1 - INTRODUÇÃO
Inicialmente se faz necessário estabelecer o conceito de Estado Social, para que assim se dê continuidade a tese apresentada neste artigo.
Para se estabelecer o conceito de Estado Social é imprescindível uma breve explanação história acerca da evolução do conceito de Estado cumulada com o conceito de constitucionalismo e seu desenvolvimento desde o século XIX.
O movimento constitucionalista surge da necessidade de se limitar o pode estatal e estabelecer direitos e garantias fundamentais. Tal necessidade decorre, em síntese, da necessidade de ruptura com o modelo de Estado absoluto, até então predominante à época, seguido pela implementação de um Estado mínimo, regulamentado por uma lei maior, onde seu modelo organizacional estaria estabelecido e previamente delimitado.
Dito isto, prosseguir-se-á
Fazendo uma análise a partir da França revolucionária, em meados de 1789, tem-se o implemento do chamado Estado Liberal – não se aprofundará sobre o contexto de liberalismo em seu conceito econômico ou político por não ser objeto do presente trabalho – que em síntese apresentava um modelo de Estado, diferente do modelo absolutista, de intervenção negativa. Com uma participação mínima na vida dos cidadãos que compunham o Contrato Social. Tinha-se uma Constituição que erigia um Governo de intervenção mínima.
O modelo de Estado Liberal perdurou por um tempo, consagrando Direitos Fundamentais de 1ª Geração que com o tempo mostraram-se insuficientes aos anseios da Sociedade que evoluía em ritmo acelerado.
Com o acelerado ritmo de industrialização e o crescimento dos abusos em face do proletariado, se fez necessário rever a atuação negativa do Estado nas relações sociais, e de trabalho, migrando do modelo de Estado Liberal ao modelo de Estado Social. Neste momento tem-se o surgimento dos Direitos de 2ª Geração. Tais Direitos foram consagrados na Constituição do México (1917) e na da Alemanha (Weimar de 1919), estes compreendiam os direitos sociais, econômicos e culturais, assim como o acesso à educação, à previdência etc.
Em síntese, no modelo de Estado Social, é dever do Estado promover políticas públicas que observassem o desenvolvimento da economia, a garantia do pleno emprego, o acesso universalizado a saúde e o incentivo à cultura. O Estado deve, por força da Carta Política, garantir que seus cidadãos tenham seus direitos sociais respeitados e implementados. Assim entende o Supremo Tribunal Federal:
"considerada a dimensão política da jurisdição constitucional outorgada a esta Corte, não pode demitir-se do gravíssimo encargo de tornar efetivos os direitos econômicos, sociais e culturais, que se identificam – enquanto direitos de segunda geração – com as liberdades positivas, reais ou concretas (RTJ 164/158-161, rel. min. Celso de Mello). É que, se assim não for, restarão comprometidas a integridade e a eficácia da própria Constituição, por efeito de violação negativa do estatuto constitucional motivada por inaceitável inércia governamental no adimplemento de prestações positivas impostas ao poder público" (RE 482.611, rel. min. Celso de Mello, j. 23-3-2010, dec. monocrática, DJE de 7-4-2010.)
2 – O EVENTO COVID-19, UM MARCO HISTÓRICO QUE MUDOU O MUNDO
No final do ano de 2019, segundo dados do New England Journal of Medicine1 – foi identificado um surto de uma doença até então desconhecida, na província de Wuhan, na China. Inicialmente se pensou tratar de mais uma doença respiratória com potencial de desenvolvimento de SARG (Síndrome Aguda Respiratória Grave) como outras que surgiram na China no passado.
Não podiam estar mais enganados.
O surto epidêmico que se iniciou em Wuhan logo se mostrou algo novo, uma epidemia atípica que em pouco tempo tomou proporções globais sendo elevada ao status de pandemia. A doença se mostrou mortal e praticamente incontrolável num primeiro momento.
Em poucos meses boa parte dos países registraram casos da nova doença. Cada Governo adotava medidas de combate diferenciadas, uns adotando medidas mais restritivas, outros apostando em estratégias mais arriscadas como a da imunidade coletiva – como no caso da Inglaterra –, visando resguardar a economia.
Aos poucos, com o avanço dos estudos e consequente desenvolvimento de protocolos mais uniformes, foi-se chegando ao consenso que até que um imunizante fosse desenvolvido, a única alternativa era a do isolamento social. Quanto mais rígido o isolamento, mais eficaz este seria em frear a propagação do SARS-COV2, patógeno causador da covid-19.
Com a certeza que o único caminho para deter o avanço da pandemia era o do isolamento e restrição de locomoção da população, alguns países começaram a adotar medidas cada vez mais restritiva, no intuito de evitar o colapso nos sistemas de saúde, que já começavam a demonstrar sinais de saturação em meados de maio/junho de 2020, em vários países. A Itália a título de exemplo chegou ao colapso total em determinado momento.
