Na peça “O Mercador de Veneza” de Shakespeare, a advogada Pórcia, desmantelou os argumentos de Shylock com a letra da lei. O judeu havia esquecido de colocar no contrato algumas palavras que foram cruciais para o seu desfecho.
Tal descuido não pode ser sustentado, especificamente, em relação ao artigo 53 da Constituição de 1988, o qual foi emendado em 2001, para evitar-se, justamente, possíveis superinterpretações.
Nos dizeres de Trindade, superinterpretação ‘‘seria uma leitura inadequada de um texto. Caracteriza-se pela imposição da vontade do leitor, que desrespeita a intenção do texto, ao violar a sua coerência ou, então, ultrapassar seus limites semânticos, apoderando-se de seu sentido.’’
Veja-se. O texto original do artigo 53 da Carta Maior expunha:
‘‘Os Deputados e Senadores são invioláveis por suas opiniões, palavras e votos1.’’
Com efeito, redatores da emenda 35, de 2001, como o José Roberto Batochio e seu relator, o Ibrahim Abi-Ackel, estavam dúbios a respeito do trecho final do artigo 53, entre acrescentar ‘‘no exercício das suas funções'' ou ‘‘quaisquer opiniões’’.
Assim, Batochio teria dito que o excerto ‘‘no exercício das suas funções'' poderia provocar vastas brechas de interpretações. Por conseguinte, prosseguiu o então deputado que ao optar-se por ‘‘quaisquer’’ assegurar-se-ia ao deputado ou ao senador dizer coisas das mais tresloucadas possíveis, e, consequentemente, o vocábulo dever-se-ia preservar o direito de dizê-las. Estas revelações foram feitas pelo jurista Ives Gandra, em recente entrevista, confira2:
Por esta razão, a atual redação do artigo 53 enuncia: ‘‘Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos.’’ Melhor dizendo: atentaram-se à letra da lei previamente, ao contrário de Shylock.
Ademais, aqui está explícita a teoria que é comumente utilizada pelos norte-americanos, o Originalismo - isto é, a concepção de que a Constituição deve ser interpretada de acordo com a intenção original dos redatores do texto constitucional. Sendo assim, e partindo desse pressuposto, o STF superinterpretou o artigo 53 da Magna Carta ao decretar a prisão preventiva do deputado Daniel Silveira.
Pergunto: O que queriam os redatores ao escreverem a emenda mencionada? Não foi escrita de modo intencional para preservar aos parlamentares, legítimos representantes do povo, ir além com as suas críticas, e caso necessitassem, empregar linguagem dura e exorbitante? Alexandre de Moraes ultrapassou os limites semânticos do texto, apoderando-se do seu sentido originário?
Ao cabo, deixo a cada leitor que as responda.
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