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Concurso público e a discussão quanto a (in)existência de direito a indenização em decorrência de atraso na nomeação ou cancelamento

Este ensaio dedica-se ao enfretamento da interpretação jurisprudencial sobre situações comuns em concursos públicos e a discussão quanto à possibilidade de indenização: atraso na nomeação e cancelamento do certame.

1/4/2021

O presente texto pretende contribuir, trazendo precedentes do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e Teses fixadas em Repercussão Geral pelo Supremo Tribunal Federal (STF), com importante debate ligado às variadas situações envolvendo concurso público: (In)cabimento de pleito indenizatório em decorrência da demora na nomeação ou cancelamento do certame.

Em verdade, outras diversas hipóteses mereceram enfrentamento pelo STJ e STF nos últimos anos e que não serão aqui aprofundadas, em razão de espaço: a) aprovação dentro do número de vagas do concurso; b) aprovação fora do número de vagas; c) aprovação inicialmente fora deste número, mas, em razão de vacância ou criação legal, passa a figurar dentro do número de vagas ofertadas; e) direito à nomeação e posse de candidato sub-judice, etc.

Há indicativos na jurisprudência no sentido de que, os aprovados dentro do número de vagas, possuem direito à nomeação e posse, após o prazo de validade do concurso. Enquanto não expirado o prazo de validade e desde que não haja preterição, há mera expectativa de direito, cabendo à Administração Pública definir o momento em que ocorrerá a nomeação, diante do juízo de conveniência e oportunidade.

Assim considerou o STJ em recente decisão:

“PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO NO AGRAVO INTERNO NO RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. JUÍZO DE RETRATAÇÃO. ART. 1.030, II, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. CONCURSO PÚBLICO. PRAZO DE VALIDADE AINDA NÃO EXPIRADO. MERA EXPECTATIVA DE DIREITO À NOMEAÇÃO. CONVENIÊNCIA E OPORTUNIDADE DA ADMINISTRAÇÃO. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. I- Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 9.3.16, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. In casu, aplica-se o Código de Processo Civil de 2015. II- Enquanto não expirado o prazo de validade do concurso público, o candidato aprovado, ainda que dentro do número de vagas, possui mera expectativa de direito à nomeação, dependente do juízo de conveniência e oportunidade da Administração Pública definir o momento em que se dará a nomeação, desde que não haja preterição. Precedentes. III- Na espécie, não há direito líquido e certo a ser amparado, porquanto a Agravante não comprovou que as contratações precárias fossem, de fato, irregulares. IV- Mantido o acórdão proferido no agravo interno, em juízo de retratação, nos termos do art. 1.030, II, do CPC/15” (STJ - AgInt no RMS 62421 / MG  - Rel. Min. Regina Helena Costa – 1ª Turma – J. em 1/3/21 – DJe 5/3/21)”.

Outrossim, o STF, no julgamento do Recurso Extraordinário com Repercussão Geral (RERG) 598.099/MS (Tema 161/STF- Rel. Min. Gilmar Mendes), entendeu que há direito subjetivo a nomeação do candidato aprovado dentro do número de vagas. A justificativa da não adoção do ato de nomeação apenas poderia ser reconhecida em situações excepcionalíssimas (comprovação de superveniência, imprevisibilidade, gravidade, necessidade, além de motivação1). Na Corte Máxima, existem vários outros julgados no mesmo sentido: ARE 1071316 AgR (Rel. Min. Alexandre de Moraes – J. em 11/12/2017 – 1ª T); RE 859937 AgR (Rel. Min. Dias Toffoli – J. em 07/04/2017 – 2ª T); ARE 995230 AgR (Rel. Min. Celso de Mello – J. em 24/3/17 – 2ª T).

Esta foi a tese fixada Tema 161/STF:

“O candidato aprovado em concurso público dentro do número de vagas previsto no edital possui direito subjetivo à nomeação”.

Já o Enunciado nº 15, de Súmula da Jurisprudência Dominante do STF consagra que:

“Dentro do prazo de validade do concurso, o candidato aprovado tem direito à nomeação, quando o cargo for preenchido sem observância da classificação”.

Ainda no tema direito à nomeação de candidato aprovado dentre do número de vagas, vale citar passagem da Ementa do AgInt nos EDcl no REsp 182611/MG (STJ – 2ª Turma – Rel. Min. Francisco Falcão – J. em 10.03.20 – DJe 19.03.20):

“III - Quanto ao mais, tem-se que o Plenário do STF, no julgamento do RE 598.099/MS, sob o regime de repercussão geral, nos termos do voto do Relator, Ministro Gilmar Mendes, reconheceu, ao candidato aprovado dentro do número de vagas ofertado em edital de concurso público, o direito público subjetivo à nomeação, não podendo, a administração pública dispor desse direito. No entanto, na mesma assentada, ressalvou que não se pode ignorar que determinadas situações excepcionais podem exigir a recusa da administração pública de nomear novos servidores, quais sejam, superveniência, imprevisibilidade, gravidade e necessidade. Confira-se: REsp 1.770.399/RO, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 21/3/19, DJe 27/3/19; RMS 59.979/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 19/3/19, DJe 16/4/19”.

