No dia 1º de abril de 2021, foi publicada, na edição extra do Diário Oficial da União, a lei 14.133/21, passando, então, a vigorar o Édito de Roussillon brasileiro. Agora, faz-se possível asseverar a existência de uma nova forma de regular o que dispõe o artigo 37, inciso XXI, da Constituição Federal.
Para melhor compreensão do que se passou até o sancionamento da nova Lei, o presente artigo propõe uma divisão histórica em três linhas do tempo convergentes. Uma que abarcará os Projetos de lei 163/95 e 1.292/95. Outra linha do tempo que abrangerá os Projetos de lei 559/13 e 6.814/17. Por fim, analisar-se-á a forma como o Senado Federal compreendeu a tramitação, passando a denominar a tramitação como Projeto de lei 4.253/20, no final do último ano.
A “primeira linha do tempo” mencionada inicia com o Projeto de lei 163, de autoria do Senador Lauro Campos, em 22/05/95, que, sem a pretensão de ser, porquanto a intenção, à época, era apenas de modificar o artigo 72 da lei 8.666/93, tornou-se, o que, durante muito tempo, foi considerado o início da nova “Lei de Licitações e Contratos Administrativos”. Após tramitar por pouco mais de seis meses no Senado Federal, em 30/11/95, o Projeto de lei 163/95 foi apresentado na Câmara dos Deputados sob identificação do Projeto de lei 1.292. Nesta Casa Legislativa, passou por diversas comissões, apensamentos, audiências públicas e trâmites legislativos, nas últimas décadas.
A “segunda linha do tempo” tem seu surgimento mais recentemente, eis que o Projeto de lei 559, de autoria da Comissão Temporária de Modernização da lei de Licitações e Contratos - lei 8.666/93 (CTLICON), foi apresentado no Senado Federal apenas em 23/12/131. Diferentemente do Projeto de lei do ano de 1995, verifica-se que a finalidade da referida Comissão, criada em 28/05/13 por ato do Presidente do Senado Federal 19, já era de atualizar e modernizar a lei 8.666/93. Todavia, a análise da Comissão resultou em ilações que iam além de meras atualizações, ensejando, assim, a apresentação do Projeto de lei do Senado Federal 559.
Desse modo, é importante esclarecer que Projeto de lei 559 já surgiu com o intuito de substituir a lei 8.666/93 (lei Geral de Licitações), a lei 10.520/02 (lei do Pregão) e a lei 12.462/11 (lei do Regime Diferenciado de Contratação). O Projeto foi lido no final do ano de 2013 no Senado Federal, passou por diversas comissões e audiência públicas, foi objeto de discussão de 156 emendas dos parlamentares, teve seu Substitutivo aprovado em 13/12/16 e, finalmente, remetido à Câmara dos Deputados para revisão em 03/02/172.
Na Câmara dos Deputados, o Substitutivo apresentado foi denominado como Projeto de lei 6.814/17, o qual, também, foi alvo de audiências públicas e apensamentos até ser determinado o seu próprio apensamento ao Projeto de ei 1.292/1995. O Requerimento de Apensação 8.165 foi realizado em 28/02/18, com base nos artigos 139, I, e 142 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, sob o fundamento de conexão entre os objetos destes projetos, vez que a matéria tratada no Projeto de lei 1.292/95 estava compreendida no Projeto de lei 6.814/17, tendo aquele mais tempo de Casa que este.
O deferimento do pedido se deu em 16/03/18 pela Mesa Diretora3, fazendo com que o mais antigo Projeto, o qual buscava apenas a modificação dos parágrafos do artigo 72 da lei 8.666/93, ficasse conhecido como o início do projeto que discute uma nova lei de licitações e contratos públicos. Aqui, verifica-se, pois, a convergência entre as duas primeiras linhas do tempo.
Nesse contexto, importante notar que ambos os projetos de lei são advindos do Senado Federal (Projetos de leis 163/95 e 559/13). Via de consequência, no que tange aos referidos projetos, a Câmara dos Deputados teria competência para atuar apenas como Casa Revisora, considerando o bicameralismo do Poder Legislativo Federal, vide o artigo 65, caput, da Constituição Federal de 19884.
