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Questões de sogra nos tribunais

Poucos sabem que em abril se comemora o dia da sogra, então o artigo aborda questões atuais na jurisprudência sobre essa parente por afinidade.

30/3/2021

Pouca gente sabe, mas no dia 28 de abril se comemora no Brasil, o dia da sogra. Alvo de piadas constantes, próprias do universo masculino, que as profere da boca para fora, nossas sogras moram em nosso coração. Nos termos do artigo 1.595 CC, a sogra é considerada parente por afinidade (o detalhe está no parágrafo 2º do referido artigo – o parentesco com a sogra não se desfaz quando o casamento ou união estável chegar ao fim – SOGRA SERÀ PARENTE ENQUANTO O GENRO E SOGRA VIVEREM). 

Há que se tomar cuidado redobrado com essas piadas para que não compreendam situações de misoginia (veja-se o teor do que se discute na ação popular que tramita em Artur Nogueira, sobre a extensão da misoginia por agente público – processo 1002422-72.2020.8.26.0666).

O mundo se torna um lugar perigoso para se brincar, embora o animus jocandi (intenção clara de não ofender torne, na minha opinião atípica conduta). Como assim atípica? Há crime? Cuidado a depender pode haver caracterização de injúria, difamação ou até mesmo violência doméstica (violência emocional ou psicológica pela Lei Maria da Penha – obviamente, em situações extremas). E há sempre o risco de alguém entender que brincadeiras escondam o ódio do inconsciente coletivo – visão obviamente extremada porque o povo brasileiro, ainda é muito brincalhão. Mas todo o cuidado é pouco:

TJ/RS - Conflito de Jurisdição CJ 70080193410 RS (TJ/RS) Data de publicação: 8/2/19 CONFLITO DE COMPETÊNCIA. LEI MARIA DA PENHA . VÍTIMA MÃE E SOGRA. INCIDÊNCIA DA LEGISLAÇÃO RELATIVA À VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. POSSIBILIDADE. Para aplicação da lei 1.340/06 necessária (1) existência de relação íntima de afeto entre agressor e vítima; (2) existência de violência de gênero, direcionada à prática delitiva contra mulher e (3) situação de vulnerabilidade da vítima em relação ao agressor. Caso concreto em que indiscutível a existência de relação íntima de afeto (vítima e agressores são mãe/filha e sogra/genro), além da vulnerabilidade da vítima, haja vista que o objeto de tutela da lei 11.340/06 é a mulher em situação de vulnerabilidade, não só em relação ao cônjuge ou companheiro, mas também qualquer outro familiar ou pessoa que conviva com a vítima, independentemente, inclusive, do gênero do agressor. Precedentes desta Corte. DETERMINAÇÃO DE REMESSA DOS AUTOS AO JUIZADO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER. (Conflito de Jurisdição 70080193410, Segunda Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, relator: Luiz Mello Guimarães, Julgado em 31/01/19). 

E isso vale, por exemplo, para as situações análogas, por exemplo, a multiparentalidade ou pessoas que vivam em poliamorismo (não se casa, nem se lavra escritura sobre essa forma de família, mas nada impede que se façam contratos e o Estado não pode limitar a liberdade sexual e a afetividade de pessoas maiores e capazes). Tem duas mulheres? Terá duas sogras.

No entanto, embora parece haver empecilho para o casamento de genro com sogra, a priori a sociedade parece ter evoluído para aceitar a ideia de que possam viver em família informal (não obstante a legislação cível possa entender tal ato como mero concubinato eis que, afinal de contas, haveria impedimento ao casamento). Compete ao Judiciário, na feliz analogia do Ministro Cesar Peluzo, evitar a fossilização normativa em relação a esse tema. 

A não extinção de parentesco existe por questões que afrontariam a moralidade ao tempo em que o Código Civil foi elaborado, eis que existe vedação (impedimento) para o casamento entre sogro ou sogra, com genro ou nora (artigo 1.521, inciso II CC). Mas mesmo não podendo haver casamento, esse parentesco não é pleno em todas as situações, pois, por exemplo, ex sogra não é herdeira (artigo 1.830 CC).

Se o casal estava junto a história é outra, pelo óbvio. Piadas a parte, a jurisprudência do TJ/SP já pontuou no sentido de que o abalo moral por morte da sogra, seria anormal e deve ser provado (pasme-se, seria regra de experiência? artigo 375 CPC? – Estou sendo, obviamente, irônico), quando ocorre morte desta, e o caso seria de reconhecimento do cadáver da sogra. Para que não pairem dúvidas, eis a ementa do referido aresto:

