o STJ levou em consideração o teor da certidão positiva de citação, bem como o fato de que o patrono do devedor não alegou vício de citação em sua contestação. Como diz o princípio, “pas de nullité sans grief”: como o devedor não demonstrou prejuízo efetivo decorrente da sua citação via WhatsApp, não haveria nulidade no ato. O mesmo princípio foi aplicado pelo TJ/SP em julgamento recentíssimo, para negar a alegação de nulidade em citação via WhatsApp.1
No entanto, o tema não é imune a controvérsias: há também decisões em sentido oposto. Em geral, o raciocínio contrário à prática se funda na ausência de regulação legal que autorize expressamente o uso do aplicativo, ao menos para fins de citação na Justiça Comum. Essa já foi a posição expressada em decisões também recentes do TJ/SP2 e do TJ/MG3.
O TJ/SP já foi mais rígido com o uso do WhatsApp em processos judiciais: por meio do comunicado CG 2.265/17, o tribunal expressamente comunicou que se absteria de fazer uso do aplicativo para efetuar intimações. No entanto, com a eclosão da pandemia do coronavírus, foram editadas novas resoluções que flexibilizam essa vedação, a exemplo dos comunicados CG 249/20 e 262/20, que passaram a permitir a utilização do WhatsApp pelo oficial de justiça para realizar intimações no âmbito da Lei Maria da Penha (lei 11.340/06).
À luz das decisões judiciais já proferidas, podem ser extraídas algumas conclusões preliminares de ordem prática para aqueles que queiram se valer da ferramenta. Para facilitar a intimação judicial pelo aplicativo, inclusive a citação, vale avaliar a inclusão do número do WhatsApp já na qualificação da parte contrária na petição inicial – ainda que a citação efetiva seja pessoal, o aplicativo pode ser utilizado para ajudar o oficial de justiça na localização da parte. Além disso, na tentativa de intimação pelo aplicativo, é importante transmitir cópia integral do ato processual a que se pretende dar ciência e reunir provas de que a mensagem foi acessada pela parte: prints da visualização da mensagem (mudança da cor do símbolo de “checked” para azul), de resposta posterior referente ao conteúdo enviado, de foto e nome de perfil que identifiquem a parte etc. Se a parte comparecer em juízo e não impugnar a intimação pelo aplicativo, a intimação poderá ser aceita como válida, em linha com as decisões já citadas.
Embora o uso do aplicativo ainda suscite dúvidas, a possibilidade de intimação judicial, inclusive citação, via WhatsApp vem se tornando realidade. As restrições impostas pela pandemia de covid-19 aceleraram significativamente esse processo. Dada a relevância da prática e de suas consequências, vale acompanhar de perto a evolução do tema nos tribunais.
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1 TJ/SP, 4ª Câm. Dir. Púb., Apel. nº 1001211-31.2019.8.26.0247, Rel. Des. Ferreira Rodrigues, j. 21/9/20.
3 TJ/MG, AI nº 1.0040.16.006875-1/001, Rel. Des. Amauri Pinto Ferreira, j. 8/2/16.