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Crise fiscal, insegurança econômica e auxílios sociais: o que fazer?

Quanto mais agentes econômicos com capacidade econômica, mais fluxo financeiro haverá, com mais tributação e mais investimentos. É um processo estrutural.

5/4/2021

Desde 2020, em decorrência da covid-19, tem-se um triste cenário global: mortes sistemáticas, isolamentos sociais, instabilidade regulatória, elevados impactos nas atividades econômicas e a crescente majoração dos gastos públicos. Essa constatação é motivo de elevada preocupação e reflexão de toda a sociedade em diferentes ângulos. Farei, sucintamente, algumas ponderações sobre os temas em epígrafe dentro da realidade do Direito Financeiro, do Direito Tributário e do Direito Econômico.

A crise fiscal brasileira não é de hoje. A ineficiência da estrutura federativa é um dado inconteste, com milhares de entes municipais e alguns estaduais que dependem, quase que exclusivamente, de transferências intergovernamentais. A necessidade de investimento público é premente em face das desigualdades regionais, sociais e setoriais que assolam o Brasil. Entretanto, o investimento público exige receitas disponíveis que não afetem as demandas já existentes. Para diminuir a crise fiscal, portanto, torna-se necessário melhorar a gestão dos recursos públicos: manter e/ou elevar a receita pública, por meio da tributação, emissão de dívida, ou alienação dos ativos públicos, ao mesmo tempo do corte de despesas ilegítimas e ineficientes. Essas alternativas, todavia, devem andar conjuntamente com o ambiente do mercado e com as perspectivas da balança comercial. Afinal, as exportações e a entrada de investimentos internacionais são pilares da economia brasileira.

Por outro lado, tem-se uma grave crise de segurança jurídica no Brasil. Não é de hoje a falta de estabilidade e de previsibilidade do sistema jurídico. Essa crise, atualmente, é sentida pela sociedade de modo mais claro em face dos conflitos regulatórios na área sanitária, isto é, da sensação de falta de orientação da sociedade e do mercado quanto às diversas regulações, por meio de Leis ou Decretos, que restringiram liberdades fundamentais e que, eventualmente, podem assumir conotação de “jogo político”. A falta de segurança, hoje sentida pelo brasileiro em geral, sempre foi um problema no Brasil, destacando-se em algumas áreas problemas que afetaram em muito o desenvolvimento sustentável: (a) sobreposições de regulações ambientais; (b) guerras fiscais; (c) sanções políticas em matéria tributária; (d) intervenções econômicas com desvios de finalidade; (e) intervenções econômicas sem análise de racionalidade, utilidade e eficiência, premissas de qualquer mecanismo de solução das falhas de mercado.

Destarte, tem-se uma parcela importante da sociedade com falta de acesso ao mercado e com necessidade de proteção estatal. Essa parcela social é e deve ser a destinatária de políticas públicas de inclusão. E as políticas públicas não podem ser implementadas sem receitas públicas adequadamente gerenciadas e sem um planejamento próprio de um Estado sério. Auxílios sociais, portanto, não são apenas justificáveis dentro de um Estado Social que visa a implementar um efetivo desenvolvimento, como auxiliam na estrutura do próprio mercado, eis que, quanto mais agentes econômicos com capacidade econômica, mais fluxo financeiro haverá, com mais tributação e mais investimentos. É um processo estrutural. Não é preciso, ressalte-se, ser um gênio para se afirmar que, a despeito de qualquer ideologia política e/ou econômica, é evidente que os auxílios sociais (espécie de incentivos fiscais, numa linguagem própria, com rótulo formal distinto) são legítimos, mas precisam ser outorgados dentro de um critério não-arbitrário, racional e que atenda à relação de custo-benefício. Qualquer política de intervenção que envolva recursos públicos há de ser examinada de modo global, seja pelo aspecto da despesa que representa, seja pelo efeito no mercado e na concretização dos direitos fundamentais.

Dentro desse complexo panorama, agravado por novos isolamentos sociais ainda vinculados à covid-19, algumas medidas podem e devem ser examinadas pelos gestores públicos, para que aliem, de modo racional, estratégico e não-arbitrário, as preocupações que afligem os subsistemas das finanças públicas, da tributação e das políticas públicas.

A primeira hipótese, em nível federal, é a instituição de empréstimo compulsório, do ponto de vista técnico, em face da necessidade de aumento de receita para enfrentamento da crise na saúde ou da própria economia. A finalidade de tal tributo é suprir despesas absolutamente necessárias e extraordinárias. O sistema constitucional permite a sua instituição nos seguintes moldes: calamidade pública, entendida não somente como catástrofes da natureza, mas qualquer evento cujos efeitos ponham em perigo o equilíbrio do organismo social ou o cerne econômico nacional; despesas extraordinárias, somente as absolutamente necessárias, após esgotados os fundos públicos, inclusive os de contingência; guerras externas; investimento público emergencial e de relevante interesse nacional.

No momento de grave crise de saúde pública, com efeitos sociais, fiscais e econômicos, justifica-se a instituição do empréstimo compulsório para fazer face a despesas com a calamidade instaurada. Entretanto, aumentar a tributação, per se, não resolverá o problema. 

É necessário que o Estado Federal incremente a forma de gestão das despesas públicas, realizando-se, de modo cooperativo, políticas públicas coordenadas, com priorização da saúde pública, mas sem o desprezo à fundamental importância das atividades econômicas. Os valores em jogo são difíceis de ponderação num momento atípico como o presente. Mas sem planejamento nacional e sem coordenação dos entes federados, nada melhorará. Cabe também o registro da importância do STF como Tribunal da Federação, devendo revisitar o tema das competências concorrentes em matéria sanitária, seja para provocar, sem formalismos exagerados, uma conciliação entre os diferentes Decretos, seja para a criação de um caminho de convivência federativa menos conflituosa. A realidade atual, de conflitos diários, e sem planejamento, geram mais gastos públicos, mais crise de insegurança, mais crise fiscal e agravamento da economia. A tributação, mais do que nunca, pode ser um instrumento de auxílio, desde que atendida à vinculação aos seus fins, dentre os quais de tutelar a sociedade mais prejudicada e não piorar a economia.

Fica, portanto, em poucas palavras, o registro de que: (a) o empréstimo compulsório é um mecanismo técnico que pode auxiliar na receita para enfrentamento da crise; (b) desde que venha acompanhada de medidas que envolvam os atuais problemas de estabilidade e previsibilidade das políticas de regulação; (c) e desde que se adote um mecanismo de cooperação federativo, permitindo se minimizar os efeitos da Pandemia e para viabilizar o auxílio social, incentivo fiscal que é legítimo e necessário dentro de um país que, hipocritamente, se dedica a garantir direitos fundamentais na teoria e que, na prática, é caracterizado pelo inverso, seja em matéria de políticas públicas, seja em matéria de direito propriamente dito. Que tenhamos, em breve, dias melhores!

André Elali
Professor Associado do Departamento de Direito Público da UFRN, Mestre e Doutor em Direito e Visiting Scholar da Queen Mary University of London.

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