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Os direitos dos depositantes de patentes

O art. 44 da LPI, ao assegurar ao titular do invento o direito de indenização “em relação à exploração [desautorizada] ocorrida entre a data da publicação do pedido e a da concessão da patente” é juridicamente eficaz.

31/3/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

Para adequadamente se compreender o debate em torno da constitucionalidade do art. 40, parágrafo único, da Lei de Propriedade Industrial (“LPI”), que será decidida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.529/DF, da relatoria do ministro Dias Toffoli, agendado para o próximo dia 7 de abril, é necessário identificar quais os tipos de direitos a referida lei garante aos requerentes das patentes no período em que o pedido do registro está sob análise.

Isso porque, pelos termos da lei, “a patente de invenção vigorará pelo prazo de 20 (vinte) anos [...] contados da data do depósito do pedido” (art. 40). Ou seja, pela regra legal, a proteção nasce com o requerimento, no momento em que o pedido de concessão do privilégio é formulado perante o INPI.

Essa proteção é regulada por dois dispositivos da LPI, os arts. 42 e 44.

O primeiro dispositivo confere “o direito de impedir terceiro, sem o seu consentimento, de produzir, usar, colocar à venda, vender ou importar com estes propósitos”.

De acordo com o STJ, “[...] a partir da data da publicação do pedido de patente (e não apenas a partir do momento em que a patente é concedida) o depositante já possui tutela legal que lhe garante impedir o uso, por terceiros, do produto ou processo a que se refere seu requerimento.”1 Logo, pela jurisprudência, o depositante já pode ajuizar ações visando a inibir quaisquer usos não autorizados, mesmo quando o pedido está sob análise. Caberá a ele cumprir o ônus também de provar a verossimilhança da alegação de que o pedido que depositou reúne condições de patenteabilidade e, por isso, a tutela inibitória merece ser liminarmente deferida.

No entanto, se o inventor não cumprir o ônus e não lograr êxito de impedir tais usos durante a fase do exame, uma vez concedida a patente, com base no art. 44 da LPI -- o segundo dispositivo da lei que regula a proteção pré-concessão -- ele poderá ajuizar uma ação indenizatória “em relação à exploração [desautorizada] ocorrida entre a data da publicação do pedido e a da concessão da patente”.

A LPI, então, também assegura que, caso seja concedida a patente, o titular seja indenizado por quem tiver feito uso não autorizado do invento enquanto o pedido estava sendo examinado pelo INPI. Esse direito é denominado provisional patent right na legislação dos Estados Unidos (35 U.S.C. § 154(d)).

Os defensores da constitucionalidade do parágrafo único do art. 40 da LPI, o qual assegura uma vigência mínima de 10 anos à patente após a sua concessão, afirmam que os direitos previstos para a fase em que se aguarda o exame do pedido de patente não representam uma “guarida eficaz”2, sendo mais “frágeis”3 do que os previstos para os titulares da proteção. Daí porque defendem ser necessária a extensão do privilégio por uma década, extensão essa justamente o tema debatido na ação direta.

No entanto, ainda que o depositante não consiga impedir usos durante a fase de exame, é absolutamente sem fundamento dizer que o direito de ser indenizado por usos retroativos não autorizados é juridicamente “frágil” e não representa uma “guarida eficaz”, o que justificaria, então, uma proteção patentária mínima a partir da concessão que pode exceder os 20 anos após o depósito.

Essa assertiva contraria a própria premissa filosófica sobre a qual está assentado o instituto da responsabilidade civil no direito brasileiro. Em verdade, a responsabilidade civil, seja contratual ou extracontratual, se funda na premissa básica de que ao se obrigar o agressor a indenizar o lesado, esse último tem o seu status quo reestabelecido e retorna à situação anterior, como se nenhum prejuízo tivesse sido causado. É por isso que o Título IX da ‘Parte Especial’ do Código Civil, que trata da ‘Responsabilidade Civil’ (arts. 927 a 954) é justamente aberto pelo Capítulo I, intitulado ‘Da Obrigação de Indenizar’ (arts. 927 a 943).

Nesse sentido, dizer que o art. 44 da LPI não confere proteção suficiente para usos não autorizados antes da obtenção da patente é contrariar a base filosófica que legitima o instituto da responsabilidade civil no Código Civil, uma vez que se defende que aquele que foi indenizado ainda assim não teve o seu status quo ante recuperado e continua na situação de dano, merecendo uma compensação adicional, que vem pela extensão do prazo. Essa assertiva, por óbvio, não tem qualquer respaldo jurídico.

Ademais, no campo indenizatório, a LPI oferece para ambas as situações – violação anterior ou posterior à concessão da patente – as mesmas soluções jurídicas. Em atenção ao art. 210, o titular terá a opção de escolher o critério da indenização em decorrência do uso desautorizado. Ele poderá preferir optar por receber (i) os lucros que deixou de ganhar; (ii) os lucros auferidos pelo ofensor (remédio que no âmbito da common law é chamado de disgorgement of profits); ou (iii) a fixação de um preço a título de royalty, que seria devido pela exploração consentida. Dessa forma, percebe-se que a LPI prevê a possibilidade de a indenização superar o próprio prejuízo sofrido pelo titular, conferindo-lhe caráter ultracompensatório4, sendo, neste caso, mais benéfica até mesmo que o critério clássico indenizatório do direito civil.

Em verdade, bem compreendidos os direitos previstos para as diferentes fases da proteção patentária, ambos juridicamente suficientes para garantir ao titular da invenção o seu uso exclusivo, fica evidente que o Brasil cumpre as suas obrigações assumidas em tratado internacional ao prever que a patente vigorará pelo prazo de vinte anos contado do seu depósito. A legislação brasileira repete a regra adotada pelos países signatários do Acordo TRIPS.

Oliver Holmes Jr. afirmou que “a obrigação de manter um contrato na common law significa uma predição de que o contratante pagará danos se não mantiver o contrato”5. A responsabilidade civil, seja contratual ou extracontratual, está edificada na premissa de que se o lesado for indenizado ele retorna ao estado que se encontrava anteriormente. O art. 44 da LPI, ao assegurar ao titular do invento o direito de indenização “em relação à exploração [desautorizada] ocorrida entre a data da publicação do pedido e a da concessão da patente” é juridicamente eficaz, pois garante ao ofendido, no mínimo, o remédio clássico da responsabilidade civil, ou até mesmo um plus indenizatório, tudo na forma que melhor lhe aprouver.

____________

1 STJ, REsp 1.840.910/RJ, Rel. Minª. Nancy Andrighi, 3ª T., DJ DJ 7.11.2019 (trecho do voto da Relatora).

2 Manifestação da Interfarma – ADI 5.529, petição nº 245, folha 7. Citação de parecer da ex-ministra Ellen Gracie.

3 Idem.

4 ROSENVALD, Nelson. A responsabilidade civil pelo ilícito lucrativo - o disgorgement e a indenização restitutória. 1. ed. Salvador: JusPodivm, 2019.

5 Oliver Wendell Holmes, The Path of the Law, 10 Harv. L.Rev. 457, 462 (1897). Tradução livre de: “The duty to keep a contract at common law means a prediction that you must pay damages if you do not keep it, and nothing else”.

Flávio Jardim
Advogado da Advocacia Sergio Bermudes.

Elias da Nóbrega Neto
Colaborador da Advocacia Sergio Bermudes.

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