Todavia, após longa tramitação na Câmara, o Projeto de lei 1.292/95 teve sua redação fortemente alterada se comparada com o Projeto de lei 163/95 ou 559/13, tanto é verdade que apresentado um Substitutivo ao final. Faz-se mister destacar, nesse sentido, que o relatório aprovado pela Comissão Especial acerca do referido projeto informa que foram analisados “mais de 230 projetos de lei apensados e as respectivas emendas”5.
Em momento posterior à apresentação do relatório, ainda foram discutidas 117 emendas, ensejando a apresentação e aprovação como texto base da Subemenda Substitutiva Global Reformulada de Plenário ao Projeto de lei 1.292/1995, em 25/06/196. Após análise dos destaques, a redação passou por algumas alterações, vindo o texto definitivo ser aprovado no decorrer do mês de setembro e enviado ao Senado Federal em 10/10/19, por meio do Ofício 1.062.
Ocorre que, nos termos do caput e do parágrafo único do artigo 65 da Constituição Federal de 19887, quando um projeto de lei é emendado pela casa revisora, como no caso, deverá retornar à casa iniciadora para apreciação das modificações. No que tange ao retorno do Projeto ao Senado Federal, salienta-se que o artigo 285 do Regimento Interno do Senado Federal (RISF)8 estabelece a impossibilidade de modificação por subemenda de emenda apresentada pela Câmara dos Deputados. Em complemento, o artigo 287 do RISF determina que “o substitutivo da Câmara a projeto do Senado será considerado série de emendas e votado, separadamente, por artigos, parágrafos, incisos, alíneas e itens [...]”9.
No caso da tramitação sob análise, se fosse, de fato, considerada a vinculação do Projeto de lei 1.292/95 com o Projeto de lei 163/95, inexistiria texto original da Casa Iniciadora, o que poderia resultar em anomalias legislativas. Impende registrar que, coincidentemente, ou não, verifica-se ocorrência similar à época da elaboração da lei 8.666/93, todavia, em um sentido inverso10, haja vista que a Casa Iniciadora do Projeto de lei 1.491/91 (convertida na lei 8.666/93) foi a Câmara dos Deputados.
Nesse contexto, ao ser remetido para o Senado Federal, foi averiguado que o Substitutivo Final do Projeto de lei 1.292/95 foi muito mais influenciado pelo Projeto de lei 559/13 do que pelo Projeto de lei 163/95, o que inviabilizaria a devida atuação como Casa Iniciadora. Por isso, o Presidente do Senado Federal, no dia 02/12/20, determinou a publicação da matéria no Diário Oficial do Senado Federal como Substitutivo da Câmara dos Deputados aos Projetos de lei do Senado 163, de 1995; e 559, de 2013, bem como estabeleceu a tramitação do feito como Projeto de lei 4.253/20.
Em Sessão Deliberativa Remota do dia 10/12/20, o Plenário do Senado Federal aprovou o texto apresentado no Substitutivo, com requerimentos de breves adequações na redação11. Após as discussões sobre as adequações de técnica legislativa, a redação final do Projeto de lei 4.253/20 foi aprovada em 10/03/2112. Dois dias depois, em 12/03/2013, o Projeto de lei foi remetido à sanção do Presidente da República.
Finalmente, no dia 1º/04/21, o Projeto de lei foi sancionado e publicado, sendo denominado como a lei 14.133/21, tornando-se, então, a nova “lei de Licitações e Contratos Administrativos”. Sem adentrar no mérito das disposições, pode-se asseverar, bem ou mal, o início de uma nova era legislativa na esfera das licitações e contratações das Administrações Públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Apesar de entrar em vigor já na data de sua publicação, a Administração ainda pode optar, pelo prazo de 2 (dois) anos, se pretende realizar o certame guiado pela antiga ou pela nova lei, nos termos dos artigos 191 e 19314.
