Migalhas de Peso

Resultado atípico do IGPM onera excessivamente contratos e reajuste pode ser questionado

Todo e qualquer contrato deve respeitar a sua “função social”, o que significa que os termos ajustados devem ser, ao máximo, respeitados, sem, no entanto, colocar em risco interesses individuais munidos de boa-fé.

26/3/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

A correção monetária anual foi prevista no art. 28 da lei 9.069/95, responsável pela consolidação do Plano Real. Dessa forma, com a publicação da referida lei, ficou autorizado que diversos tipos de contrato previssem uma correção monetária anual e, com isso, muitos se utilizam do índice IGPM.

Contudo, nos últimos 10 anos, o índice em questão vinha registrando uma variação média de 6,55%. Em 2020, contudo, o IGPM ultrapassou a faixa dos 20%, dificultando, em muitos casos, o adimplemento do contrato e podendo ocasionar, em situação extrema, a própria quebra contratual.

Ocorre que todo e qualquer contrato deve respeitar a sua “função social”, o que significa que os termos ajustados devem ser, ao máximo, respeitados, sem, no entanto, colocar em risco interesses individuais munidos de boa-fé. Seguindo essa linha de raciocínio, o Código Civil estabeleceu, em seu artigo, 421, que a “liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato”, e que, nas “relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual”.

Ou seja, o referido artigo admite a revisão contratual, porém, apenas diante de um evento verdadeiramente excepcional. Aliado a isso, o mesmo Código Civil admite, nos seus artigos 317 e 478, a possibilidade de revisão do contrato pelo Poder Judiciário, caso surjam fatos imprevisíveis que interfiram, de maneira significativa, no equilíbrio econômico-financeiro dos contratos.

A jurisprudência tem firmado entendimento no sentido de que a viabilização da revisão contratual precisa, portanto, preencher quatro requisitos: (a) superveniência de fato que alterou as condições iniciais da contratação; (b) imprevisibilidade; (c) que esse fato não seja decorrente dos riscos do contrato; e (d) capacidade de gerar desequilíbrio significativo entre as partes.

Assim, a Teoria da Imprevisão se adequa perfeitamente à alta inesperada e abrupta do índice IGPM no ano de 2020, o que, somado ao contexto de pandemia persistente, permite a revisão de contratos quanto ao índice de correção monetária dos ajustes.

De todo modo, é importante destacar que a judicialização do assunto deve ser a última alternativa a ser considerada, devendo ser privilegiada a negociação de boa-fé entre as partes. Apenas se a negociação se revelar infrutífera, passa-se à alternativa de acionamento do Poder Judiciário para que se realize a revisão.

Bruno Pedrosa Gonçalves
Sócio advogado da Área Cível Empresarial do escritório Renato Melquíades Advocacia.

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Artigos Mais Lidos

Coisa julgada, obiter dictum e boa-fé: Um diálogo indispensável

23/12/2024

Inteligência artificial e direitos autorais: O que diz o PL 2.338/23 aprovado pelo Senado?

23/12/2024

Macunaíma, ministro do Brasil

23/12/2024

PLP 108/24 - ITCMD - Tributação da distribuição desproporcional de dividendos

21/12/2024

Novas regras para o programa de integridade no âmbito da lei de licitações

21/12/2024