A recomendação 62/20 do CNJ indica aos Tribunais e aos Magistrados a adoção de medidas preventivas, com o objetivo de reduzir os riscos epidemiológicos e a disseminação do vírus no sistema prisional, trazendo em seu bojo mecanismos que visam a aplicação de medidas alternativas à custódia e abreviação do tempo de encarceramento, entretanto, tal medida foi pouco observada pelos tribunais superiores. Assim, recentemente a 2ª turma do STF referendou a liminar concedida pelo Ministro Edson Fachin, na qual foi determinado aos magistrados do país que reavaliem a situação de detentos em regime semiaberto.
O Brasil enfrenta o pior momento da pandemia do coronavírus. Neste cenário, as populações mais vulneráveis, especialmente pessoas em privação de liberdade, são desproporcionalmente mais afetadas. Assim, a Recomendação 62 de 2020 do Conselho Nacional de Justiça foi elaborada, como uma orientação de ordem humanitária.
A referida norma do CNJ, indica aos Tribunais e aos Magistrados a adoção de medidas preventivas, com o objetivo de reduzir os riscos epidemiológicos e a disseminação do vírus no sistema prisional, enquanto durar a pandemia, trazendo em seu bojo mecanismos que visam a aplicação de medidas alternativas à custódia e abreviação do tempo de encarceramento.
A recomendação não é aplicada para determinados delitos, como lavagem ou ocultação de bens, crimes contra a administração pública, crimes hediondos, crimes de violência doméstica contra a mulher ou crimes cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa.
Tais medidas, são de extrema importância não só para os apenados e imputados, mas também para garantir a saúde pública em toda a sociedade, visto que a contaminação generalizada implica repercussões extramuros. Trata-se, portanto, de uma questão de saúde pública.
De acordo com a Organização Mundial de Saúde (2014), a primeira razão pela qual é importante fornecer um tratamento de saúde prisional adequado é a relevância para a saúde pública em geral. É necessário ser realizado o tratamento de saúde aos presos, porquanto, mais cedo ou mais tarde essa população carcerária vai voltar para a sociedade, entretanto, se não forem tratados, trarão consigo ao meio aberto as situações graves de saúde das quais são portadores e que podem gerar reflexos negativos à saúde pública.
No Brasil, o sistema carcerário possui inúmeras falhas estruturais. As prisões são superlotadas, o que inviabiliza o distanciamento social e possuem serviços de saúde precários, fator que potencializa o contágio. Por isso, possuem altas taxas de letalidade e contaminação pelo vírus da covid-19. Devido à essas condições precárias, estudos recentes mostram que há uma disparidade de letalidade do vírus nas prisões, sendo cinco vezes maior do que as taxas de letalidade da população em geral. (Paluze, 2020)
Assim, a Recomendação 62 de 2020, trouxe medidas que são essenciais para diminuir o contágio da covid-19 no sistema prisional brasileiro. Entretanto, tal medida foi pouco observada pelos tribunais.
O que prevalece como fundamento na maioria das decisões que não seguem as referidas recomendações é que a segurança pública (que se resumiria à impossibilidade de antecipar o momento da libertação) é mais importante do que a saúde pública. Ou seja, é mais importante manter o restante da sociedade segura, do que proteger e cuidar da saúde de um detento.
Diante dessa resistência dos tribunais em aplicar a recomendação do CNJ, recentemente a 2ª turma do STF referendou a liminar concedida pelo Ministro Edson Fachin, na qual foi determinado aos magistrados do país que reavaliem a situação de detentos em regime semiaberto.
O Ministro Fachin acolheu parcialmente o pedido das Defensorias Públicas da União (DPU) e do Estado do Rio de Janeiro (DPU-RJ0 nos autos do Habeas Corpus coletivo 188820, impetrado em favor de todas as pessoas presas em locais acima de sua capacidade, que sejam integrantes de grupo de risco para a covid-19 e não tenham praticado crimes com violência ou grave ameaça.
Verifica-se, portanto, que a tímida aplicação da Recomendação 62 de 2020 do CNJ pelos tribunais, evidencia a necessidade de ser adotado no sistema carcerário políticas públicas de prevenção e saúde efetivas. Em que pese a pena privativa de liberdade retirar do condenado alguns de seus direitos, não lhe retira a dignidade, inerente à pessoa humana.
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Conselho Nacional de Justiça. Recomendação 62. Brasília: Conselho Nacional de Justiça, 17 mar. 20. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wpcontent/uploads/2020/03/62-Recomendação.pdf. Acesso em: 11 de março de 21.
Pauluze, T. (2020, May 04). Letalidade do coronavírus entre presos brasileiros é o quíntuplo da registrada na população geral. Folha de São Paulo. Retirado de: https://www1.folha.uol.com.br/.../letalidade-do.... Acesso em: 11 de março de 21.
Prisions and Health, 2014 (Who regional office for europeu). Edited by: Stefan Enggist, Lars Moller, Gauden Galea and Caroline Udesen.