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Os contornos da pejotização de acordo com a jurisprudência e as leis brasileiras

A ação foi proposta em virtude de decisões de Tribunais do Trabalho, que afastaram a aplicação da norma de Direito Civil e reconheceram a existência de relação empregatícia na prestação pessoal de serviços.

14/4/2021

Em dezembro de 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, na Ação Declaratória de Constitucionalidade 66 (ADC 66)1, que o artigo 129 da lei 11.196, de 2005, é plenamente constitucional.

Segundo o dispositivo legal em questão, a prestação de serviços intelectuais, inclusive os de natureza científica ou cultural, em caráter pessoal ou não, sujeita-se apenas à legislação aplicável às pessoas jurídicas, exceto em caso de abuso da personalidade jurídica ou desvio de finalidade.

A ação foi proposta em virtude de decisões de Tribunais do Trabalho, que afastaram a aplicação da norma de Direito Civil e reconheceram a existência de relação empregatícia na prestação pessoal de serviços.

Assim, ao contrário das decisões da Justiça do Trabalho, o STF considerou que é plenamente legal a contratação de pessoas jurídicas, prestadoras de serviços intelectuais ou científicos, mesmo que haja engajamento pessoal do sócio na realização das atividades e dos serviços contratados, exceto em caso de fraude.

Essa recente decisão do Supremo se junta àquela proferida pelo mesmo Tribunal na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 324 (ADPF 324)2, que, em agosto de 2018, afirmou a validade da terceirização da atividade fim e a inconstitucionalidade da súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho (TST).

Os referidos posicionamentos do STF trouxeram clareza a um tema com histórico espinhoso na Justiça do Trabalho, somando-se às regras trazidas pela lei 13.467/17, consolidando, com isso, uma nova arquitetura jurídica para a prática da delegação de atividades para empresas especializadas nos serviços.

Contudo, ainda não há uma autorização irrestrita para a chamada “pejotização”, assim entendida a contratação de uma pessoa física por meio de uma pessoa jurídica, com os objetivos de camuflar uma relação de trabalho pessoal e subordinado e de reduzir os encargos sociais e fiscais.

As regras dos artigos 2º e 3º da CLT continuam em vigor, de modo que qualquer prestação pessoal, não eventual e remunerada de serviços subordinados permanece sendo uma relação empregatícia. O trabalho pode ser pessoal, não eventual e remunerado, mas não pode ser subordinado.

O inconveniente é que, apesar de ser o cerne para a definição do tipo de relação, não há um conceito legal ou jurisprudencial uniforme para a subordinação. Há margem para subjetividades, o que é sempre indesejado por quem pretende ter segurança jurídica e clareza nas regras.

De todo modo, é possível identificar alguns aspectos, comumente tidos como indicativos da existência de uma relação comercial verdadeira entre a empresa contratante e a pessoa jurídica prestadora de serviços.

Primeiro, é importante que a empresa prestadora de serviços seja especializada no tipo de atividade contratada. Aquele que não detém competência técnica para executar determinado serviço deverá ser, por ilação lógica, dirigido e orientado no trabalho, ou seja, subordinado.

Além disso, é recomendável que se trate de empresa com outros contratantes, ou seja, com múltiplas fontes pagadoras. Trata-se de característica que afasta a essência da subordinação, conforme indica a máxima: aquele que aliena a sua força de trabalho para diversos contratantes não é subordinado a ninguém.

O argumento é sustentado por meio de uma análise de direito comparado, já que o aspecto da multiplicidade de fontes pagadoras foi muito valorizado pela Suprema Corte da Califórnia, nos Estados Unidos, no julgamento do chamado precedente Dynamex Operations3.

Naquele caso, a Corte californiana criou o chamado “Teste ABC”, que analisa a presença de três fatores, para determinar se o indivíduo é empregado ou contratante independente: (a) trabalhador não subordinado à direção da contratante em seu trabalho, (b) serviços não relacionados à atividade principal da contratante, e (c) outras fontes de pagamento para o prestador de serviços, referentes ao mesmo tipo de atividade desempenhada.

Como a lei brasileira não distingue quanto à atividade fim ou meio, a ausência de submissão às ordens da contratante e a existência de outras fontes pagadoras pelo mesmo tipo de atividade são fatores determinantes para afastar a existência de subordinação do prestador de serviços e, portanto, do risco trabalhista.

Essa tendência foi confirmada por um julgamento recente do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região4, que afastou a existência de relação de emprego entre um consultor “PJ” e as empresas de engenharia que o contrataram para prestar serviços, ante a existência de múltiplas fontes pagadoras e a ausência de subordinação.

É preciso, portanto, advertir que continua a ser ilícita a “pejotização”, assim entendida aquela prática de camuflar uma relação empregatícia, ou seja, de trabalho subordinado, por meio da inclusão de uma pessoa jurídica como formalmente contratada.

Fora das hipóteses de fraude, contudo, tem-se que a lei brasileira atual e a jurisprudência dos Tribunais vêm evoluindo, para conferir maior segurança jurídica à contratação de pessoa jurídica individual para a realização de serviços intelectuais, sem submissão às ordens da tomadora, com especialização na atividade e mais de uma fonte pagadora.

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Renato Melquíades
Sócio diretor do escritório Renato Melquíades Advocacia.

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