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1. BRASIL. SENADO FEDERAL. Projeto de lei 559, 23 de dezembro de 2013. Estabelece normas gerais de licitações e contratos administrativos no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Revoga a lei 8.666, de 21 de junho de 1993 (lei das Licitações), a lei 10.520, de 17 de julho de 2002 (que instituiu a modalidade de pregão nas licitações) e os arts. 1 a 47 da lei 12.462, de 4 de agosto de 2011 (Regime Diferenciado de Contratações – RDC). (Projeto da nova lei de licitações, da Comissão Temporária de modernização da Lei de Licitações e Contratos). Brasília, DF: Senado Federal. Projeto de lei encerrado. Autor: Comissão Temporária de Modernização da lei de Licitações e Contratos. Disponível aqui. Acesso em: 18 mar. 2021.
2. BRASIL. SENADO FEDERAL. Projeto de lei 559, 23 de dezembro de 2013. Estabelece normas gerais de licitações e contratos administrativos no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Revoga a lei 8.666, de 21 de junho de 1993 (lei das Licitações), a lei 10.520, de 17 de julho de 2002 (que instituiu a modalidade de pregão nas licitações) e os arts. 1 a 47 da lei 12.462, de 4 de agosto de 2011 (Regime Diferenciado de Contratações – RDC). (Projeto da nova lei de licitações, da Comissão Temporária de modernização da lei de Licitações e Contratos). Brasília, DF: Senado Federal. Projeto de lei encerrado. Autor: Comissão Temporária de Modernização da lei de Licitações e Contratos. Disponível aqui. Acesso em: 18 mar. 2021.
3. BRASIL. CÂMARA DOS DEPUTADOS. Despacho de deferimento do Requerimento 8.165/18. Mesa Diretora. Brasília, DF: Câmara dos Deputados. Disponível aqui. Acesso em: 28 mar. 2021.
4. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, 2021. Disponível aqui. Acesso em: 15 mar. 2021.
5. BRASIL. CÂMARA DOS DEPUTADOS. Projeto de lei n.º 1.292-C, de 1995. Altera a lei 8.666, de 21 de junho de 1993, que regulamenta o art. 37 [...]. Brasília, DF: Senado Federal, p. 02, 2018. Disponível aqui. Acesso em: 18 mar. 2021.
6. BRASIL. CÂMARA DOS DEPUTADOS. Projeto de lei 6.814/17. Institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e revoga a lei 8.666, de 21 de junho de 1993, a lei 10.520, de 17 de julho de 2002, e dispositivos da lei 12.462, de 4 de agosto de 2011. Brasília, DF: Câmara dos Deputados. Projeto de lei encerrado. Autor: Comissão Temporária de Modernização da lei de Licitações e Contratos. Disponível aqui. Acesso em: 18 mar. 2021.
7. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, 2021. Disponível aqui. Acesso em: 18 mar. 2021.
8. BRASIL. Resolução 93, de 1970. “Nova redação ao Regimento Interno do Senado Federal”. 2018. Brasília, DF: Senado Federal. Disponível aqui. Acesso em: 28 mar. 2021.
9. Ibid.
10. AMORIM, Victor Aguiar Jardim de. Os modelos de marcos legais das compras públicas no Brasil: minimalismo e maximalismo.ONLL, [s.l.], 2020. Disponível aqui. Acesso em: 18 mar. 2021.
11. BRASIL. SENADO FEDERAL. Projeto de lei 4.253, 02 de dezembro de 2020. Estabelece normas gerais de licitação e contratação para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; altera as leis 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, e 11.079, de 30 de dezembro de 2004, e o Decreto-lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal); e revoga dispositivos da lei 12.462, de 4 de agosto de 2011, e as leis 8.666, de 21 de junho de 1993, e 10.520, de 17 de julho de 2002. Brasília, DF: Senado Federal. Projeto de lei. Disponível aqui. Acesso em: 25 mar. 2021.
12.Ibid.
13. Ibid.
14. BRASIL. lei 14.133, de 1º de abril de 2021. Lei de Licitações e Contratos da Administrativos. Brasília, DF, 2021. Disponível aqui. Acesso em: 1º abr. 2021.