A experiência democrática em Atenas, na Grécia antiga, foi implementada, de forma direta, em todo o território de Ática, península na região montanhosa entre o Mar Egeu e o Golfo Sarônico. Atenas era um importante centro comercial em face da sua privilegiada posição geográfica, o que permitiu a expansão cultural, das trocas econômicas e das relações sociais, ao mesmo tempo que a necessidade de instituições para realizar a pacificação social.
Nessa perspectiva, observou-se, em Atenas, um paralelismo entre o surgimento das instituições judiciárias e o aparecimento na política da democracia. É o que se vê, por exemplo, com o Tribunal dos Heliastas (apreciava recursos contra decisões dos juízes), o Tribunal dos Efetas (competência restrita ao crime de homicídio) e os juízes dos demos (justiça itinerante com competência cível). Verifica-se, desse modo, a contribuição dessas instituições para a organização de uma cidade isonômica, participativa e dialógica, bem como visualizam-se as origens remotas do vínculo entre democracia e sistemas de justiça1.
No Brasil, os direitos reconhecidos pela Constituição de 88 ampliaram as possibilidades de exercício da cidadania e viabilizaram a percepção do Poder Judiciário enquanto espaço para atender os anseios da sociedade civil. Este é um aspecto que se soma a conjunção de fatores (jurisdição constitucional, crises de representatividade, necessidade de políticas públicas, defesa dos interesses metaindividuais etc.), os quais delineiam o cenário em que o Poder Judiciário assumiu papel de relevância na democracia brasileira.
Os debates em torno do ativismo, autocontenção e viabilização da cidadania a partir do Poder Judiciário compartilham, com diferentes posições relativamente a benefícios e desvantagens, o reconhecimento de que essas instituições funcionam ao lado de iniciativas voltadas à manutenção e ao equilíbrio de um regime político democrático. Como afirmei na minha coluna anterior “Posição da magistratura é de equidistância”, entende-se, nesse sentido, que essa equidistância assegura que o sistema de justiça proporcione, nos limites do ordenamento jurídico, efetividade aos direitos conferidos pelo legislador à população, sem, no entanto, tornar-se refém das pressões das ruas e de quaisquer comportamentos que maculem a imparcialidade que é pressuposto à independência judicial.
O modelo instalado no Brasil com a Constituição Cidadã de 88 e a Emenda Constitucional 45/04 viabilizou a discussão no Judiciário de temas vinculados ao acesso à justiça, novos direitos, saúde, pluralismo, igualdade, direitos humanos. No STF, por exemplo, destacaram-se os julgamentos que decidiram pela proibição do nepotismo na Administração Pública (RE 579.951); constitucionalidade da lei da ficha limpa (ADCs 29 e 30 e ADIn 4578);equiparação das uniões homoafetivas às uniões estáveis heteroafetivas (ADPF 132 e ADIn 4.277); reserva de vagas para ingresso em universidades públicas com base em critério étnico-racial (ADPF 186); interrupção voluntária da gravidez no primeiro trimestre (HC 124.306).
Tais decisões conferiram à Suprema Corte e ao próprio Judiciário protagonismo nacional, exercendo a contar daquele novo paradigma função determinante na expansão da cidadania, no enfrentamento a desigualdades históricas e, consequentemente, no equilíbrio da democracia.
Guardadas as ressalvas pertinentes, esses são elementos que demonstram a contribuição que as instituições judiciárias, desde Atenas, têm o potencial de oferecer para ampliar a participação e o pertencimento das pessoas à comunidade política. No caso brasileiro, a colaboração direta do Poder Judiciário ao aperfeiçoamento democrático no país.
Justiça e paz!