TJ/SP - Embargos de Declaração Cível EMBDECCV 10117803220178260451/SP 1011780-32.2017.8.26.0451 (TJ/SP) Data de publicação: 7/12/18 EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – CONTRADIÇÃO ENTRE O ACÓRDÃO E O QUE CONSTOU NA TIRA DE JULGAMENTO – ACÓRDÃO DEU PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO PARA AFASTAR A INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS AOS GENROS DO FALECIDO - NA TIRA DE JULGAMENTO CONSTOU EQUIVOCADAMENTE: "NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO, POR V.U." –– NÃO HÁ CONTRADIÇÃO NO VOTO – RESTOU CLARO QUE A INDENIZAÇÃO AOS GENROS DEPENDIA DE COMPROVAÇÃO DE ABALO PSICOLÓGICO ANORMAL COM A SITUAÇÃO, O QUE NÃO SE VERIFICOU NO CASO DOS AUTOS – FATO DE UM DOS GENROS TER IDO FAZER RECONHECIMENTO DE CADÁVERES POR DUAS VEZES, POR SI SÓ, NÃO CONFIGURA FATO GERADOR DE DANO MORAL – QUANTO ÀS VERBAS DE SUCUMBÊNCIA, SÃO INCABÍVEIS QUANDO SE DÁ PROVIMENTO AO RECURSO, AINDA QUE DE FORMA PARCIAL E EM PARTE MÍNIMA - EMBARGOS ACOLHIDOS PARA AFASTAR A CONTRADIÇÃO ENTRE O QUE CONSTOU DO ACÓRDÃO E DA TIRA DE JULGAMENTO, DECLARANDO QUE O RESULTADO DO JULGAMENTO É O SEGUINTE: "DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO PARA AFASTAR OS DANOS MORAIS AOS GENROS". 

No mesmo sentido:

TJ/SP - Apelação Cível AC 00237376020138260007/SP 0023737-60.2013.8.26.0007 (TJ/SP) Data de publicação: 14/3/19 RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE DE TRÂNSITO. DECRETO DE IMPROCEDÊNCIA DE AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL AJUIZADA POR GENRO EM RAZÃO DE ACIDENTE QUE OCASIOU LESÕES EM SUA SOGRA. NECESSIDADE. EMBORA O ACIDENTE TENHA CAUSADO TRANSTORNOS, NÃO HÁ COMPROVAÇÃO DE QUE TENHA ATINGIDO REFLEXAMENTE OS SENTIMENTOS ÍNTIMOS DO AUTOR, ABALADO SUA HONRA OU LHE OCASIONADO TRAUMAS PSÍQUICOS. SENTENÇA MANTIDA. Recurso de apelação improvido, com determinação.

Para demonstrar que isso não é primazia do Tribunal Bandeirante, no mesmo sentido se inclina o TJ/SC, observe-se:

TJ/SC - Apelação Cível AC 20100149190 São Lourenço do Oeste 2010.014919-0 (TJ/SC) Data de publicação: 29/4/10 INDENIZAÇÃO. ACIDENTE DE TRÂNSITO. MORTE DO MARIDO E PAI DOS APELANTES. PENSIONAMENTO EM FAVOR DA VIÚVA E FILHA. ELEMENTOS QUE INDICAM RENDA IGUAL A 1,5 SALÁRIOS MÍNIMOS. FIXAÇÃO DA PENSÃO EM 2/3 DESTE RENDIMENTO, OU SEJA, EM 1 SALÁRIO MÍNIMO, ASSIM DISTRIBUÍDOS: 60% DO SALÁRIO MÍNIMO PARA A VIÚVA E OS 40% RESTANTES À FILHA DEPENDENTE. SOBREVIDA DA VÍTIMA ESTIMADA EM 70 ANOS. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS À VIÚVA PELAS LESÕES SOFRIDAS. QUANTUM DEBEATUR SATISFATÓRIO. DANOS MORAIS PELA PERDA DO PAI. INSUFICIÊNCIA PARA COMPENSAR O SOFRIMENTO SUPORTADO. MAJORAÇÃO DEVIDA. PRETENSÃO DE INDENIZAÇÃO PELO GENRO DA VÍTIMA INCABÍVEL. ACOLHIMENTO PARCIAL DOS RECURSOS. 

Se genro ocupar terreno cedido pela sogra e nele introduzir melhoramentos, deve-se ver se foi doação ou comodato (no comodato não há direito de usucapião pois a posse é meramente precária – artigo 1200 CC), mas mesmo sendo posse precária, ainda haverá direito do genro manter a posse (retenção por benfeitorias) e ser indenizado por acessões e benfeitorias (Enunciado nº 81 das Jornadas de Direito Civil do Conselho de Justiça Federal). Sobre a questão, à guisa de exemplificação a respeito de como os Tribunais tem Julgados estes casos:

TJ/SC - Apelação Cível AC 162834/SC 2006.016283-4 (TJ/SC) Data de publicação: 27/5/10 APELAÇÃO CÍVEL E RECURSO ADESIVO. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. COMODATO VERBAL. RELAÇÃO DE PARENTESCO POR AFINIDADE ENTRE AS PARTES. SOGRO E GENRO. IMÓVEL CEDIDO PELO SOGRO AO GENRO. PRESSUPOSTOS DO ARTIGO 927 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DEMONSTRADOS. ALEGAÇÃO DE EDIFICAÇÃO DE ACESSÃO. PAGAMENTO EFETUADO PELO SOGRO. INEXISTÊNCIA DE DIREITO À INDENIZAÇÃO. MELHORAMENTOS. GENRO QUE FAZ JUS AO PREÇO E TEM DIREITO DE RETENÇÃO PELAS BENFEITORIAS ÚTEIS E NECESSÁRIAS. ALUGUEL PELA MORA EM DESOCUPAR O IMÓVEL. PREÇO NÃO IMPUGNADO NA CONTESTAÇÃO. MANUTENÇÃO DO VALOR. POSSÍVEL COMPENSAÇÃO ENTRE OS VALORES DAS BENFEITORIAS E DOS ALUGUÉIS. RECURSO PRINCIPAL DESPROVIDO E ADESIVO PARCIALMENTE PROVIDO.

