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A equiparação do sistema de supletivo e do ensino médio regular sob o prisma da reserva de vaga

Afigura-se ilegal a recusa de matrícula, dentro do sistema de cotas, do estudante egresso de escola pública concludente do ensino médio via exame supletivo.

26/3/2021

Radicada no princípio-valor da dignidade da pessoa humana, a Constituição Cidadã agasalha dentre os seus objetivos fundamentais a construção de sociedade livre e a redução das desigualdades regionais e sociais, ex vi artigo 3º, incisos I e III, da norma maior.

É justamente nesse sentido, aliás, que o Supremo Tribunal Federal, em diversas ocasiões, já confirmou a constitucionalidade do sistema de cotas implementado pelas universidades públicas brasileiras, ao importante argumento de que a adoção de mecanismos de compensação lastreados em políticas e ações afirmativas visa atender, a um só tempo, as metas estabelecidas no texto constitucional e, ainda, os diversos compromissos assumidos pela República Brasileira na órbita constitucional.

Nessa conjectura, sobreleva-se a aprovação da lei 12.711/12, ao estabelecer que cada processo seletivo voltado ao ingresso nos cursos de graduação, promovidos pelas instituições federais de ensino superior vinculadas ao MEC, deverá ser assegurada 50% das vagas aos para estudantes oriundos de escolas públicas. Exige a lei, pela literalidade do seu artigo 1º, caput, que os alunos tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas.

Dúvida não há que o regramento em questão, para além de concretizar o posicionamento da Excelsa Corte, também implica fiel cumprimento ao comando constitucional que preceitua, como competência administrativa comum dos entes federados, a promoção e integral social dos setores desfavorecidos, à luz da redação do artigo 23, inciso X, da Constituição Federal.

Pese o cenário dantes exposto, vê-se, não raras vezes, abusos e ilegalidades sendo cometidas pelas próprias instituições de ensino superior em detrimento dos estudantes legitimamente aptos a concorrer pela reserva legal de cota social.

 Especificamente e de modo injustificado, as universidades públicas, via de regra, não vêm admitindo o direito de ingresso, nas vagas destinadas a egressos de escola pública, aos candidatos que tenham concluído o ensino médio em exames supletivos aplicados pela rede estadual, ou que tenham obtido o certificado de conclusão do ensino médio por meio de exames aplicados (ENEM, ENCCEJA).

É de suma importância anotar que a legislação de regência assegura a equiparação do sistema de supletivo ao ensino médio regular para todos os fins. Senão vejamos:

Nos exatos termos do que veicula o Ministério da Educação (MEC), por meio do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), ‘’ o Encceja tem como principal objetivo construir uma referência nacional de educação para jovens e adultos por meio da avaliação de competências, habilidades e saberes adquiridos no processo escolar ou nos processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais, entre outros.

Nesse sentido, vale destacar que a lei 9.394/96, após alterações legislativas promovidas pela lei 11.741/08, assegura a continuidade dos estudos aos estudantes aprovados em exames de suplência, senão vejamos: Art. 38, lei 9.394/96: Os sistemas de ensino manterão cursos e exames supletivos, que compreenderão a base nacional comum do currículo, habilitando ao prosseguimento de estudos em caráter regular. § 1º Os exames a que se refere este artigo realizar-se-ão: I - no nível de conclusão do ensino fundamental, para os maiores de quinze anos; II - no nível de conclusão do ensino médio, para os maiores de dezoito anos.§ 2º Os conhecimentos e habilidades adquiridos pelos educandos por meios informais serão aferidos e reconhecidos mediante exames.

Em reforço, cumpre registrar que o exame supletivo possui aceitação irrestrita, nos moldes do que estabelece a Portaria Normativa 27/12, do Ministério da Educação e Cultura, consoante reza seu artigo 18, §8ª, adiante transcrito: Para a comprovação de conclusão do ensino médio, o estudante poderá apresentar certificado de conclusão com base no resultado do Enem, do Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (Encceja) ou dos exames de certificação de competência ou de avaliação de jovens e adultos realizados pelos sistemas estaduais de ensino.

Destarte, a aprovação em exame de certificação com base no resultado do ENEM, do ENCCEJA ou, ainda, de outros exames de certificação de competência/avaliação de jovens e adultos realizados pelos sistemas estaduais de ensino, somada à comprovação de que o estudante é, de fato, egresso de escola pública, afigura-se suficiente para viabilizar a habilitação do candidato a concorrer pelo sistema de cota.

Ocorre que os editais de processo seletivo para preenchimento das vagas nos cursos de graduação vêm exigindo, a título de documentação necessária para comprovar a condição de cotista, a apresentação de Histórico e Frequência Escolar, de modo a comprovar ter cursado todas as séries do ensino médio em escola pública.

Decerto que a legislação de regência (artigo 1º, lei 12.711/12) não exige que o ensino médio tenha sido cursado pelo estudante na modalidade regular, isso é, durante os 03 (três) anos. Conforme já informado, o texto legal estabelece a necessidade de que o candidato tenha cursado o ensino médio integralmente em escola pública.

Tais compreensões são absolutamente diferentes e, acaso sejam confundidas, implicará graves prejuízos à política educacional afirmativa, notadamente à população jovem e adulta (público de EJA) que não teve acesso ao ensino na idade apropriada e, por meio da escolarização tardia ofertada pelo Poder Público, estará apta a realizar o exame de suplência e alcançar a tão desejada certificação, requisito indispensável para acessar o ensino superior.

Destaca-se que no âmbito jurisprudencial, há posicionamento firme no sentido de que o exame supletivo aplicado pela rede estadual de ensino supre a exigência da Universidade para o ingresso pelo sistema de cotas. Com inteira correção, o TRF da 1ª Região, nos autos do Ag. Regimental em APC 10021-24.2011.4.01.3900/PA e sob a relatoria do em. Desembargador João Batista Moreira, entendeu que o candidato concludente do ensino médio por meio de exame supletivo aplicado pela rede estadual possui direito à preencher vaga de curso superior destinada aos cotistas, tendo sido consignado que a ausência de histórico escolar não desnatura a situação.

Já por meio da APC 0011220-43.2008.4.01.3300, a 6ª Turma do TRF da 1ª Região, concluiu que a certificação do ensino médio por meio de exame supletivo aplicado pela rede estadual ostenta o caráter de “escola pública” exigido na norma em questão.

De se consignar, portanto, que a distinção entre alunos egressos da rede pública do ensino regular e de escola pública do ensino supletivo revela-se absolutamente incompatível com o princípio constitucional da igualdade material e, de igual modo, com o propósito da política de ações afirmativas, razão pela qual não encontra amparo legal a recusa da matrícula dentro do sistema de cotas do estudante egresso de escola pública, sob o argumento de que a conclusão do ensino médio por meio de exame supletivo não atende à exigência legal estatuída no artigo 1º, da lei 12.711/12.

Pedro Henrique Alencar R. C. Lima
Mestrando em Direito pela Faculdade de Direito de São Paulo. Pós-Graduado em Direito Processual Civil pela PUC-SP. Assessor Jurídico da Secretaria De Educação do Piauí. Advogado.

Ayrton de Sena Gentil Neto
Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Amazonas. Mestrando em Direito pela Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo. Advogado e Consultor Jurídico.

Lucas Alberto de Alencar Brandão
Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Amazonas. Mestrando em Direito pela Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo. Advogado.

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