Desde 2020, em decorrência da covid-19, tem-se um triste cenário global: mortes sistemáticas, isolamentos sociais, instabilidade regulatória, elevados impactos nas atividades econômicas e a crescente majoração dos gastos públicos. Essa constatação é motivo de elevada preocupação e reflexão de toda a sociedade em diferentes ângulos. Farei, sucintamente, algumas ponderações sobre os temas em epígrafe dentro da realidade do Direito Financeiro, do Direito Tributário e do Direito Econômico.
A crise fiscal brasileira não é de hoje. A ineficiência da estrutura federativa é um dado inconteste, com milhares de entes municipais e alguns estaduais que dependem, quase que exclusivamente, de transferências intergovernamentais. A necessidade de investimento público é premente em face das desigualdades regionais, sociais e setoriais que assolam o Brasil. Entretanto, o investimento público exige receitas disponíveis que não afetem as demandas já existentes. Para diminuir a crise fiscal, portanto, torna-se necessário melhorar a gestão dos recursos públicos: manter e/ou elevar a receita pública, por meio da tributação, emissão de dívida, ou alienação dos ativos públicos, ao mesmo tempo do corte de despesas ilegítimas e ineficientes. Essas alternativas, todavia, devem andar conjuntamente com o ambiente do mercado e com as perspectivas da balança comercial. Afinal, as exportações e a entrada de investimentos internacionais são pilares da economia brasileira.
Por outro lado, tem-se uma grave crise de segurança jurídica no Brasil. Não é de hoje a falta de estabilidade e de previsibilidade do sistema jurídico. Essa crise, atualmente, é sentida pela sociedade de modo mais claro em face dos conflitos regulatórios na área sanitária, isto é, da sensação de falta de orientação da sociedade e do mercado quanto às diversas regulações, por meio de Leis ou Decretos, que restringiram liberdades fundamentais e que, eventualmente, podem assumir conotação de “jogo político”. A falta de segurança, hoje sentida pelo brasileiro em geral, sempre foi um problema no Brasil, destacando-se em algumas áreas problemas que afetaram em muito o desenvolvimento sustentável: (a) sobreposições de regulações ambientais; (b) guerras fiscais; (c) sanções políticas em matéria tributária; (d) intervenções econômicas com desvios de finalidade; (e) intervenções econômicas sem análise de racionalidade, utilidade e eficiência, premissas de qualquer mecanismo de solução das falhas de mercado.
Destarte, tem-se uma parcela importante da sociedade com falta de acesso ao mercado e com necessidade de proteção estatal. Essa parcela social é e deve ser a destinatária de políticas públicas de inclusão. E as políticas públicas não podem ser implementadas sem receitas públicas adequadamente gerenciadas e sem um planejamento próprio de um Estado sério. Auxílios sociais, portanto, não são apenas justificáveis dentro de um Estado Social que visa a implementar um efetivo desenvolvimento, como auxiliam na estrutura do próprio mercado, eis que, quanto mais agentes econômicos com capacidade econômica, mais fluxo financeiro haverá, com mais tributação e mais investimentos. É um processo estrutural. Não é preciso, ressalte-se, ser um gênio para se afirmar que, a despeito de qualquer ideologia política e/ou econômica, é evidente que os auxílios sociais (espécie de incentivos fiscais, numa linguagem própria, com rótulo formal distinto) são legítimos, mas precisam ser outorgados dentro de um critério não-arbitrário, racional e que atenda à relação de custo-benefício. Qualquer política de intervenção que envolva recursos públicos há de ser examinada de modo global, seja pelo aspecto da despesa que representa, seja pelo efeito no mercado e na concretização dos direitos fundamentais.
Dentro desse complexo panorama, agravado por novos isolamentos sociais ainda vinculados à covid-19, algumas medidas podem e devem ser examinadas pelos gestores públicos, para que aliem, de modo racional, estratégico e não-arbitrário, as preocupações que afligem os subsistemas das finanças públicas, da tributação e das políticas públicas.
A primeira hipótese, em nível federal, é a instituição de empréstimo compulsório, do ponto de vista técnico, em face da necessidade de aumento de receita para enfrentamento da crise na saúde ou da própria economia. A finalidade de tal tributo é suprir despesas absolutamente necessárias e extraordinárias. O sistema constitucional permite a sua instituição nos seguintes moldes: calamidade pública, entendida não somente como catástrofes da natureza, mas qualquer evento cujos efeitos ponham em perigo o equilíbrio do organismo social ou o cerne econômico nacional; despesas extraordinárias, somente as absolutamente necessárias, após esgotados os fundos públicos, inclusive os de contingência; guerras externas; investimento público emergencial e de relevante interesse nacional.
No momento de grave crise de saúde pública, com efeitos sociais, fiscais e econômicos, justifica-se a instituição do empréstimo compulsório para fazer face a despesas com a calamidade instaurada. Entretanto, aumentar a tributação, per se, não resolverá o problema.
É necessário que o Estado Federal incremente a forma de gestão das despesas públicas, realizando-se, de modo cooperativo, políticas públicas coordenadas, com priorização da saúde pública, mas sem o desprezo à fundamental importância das atividades econômicas. Os valores em jogo são difíceis de ponderação num momento atípico como o presente. Mas sem planejamento nacional e sem coordenação dos entes federados, nada melhorará. Cabe também o registro da importância do STF como Tribunal da Federação, devendo revisitar o tema das competências concorrentes em matéria sanitária, seja para provocar, sem formalismos exagerados, uma conciliação entre os diferentes Decretos, seja para a criação de um caminho de convivência federativa menos conflituosa. A realidade atual, de conflitos diários, e sem planejamento, geram mais gastos públicos, mais crise de insegurança, mais crise fiscal e agravamento da economia. A tributação, mais do que nunca, pode ser um instrumento de auxílio, desde que atendida à vinculação aos seus fins, dentre os quais de tutelar a sociedade mais prejudicada e não piorar a economia.
Fica, portanto, em poucas palavras, o registro de que: (a) o empréstimo compulsório é um mecanismo técnico que pode auxiliar na receita para enfrentamento da crise; (b) desde que venha acompanhada de medidas que envolvam os atuais problemas de estabilidade e previsibilidade das políticas de regulação; (c) e desde que se adote um mecanismo de cooperação federativo, permitindo se minimizar os efeitos da Pandemia e para viabilizar o auxílio social, incentivo fiscal que é legítimo e necessário dentro de um país que, hipocritamente, se dedica a garantir direitos fundamentais na teoria e que, na prática, é caracterizado pelo inverso, seja em matéria de políticas públicas, seja em matéria de direito propriamente dito. Que tenhamos, em breve, dias melhores!