Primeiramente, ao analisar o artigo 50 do Código Civil, não verificamos qualquer óbice para impossibilitar o requerimento da desconsideração da personalidade jurídica nas sociedades anônimas, desde que sejam preenchidos seus requisitos.
Portanto, ao ser apresentado o pedido de desconsideração da personalidade jurídica, em um primeiro momento, pode-se entender que os acionistas serão abarcados pelo manto da desconsideração da personalidade jurídica, sendo responsáveis pelos danos constatados.
Entretanto, como a principal característica desta sociedade é transmitir a segurança aos seus acionistas, vinculando sua responsabilidade ao limite de suas ações, a utilização do instituto nestes casos é excepcionalmente permitida quando verificado o abuso da utilização de tais características presentes na sociedade anônima.
Resta evidente que, nestes casos, deve ser demonstrado o abuso da utilização indevida da personalidade jurídica da sociedade empresária, devendo ser demonstrado o desvio da sua finalidade e confusão patrimonial ocasionado diretamente por seus acionistas.
Por outro lado, há entendimentos que tal permissão seria uma afronta ao artigo 117 da lei 6.404/76. Isto porque referido artigo aduz que o acionista controlador é quem deve responder pelos danos que ocasionar, quando verificado abuso de poder e com relação às situações contidas em seu parágrafo primeiro.
Desta modo, o que podemos verificar é que, com relação ao artigo 50 do Código Civil, a desconsideração da personalidade jurídica deve ser aplicada quando verificado abuso na utilização da personalidade jurídica, causando danos a terceiros, enquanto com relação ao artigo 117 da lei, deve ser aplicado quando os atos praticados causaram danos à sociedade em si, mesmo que atinja a terceiros.
Portanto, o artigo 117 não é excludente para utilização da desconsideração da personalidade jurídica do artigo 50 do Código Civil, pois tanto os atos fraudulentos, quando os abusos realizados podem ser utilizados em ambas as hipóteses.
Ademais, a aplicação do artigo 50 do Código Civil poderá ser utilizado tanto na sociedade anônima de capital aberto, quanto na sociedade de capital fechado.
Ressalte-se que a verificação e utilização do instituto da desconsideração da personalidade jurídica nas empresas de capital fechado é muito mais fácil de ser utilizada, pois há maior possibilidade de identificação dos sócios pois, neste caso, existe a “affectio societatis” e a gestão de sua administração muitas vezes é realizada pelos próprios acionistas.
Acaso seja constatado os requisitos autorizadores da desconsideração da personalidade jurídica, todos os seus acionistas causadores dos danos serão responsabilizados.
Já com relação às sociedades anônimas de capital aberto, também é possível a utilização do instituto da desconsideração da personalidade jurídica.
Para que seja possível a aplicação, deve-se verificar se o acionista causador do dano tem ações suficientes para controlar a sociedade ou, ainda, de alguma maneira possua poder de decisão para permitir certo controle que possa intervir na gestão da sociedade, determinando o futuro da empresa, já que o acionista de uma empresa que não detenha tais poderes não pode ser responsabilizado.
Portanto, nos casos de sociedade anônima de capital aberto, a desconsideração da personalidade jurídica deverá alcançar o acionista que possua controle da empresa.
Em ambos os casos, sociedade anônima de capital aberto e de capital fechado, faz-se necessário a comprovação do ato lesivo, utilizando a personalidade jurídica das empresas de maneira indevida, causando danos tanto para empresa quanto para terceiros.
Um outro meio de utilização da desconsideração da personalidade jurídica é na existência de grupo econômico de fato, onde é exercido o comando de uma rede de empresas.
Sendo assim, é plenamente cabível a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica nas sociedades anônimas com o objetivo de alcançar outras sociedades, as quais possuem coligação e/ou controle da sociedade, utilizando a sua personalidade jurídica de forma indevida, alterando seu objetivo ou mesmo ocasionando a confusão patrimonial entre as empresas.
Portanto, podemos verificar que a desconsideração da personalidade jurídica nas sociedades anônimas tem como escopo buscar atingir a sociedade, assim como as demais sociedades controladoras ou controladas, de acordo com o artigo 50 do Código Civil, assim, todas as sociedades que fazem parte do grupo poderão responder, solidariamente, pelos prejuízos ocasionados.
Com relação à responsabilização dos administradores, importante destacar que, em regra, os administradores não são responsabilizados pelos seus atos durante a gestão da sociedade, isto porque os administradores atuam em nome da sociedade.
Ademais, a Lei das Sociedades Anônimas já possui normas que imputam aos administradores responsabilidade por seus atos causadores de danos no exercício de suas atribuições, quando agirem com dolo ou culpa, ou agirem em discordância com o estatuto social ou quando violam a própria lei, respondendo, assim, pelos danos gerados.
Portanto, a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica perante os administradores é plenamente cabível, entretanto, não será fácil a sua comprovação, pois neste caso será necessário constatar o abuso da personalidade jurídica emanada pelos administradores e o prejuízo perante terceiros.
Ressalte-se que precisa ficar devidamente demonstrado que o administrador agiu fora de suas competências, com o intuito de prejudicar terceiros, fraudar credores, ocasionando a confusão patrimonial dos bens da sociedade, para que seja imputado a ele a responsabilidade solidária pelos danos verificados.
O que podemos verificar é que as atitudes do administrador, além de se enquadrar no artigo 50 do Código Civil, também mantém similaridades com o artigo 158 da lei 6.404/76, trazendo as causas de responsabilização do administrador pelos danos por ele causados.
Sendo assim, verificamos que a desconsideração da personalidade jurídica será mais difícil de ser aplicada nos casos que envolvam os administradores das sociedades anônimas, tendo em vista que possuem um maior número de pessoas administrando, assim como sua substituição com o término do prazo do exercício de suas atividades.
Outro ponto a ser considerado é a dificuldade de citação para chamá-los ao processo para responder pela desconsideração da personalidade jurídica, pois uma sociedade anônima pode conter dezenas ou até centenas de sócios, o que dificultaria o envolvimento dos responsáveis.
Uma situação mais simples, porém, não menos trabalhosa, seria no caso de acionista e administrador se confundirem na mesma pessoa, permitindo a imputação da responsabilização de uma forma mais célere.
Por outro lado, uma vez verificada a possibilidade de utilização do instituto e a responsabilização dos culpados, podemos ainda mencionar que há o direito de regresso em caso de dano ocasionado ao sócio acionista prejudicado, desde que não tenha concorrido no fato gerador do dano, socorrendo-se junto ao Poder Judiciário para obter ressarcimento pelos prejuízos causados pelo administrador ou acionista culpado pelos seus atos.
Com relação às jurisprudências, em certos casos há entendimentos que a desconsideração da personalidade jurídica somente poderia ser aplicada em sociedade anônima de capital fechado, entretanto, com o verificado no presente artigo, ficou demonstrada a possibilidade de aplicação do instituto em ambas as sociedades, tanto capital fechado quanto de capital aberto, desde que preenchido seus requisitos.
Portanto, se verifica com o presente artigo ser plenamente possível a aplicação do artigo 50 do Código Civil no âmbito das sociedades anônimas, desde que preenchidos seus requisitos e comprovado o abuso na utilização da personalidade jurídica empresarial.
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STJ. REsp 1.721.239/SP, rel. min. PAULO DE TARSO SANSEVERINO, 3ª TURMA, j. em 27/11/18
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