Desde o primeiro momento em que os portugueses pisaram em solo brasileiro, fomos condicionados a crer que a cultura de nosso país é hierarquicamente inferior a estrangeira, consequentemente a cultura jurídica. A partir da lógica eurocentrista, as populações indígenas foram obrigadas a abandonar o conhecimento de seus antepassados e se condicionar a uma nova forma de ver o mundo.
Na atualidade, continuamos a observar as consequências da importação cultural tanto no exemplo da linguagem, como a presença dos termos “coach” e “CEO” dentro do vocabulário do português, quanto no do entretenimento consumido no Brasil: em sua maioria proveniente dos Estados Unidos. Também aqui a presença de institutos jurídicos estrangeiros tendo que se adaptarem à cultura jurídica brasileiro como o Tribunal do Júri.
André Franco Montoro em sua obra “Significação da Filosofia no Contexto Brasileiro” trata da superação do colonialismo cultural por meio da filosofia. Franco Montoro compreende que a resolução dos problemas brasileiros depende de soluções adequadas à nossa realidade. E esse é o papel da filosofia: como reflexão crítica e em profundidade sobre os diversos setores da vida social.
O adendo de Franco Montoro é claro, a superação do colonialismo cultural não é sobre desprezar os estudos de outras partes do mundo e de outras épocas. Para o autor, não basta se contentar com a repetição de princípios e reflexões divorciados da realidade concreta. Beira a completa irracionalidade estudar a realidade brasileira, com suas especificidades sociais e econômicas, por meio do emprego de esquemas europeus e norte-americanos.
O “complexo de vira-lata” foi a expressão criada pelo dramaturgo Nelson Rodrigues em referência ao trauma brasileiro causado pela derrota da seleção brasileira na Copa do Mundo de 1950, em pleno Maracanã, para a seleção uruguaia.
O fenômeno conversa diretamente com o conceito de importação cultural, ao pontuar a necessidade do brasileiro de consumir o que vem de fora sempre em detrimento do nacional, assim expôs Nelson Rodrigues: “Por ‘complexo de vira-lata’ entendo eu a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo. O brasileiro é um narciso às avessas, que cospe na própria imagem. Eis a verdade: não encontramos pretextos pessoais ou históricos para a autoestima.”.
O consumo de cultura é aspecto importantíssimo para qualquer nação. Atrelado à educação, promove o desenvolvimento intelectual da população, proporciona discussões filosóficas e expande o universo daqueles que se atrevem a questionar a realidade em que vivem.
Mas o universo cultural pressupõe-se produto direto da realidade em que foi produzido: país, cidade, classe social, gênero, raça e credo. E proporciona discussões sobre aquela comunidade que a criou. A produção cultural brasileira fala sobre o Brasil, escancara suas mazelas e desigualdades, assim como todas suas riquezas.
Ao reproduzir o que vem de fora, desde as produções cinematográficas de “Hollywood” até a forma de fazer política ou de organizar a economia fechamos os olhos para a realidade concreta brasileira. Assim como disse Franco Montoro, o projeto de desenvolvimento brasileiro depende de tecnologias próprias, não de simples importações que não conversam em nenhum aspecto com o contexto brasileiro.
Acredito que para o projeto de desenvolvimento brasileiro suceder, ele depende intrinsecamente de um projeto de valorização da cultura nacional. No momento em que, como país, escolhemos consumir primordialmente aquilo que vem de fora, paramos de olhar para nossa formação. Deixamos todas nossas características culturais de lado e passamos a vangloriar a cultura alheia, sonhar em transformar o Brasil em Estado Unidos, ou quiçá um jardim europeu na América.
Enfim, é possível vislumbrar a presença de uma filosofia do direito brasileiro que começa a ser constituída com uma consistência de nação brasileira, isto para lembrar aqui da Teoria Tridimensional do Direito do Prof. Miguel Reale e a Teoria da Comunicação Jurídica do Prof. Tércio Sampaio Ferraz Jr.
*Artigo produzido a partir das aulas de Filosofia do Direito do Prof. Dr. Lafayette Pozzoli.