De outra banda, há a necessidade de enfrentamento das hipóteses apontadas no início deste texto: eventual cabimento de indenização em caso de atraso na nomeação ou cancelamento do concurso.

Em relação ao primeiro aspecto, é mister fazer a distinção entre o atraso na nomeação em decorrência de omissão administrativa e de demanda judicial.

De fato, se a nomeação do candidato ocorreu em decorrência de decisão judicial, é razoável aduzir que não há espaço para indenização pelo tempo que aguardou a solução para o seu caso concreto.

No tema, o STJ, no julgamento do EREsp 11179742(Rel. Min Eliana Calmon. R .P/Acórdão Min. Teori Albino Zavascki – Corte Especial – J. em 21.09.2009, Dje de 19.12.11), decidiu que:

“Constitucional. Administrativo. Responsabilidade civil do estado. Servidor aprovado nomeado por decisão judicial. Indenização dos vencimentos e vantagens no período em que teve curso o processo judicial. Pedido improcedente. Jurisprudência do STF. 1. À luz do disposto no art. 37, § 6º da Constituição, o Supremo Tribunal Federal tem entendimento de que, “nos termos da orientação firmada nesta Corte, é indevida indenização pelo tempo em que se aguardou solução judicial definitiva sobre aprovação em concurso público” (AgRg no RE 593.373, 2ª Turma, Min. Joaquim Barbosa, DJ de 18/04/2011). Considera-se que, se a nomeação foi decorrente de sentença judicial, o retardamento não configura preterição ou ato ilegítimo da Administração Pública a justificar uma contrapartida indenizatória. Nesse sentido, há precedentes formados em colegiado e por decisões monocráticas de ambas as Turmas do STF (v.g., além do já referido: RE-AgRg 392.888, 1ª Turma, Min. Marco Aurélio, DJ de 24.03.06; RMS 23.153, 2ª T., Min. Marco Aurélio, DJ de 30/04/99; RMS 23.227, 2ª Turma, Min. Maurício Correia, DJ de 29.08.97; RE-AgRg 437.403, 2ª Turma, Min. Gilmar Mendes, DJe de 05.05.06; AI-AgRg 620.992, 1ª Turma, Min. Carmen Lúcia, DJ de 29.06.07; RE-AgRg 594.917, 1ª Turma, Min. Ricardo Lewandowski, DJ de 25.11.10; RE 514.416, Min. Dias Toffoli, DJe de 04/03/11; RE 630.440, Min. Ellen Gracie, DJe de 10/08/11). 2. No STJ, a Corte Especial, ao julgar os EResp 825.037, Min. Eliana Calmon (DJe de 22.2.11), também assentou entendimento de que, em casos tais, não assiste ao concursado o direito de receber, pura e simplesmente, o valor dos vencimentos que poderia ter auferido até o advento da nomeação determinada judicialmente; reconheceu-se, todavia, o direito a indenização por perda de chance, que, naquele caso concreto, seria a diferença entre os vencimentos do cargo e o valor que, no período da demora, o concursado havia recebido no desempenho de atividade contratual. 3. Inobstante esse precedente, é de se considerar que a responsabilidade civil do Estado é matéria que tem sede constitucional (CF, art. 37, § 6º), razão pela qual ganha relevância e supremacia a jurisprudência do STF a respeito, cuja adoção se impõe no caso concreto. 4. Embargos de Divergência providos”.

Mais recentemente, a Corte da Cidadania ratificou que:

“PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. NOMEAÇÃO TARDIA. SERVIDOR PÚBLICO. INDENIZAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. ANÁLISE DE OCORRÊNCIA DE ARBITRARIEDADE. SÚMULA 7/STJ. 1. A jurisprudência desta Corte firmou entendimento no sentido de que os candidatos nomeados tardiamente em virtude de decisão judicial, que reconheceu o direito a vaga, não fazem jus à indenização, nem à retroação de vantagens funcionais inerentes ao cargo. 2. A eventual análise do recurso a fim de analisar a possibilidade de arbitrariedade que justificaria a fixação de indenização em favor da recorrente ensejaria a revisão das provas. Incidiria, portanto, o óbice da Súmula 7/STJ. 3. Agravo interno a que se nega provimento” (STJ – AgInt no ARESP 1579992/RS – 2ª Turma – Rel. Min. OG Fernandes – J. em 01.03.2021 – DJe de 09.03.2021)3.