Tais medidas tiveram um impacto significativo na economia global, afetando desde linhas de produção inteiras, o que acarretou escassez de itens essenciais e dos mais variados bens de consumo. O que por decorrência direta afetou todo o sistema econômico.
Não se versará sobre a organicidade do sistema econômico por não ser objeto do presente artigo, mas sabe-se que a economia é um sistema "vivo" interconectado onde os diversos sistemas no mundo a fora que se relacionam como se fossem um só, um dos reflexos da globalização.
Para se ter ideia, estima-se que quase 1.6 bilhão de pessoas terão suas relações de trabalho afetadas em decorrência da covid-19.2 Os efeitos que a pandemia trouxe para a sociedade levarão ao menos alguns anos para serem revertidos.
Diante desse cenário novo e nefasto cenário, novas formas de se posicionar e intervir precisam ser vistas pelos Países.
3 – O PAPEL DO ESTADO NA SOCIEDADE QUE EMERGE PÓS PANDEMIA
Nas palavras de Rousseau:
"Cada um de nós põe em comum sua pessoa e toda a sua autoridade, sob o supremo comando da vontade geral, e recebemos em conjunto cada membro com parte indivisível do todo" (ROUSSEAU, Jean-Jacques, Do Contrato Social)
Como se abordou incialmente, é papel do Estado, considerando se tratar de um Estado Social, garantir a efetivação dos direitos e garantias sociais de seus cidadãos. É o que se extrai do mister de Luís Roberto Barroso, in verbis:
"O constitucionalismo liberal, com sua ênfase nos aspectos de organização do Estado e na proteção de um elenco limitado de direitos de liberdade, cedeu espaço para o constitucionalismo social. Direitos ligados à promoção da igualdade material passaram a ter assento constitucional e ocorreu uma ampliação notável das tarefas a serem desempenhadas pelo Estado no plano econômico e social.
Em alguns países, essa tendência foi mais forte, dando lugar à noção de dirigismo constitucional ou de Constituição dirigente, com a pretensão de impor ao legislador e ao administrador certos deveres de atuação positiva, com a consequente redução do campo reservado à deliberação política majoritária" (BARROSO, Luís Roberto, 2017 p.65)
Neste sentido o Estado tem o dever de fomentar o desenvolvimento da economia, estimular a geração de empregos, instituir políticas de inclusão social dos menos favorecidos, oferecendo educação de qualidade e profissionalização para que os menos abastados possam se capacitar para o mercado de trabalho, disponibilizar acesso universal a saúde, dentre outros direitos.
Destarte, resta o questionamento: Qual deve ser o papel do Estado diante dos problemas impostos pela nova realidade? Deve-se priorizar o crescimento econômico mesmo que tal conduta acarrete pôr a vida dos cidadãos em risco? O quanto o Poder público pode, e deve, se comprometer para proteger seus cidadãos? Estes são os questionamentos trazidos a este trabalho.
Em primeiro lugar, tem-se que compreender que a economia é cíclica e sistêmica. Em outras palavras, esta funciona em ciclos de crescimento e queda, que se repetem e são influenciados diretamente por fatores multissistêmicos. O mundo globalizado, predominantemente capitalista, reage aos mais simples e aos mais complexos eventos sociais ocorridos no Globo. Não se pode fomentar, ou tentar controlar a economia em uma sociedade que vivência uma crise humanitária que não seja por incentivo direto do Estado. Forçar crescimento econômico em detrimento de medidas sanitárias é flagrantemente inconstitucional.
Outrossim, o Estado não pode permitir, por determinação constitucional, que a Administração Pública, se abstenha em garantir o implemento de políticas públicas de segurança sanitária, tratando-se de um evento global, por mera discricionariedade do administrador. São políticas de Estado estabelecidas constitucionalmente. É dever da administração coordenar nacionalmente, de forma harmônica, a implantação das medidas públicas de caráter sanitário, priorizando sempre o combate e o controle de uma pandemia.
Concluindo. Em um Estado Social existem diversos princípios norteadores estabelecidos na Carta Política. Assim como inúmeras são as normas programáticas que tem caráter dirigente à administração pública. Contudo, diante do atual cenário mundial, criado com a deflagração da covid-19, o papel do Estado se restringe a priorizar a manutenção da economia com incentivos públicos, priorizando os subsídios para manutenção de empregos, contudo o Ente Político deve, por força da constituição, garantir que medidas sanitárias sejam implantadas, sejam restritivas ou não, desde que estas sejam necessárias a garantir a saúde dos cidadãos que são os verdadeiros Soberanos em uma Nação. Estes firmaram um Contrato Social para que tivessem seus direitos resguardados, não é factível que tal contrato preveja que o direito a vida e a integridade física não sejam relevantes.
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