Em outro caso inusitado, se tem que se considerou que o genro não deve indenizar sogra por tê-lo auxiliado em período de doença, mesmo que a sogra tenha deixado de trabalhar para isso. Observe-se:

TJ/SP - Apelação Cível AC 3614334400/SP (TJ/SP) Data de publicação: 29/9/08. Indenização contra genro. Serviços prestados à família da filha, doente, e netas, por mera libera/idade. Ausência de obrigação do genro em indenizar pelo período que a apelante deixou de trabalhar para terceiros e prestar essa assistência. Sentença de improcedência, mantida. 

Não gera a priori, vínculo trabalhista:

TRT-17 - RECURSO ORDINÁRIO RO 00362005720075170003 (TRT-17) Data de publicação: 5/11/10 VÍNCULO DE EMPREGO ENTRE PARENTES. ÔNUS DA PROVA. Em se tratando de reclamação trabalhista que veicula pretensão de reconhecimento de vínculo de emprego entre familiares (sogra, genro e filha), é inarredável que estejam evidenciados todos os requisitos da relação de emprego, mormente a subordinação e a onerosidade, haja vista que, não raro, a colaboração entre parentes possui caráter benevolente. Destarte, não tendo sido demonstrada a existência de onerosidade e de subordinação, impõe-se a manutenção da r. sentença, que não reputou caracterizada a existência de vínculo empregatício. (TRT 17ª R., RO 0036200-57.2007.5.17.0003, 2ª turma, rel. desembargadora Claudia Cardoso de Souza, DEJT 5/11/10). 

Entretanto, o genro terá direito aos dias de nojo (poderá faltar ao trabalho em caso de falecimento):

TRT-2 - Inteiro Teor 110145320105020000 COMARCA NÃO INFORMADA - SP Data de publicação: 8/12/11 No caso de falecimento de sogro ou sogra, genro ou nora, o empregado terá direito a faltar 2 (dois) dias ao serviço, sem prejuízo de sua remuneração; 15 - FALECIMENTO DE CÔNJUGE, PAIS.../SOGRA, GENRO/NORA No caso de falecimento de sogro ou sogra, genro ou nora, o empregado terá direito a faltar 2 (dois) dias ao serviço, sem prejuízo de sua remuneração. 15 - FALECIMENTO DE CÔNJUGE, PAIS...OU FILHOS, OU IRMÃOS, IRMÃS 

Mas o mau genro que trapaceia a sogra, igualmente é condenado, em havendo provas quanto a isso. Nesse sentido, em mais um aresto inusitado:

TJ/SP - Apelação Cível AC 10045524620188260006/SP 1004552-46.2018.8.26.0006 (TJ/SP) Data de publicação: 15/6/20 Apelação cível. Reconhecimento de direitos sobre imóvel e indenização por danos morais. Ação movida por idosa em face de filha e genro. Alegação de que sofria maus tratos e foi enganada em aquisição de imóvel. Sentença de parcial procedência. Recursos de ambas as partes. 1. Direitos sobre imóvel. Reconhecimento. Imóvel adquirido com recursos de ambas as partes, com intenção de que servisse de residência não só para os réus, como também para a autora e seu marido. Nada consta nos autos a indicar que se tratava de empréstimo. Alegação de que a autora faria jus a apenas 1/6 dos direitos. Não conhecimento. Inovação recursal. De qualquer forma, não há provas nesse sentido. 2. Danos morais. Prescrição. Inocorrência. Autora alega ter sofrido maus tratos enquanto residia com os réus, bem como ter sido enganada quanto à aquisição do imóvel. Prescrição atinge apenas primeiro fundamento. Autora só teve ciência que o imóvel não foi adquirido em seu nome em 13/12/16. Ação proposta em 2018, antes do vencimento do prazo previsto no artigo 206, §3°, V, do Código Civil. Caracterização de dano moral. Quebra de confiança depositada nos réus, que se utilizaram de valores da autora em benefício próprio. Sofrimento agravado pela relação de parentesco. Indenização arbitrada em R$ 20.000,00. Resultado. Apelação dos réus não provida. Provida apelação da autora.

Brincadeiras e entendimentos extremados acima, nossas sogras merecem nosso respeito. 

Júlio César Ballerini Silva
Advogado. Magistrado aposentado. Professor. Coordenador nacional do curso de pós-graduação em Direito Civil e Processo Civil e em Direito Médico.

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