Portanto, no caso concreto deve o estudioso verificar qual foi a origem da demora na nomeação e posse do candidato para concluir se haverá ou não a possibilidade de discussão de ressarcimento do período em que ficou fora do serviço público.

O STF, no julgamento do Recurso Extraordinário com Repercussão Geral 724347 (Tema 671- Rel. Min. Marco Aurélio), consagrou a seguinte tese:

 “Na hipótese de posse em cargo público determinada por decisão judicial, o servidor não faz jus a indenização, sob fundamento de que deveria ter sido investido em momento anterior, salvo situação de arbitrariedade flagrante”.

O conceito de “arbitrariedade flagrante” deve ser objeto de análise em ação própria e com ampla cognição, a fim de confirmar a existência ou não esse direito à indenização.

Por derradeiro, visando enfrentar a variável ligada ao cancelamento do concurso, é necessário fazer uma indagação: qual o motivo do cancelamento do certame?

O STJ, em alguns julgados, “firmou a orientação de que o servidor não tem direito à indenização por danos morais em razão da anulação de concurso público eivado de vícios” (AgRg no AREsp 356 / RS – 2ª Turma – Rel. Min. Herman Benjamin – J. em 12.04.2011 – DJe de 18/04/2011).

Outrossim, em caso de concurso organização por ente privado, será que é possível discutir a responsabilidade do ente público em caso de cancelamento por vícios?  No tema, vale transcrever a tese fixada no Recurso Extraordinário com Repercussão Geral 622405 (Tema 512 - Rel. Min. Luiz Fux):

“O Estado responde subsidiariamente por danos materiais causados a candidatos em concurso público organizado por pessoa jurídica de direito privado (art. 37, § 6º, da CRFB/88), quando os exames são cancelados por indícios de fraude”.

O Item 4 da Ementa deste Acórdão em RERG 622405 consegue deixar clara as responsabilidades primária e secundária a serem eventualmente discutidas em casos concretos:

“4. O cancelamento de provas de concurso público em virtude de indícios de fraude gera a responsabilidade direta da entidade privada organizadora do certame de restituir aos candidatos as despesas com taxa de inscrição e deslocamento para cidades diversas daquelas em que mantenham domicílio. Ao Estado, cabe somente a responsabilidade subsidiária, no caso de a instituição organizadora do certame se tornar insolvente”.

Como se pode observar, as respostas às indagações formuladas neste texto são variáveis e devem ser interpretadas as múltiplas situações que podem ocorrer nos casos concretos. A interpretação da jurisprudência do STF e STJ permite auxiliar na busca de uma resposta às múltiplas situações que podem ocorrer no cotidiano forense.

_______________________

1 Trecho da ementa deste Acórdão: “Para justificar o excepcionalíssimo não cumprimento do dever de nomeação por parte da Administração Pública, é necessário que a situação justificadora seja dotada das seguintes características: a) Superveniência: os eventuais fatos ensejadores de uma situação excepcional devem ser necessariamente posteriores à publicação do edital do certame público; b) Imprevisibilidade: a situação deve ser determinada por circunstâncias extraordinárias, imprevisíveis à época da publicação do edital; c) Gravidade: os acontecimentos extraordinários e imprevisíveis devem ser extremamente graves, implicando onerosidade excessiva, dificuldade ou mesmo impossibilidade de cumprimento efetivo das regras do edital; d) Necessidade: a solução drástica e excepcional de não cumprimento do dever de nomeação deve ser extremamente necessária, de forma que a Administração somente pode adotar tal medida quando absolutamente não existirem outros meios menos gravosos para lidar com a situação excepcional e imprevisível. De toda forma, a recusa de nomear candidato aprovado dentro do número de vagas deve ser devidamente motivada e, dessa forma, passível de controle pelo Poder Judiciário”.

2 O caso concreto abordou situação em que a candidata apenas assumiu o cargo público no final de 2002, depois do encerramento da demanda judicial, enquanto os demais aprovados em classificação semelhante assumiram em agosto de 2001. Logo, a discussão era se a demandante teria ou não direito à indenização em relação ao período em que ficou fora do serviço público.

3 No mesmo sentido: AgInt no REsp 1609835 (STJ – 1ª Turma – Rel. Min. Regina Helena Costa – J. em 3.4.18).

José Henrique Mouta
Mestre e Doutor (UFPA), com estágio em pós-doutoramento pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Professor do IDP (DF) e Cesupa (PA). Procurador do Estado do Pará e advogado.

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