O meu objetivo, neste breve artigo científico, é o de discorrer sobre a resilição do contrato de prestação de serviços advocatícios, bem como das consequências patrimoniais desta medida, especialmente a (in)existência de multa, de honorários contratuais (pró-labore e ad exitum) e de honorários advocatícios sucumbenciais.
Não é novidade que o advogado pode resilir, a qualquer momento, o contrato de prestação de serviços advocatícios que tem com o seu cliente. Consta do § 3º do art. 5º da lei 8.906/94 (EA) que “[o] advogado que renunciar ao mandato continuará, durante os dez dias seguintes à notificação da renúncia, a representar o mandante, salvo se for substituído antes do término desse prazo”. Nesse sentido, dois dispositivos do Código de Ética da Ordem dos Advogados do Brasil (CE/OAB) merecem ser transcritos:
Art. 13. A renúncia ao patrocínio implica omissão do motivo e a continuidade da responsabilidade profissional do advogado ou escritório de advocacia, durante o prazo estabelecido em lei; não exclui, todavia, a responsabilidade pelos danos causados dolosa ou culposamente aos clientes ou a terceiros.
Art. 16. O mandato judicial ou extrajudicial não se extingue pelo decurso de tempo, desde que permaneça a confiança recíproca entre o outorgante e o seu patrono no interesse da causa.
Também é oportuno recordar o disposto no art. 473 do Código Civil (CC): “[a] resilição unilateral, nos casos em que a lei expressa ou implicitamente o permita, opera mediante denúncia notificada à outra parte”.
Desse modo, feita essa constatação, é preciso discorrer sobre quatro possíveis discussões, de cunho patrimonial, que poderão exsurgir: multa, honorários contratuais pró-labore e ad exitum e honorários advocatícios sucumbenciais.
A multa em caso de resilição unilateral foi declarada ilegal pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em recente julgado. A parte da ementa que mais nos interessa é esta:
“[n]ão é possível a estipulação de multa no contrato de honorários para as hipóteses de renúncia ou revogação unilateral do mandato do advogado, independentemente de motivação, respeitado o direito de recebimento dos honorários proporcionais ao serviço prestado”
(STJ, 4ª T., REsp 1.346.171/PR, rel. ministro Luis Felipe Salomão, j. 11/10016, DJe 07/11/16).
Foi feita a ressalva de que “[n]o contrato de prestação de serviços advocatícios, em razão do mister do advogado, só há falar em cláusula penal para as situações de mora e/ou inadimplemento e desde que os valores sejam fixados com razoabilidade, sob pena de redução”, nos termos dos arts. 412 e 413 do CC.
A cláusula penal foi pensada, a grosso modo, para servir de desestímulo ou para punir o descumprimento da obrigação contratual. No caso da relação jurídica entre advogado e cliente, diante da característica de confiança existente, entendeu-se que não seria lícito obrigar, qualquer uma das partes, ao pagamento de multa, caso quisesse se ver livre do contrato.
Sei que a nossa classe dos advogados não gostou deste julgado, no entanto, conforme pretendo demonstrar a seguir, não haverá prejuízo algum ao advogado que tiver o seu contrato resilido por iniciativa do cliente. Por quê? Porque o advogado continuará a ter direito de receber os honorários advocatícios contratuais ad exitum, na sua integralidade, bem como a receber os honorários advocatícios sucumbenciais, só que de forma proporcional ao serviço prestado.
Começando a explicação pelos honorários advocatícios de êxito, um recente caso julgado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ/SP) decidiu que o advogado tem direito a recebê-los, apesar de o contrato ter sido resilido. A ementa foi a seguinte:
“Apelação. Embargos à execução. Execução de título extrajudicial fundada em contrato de honorários advocatícios. Rescisão antecipada do contrato. Ajuste de honorários em percentual mínimo de 10% do proveito econômico que seria obtido pelos clientes, que se mostra razoável e proporcional ao trabalho desenvolvido pelo advogado. Atuação em toda a fase de conhecimento, que perdurou por longo período, inclusive com interposição de apelação e alcance do trânsito em julgado. Desnecessidade de ação de conhecimento para arbitramento. Liquidez e exigibilidade do título. Revogação do mandato pelas contratantes antes do recebimento dos valores que lhe são devidos na demanda. Honorários que passam a ser exigíveis. Recebimento dos valores que deixa de ser de responsabilidade do advogado. Embargos à execução rejeitados. Recurso provido”
(TJ/SP, 33ª C., Ap. 1043140-97.2019.8.26.0100, rel. des. Ana Lucia Romanhole Martucci, j. 16/11/20).
A base legal para tanto foi o art. 129 do CC, que determina que “[r]eputa-se verificada, quanto aos efeitos jurídicos, a condição cujo implemento for maliciosamente obstado pela parte a quem desfavorecer, considerando-se, ao contrário, não verificada a condição maliciosamente levada a efeito por aquele a quem aproveita o seu implemento”.
Assim, em caso de êxito da demanda, o advogado que foi unilateralmente retirado do processo pelo cliente fará jus ao recebimento integral dos honorários ad exitum. A contrario sensu, veja-se que o advogado não terá direito de receber a parcela do contrato referente ao êxito da demanda na hipótese de o seu cliente não obtiver sucesso.
Neste instante é oportuno lembrar o que dispõe o art. 14 do CE/OAB: “[a] revogação do mandato judicial por vontade do cliente não o desobriga do pagamento das verbas honorárias contratadas, bem como não retira o direito do advogado de receber o quanto lhe seja devido em eventual verba honorária de sucumbência, calculada proporcionalmente, em face do serviço efetivamente prestado”.
Como se pode ver, o advogado tem direito de receber o valor integral da parcela comumente intitulada de pró-labore, bem como o valor proporcional dos honorários sucumbenciais.
No tocante aos honorários pró-labore, penso ser importante fazer a ressalva de que, caso os honorários contratuais tenham sido pactuados a serem pagos por etapas do procedimento (por exemplo, 15 salários-mínimos no ajuizamento da ação, 10 salários-mínimos no momento de se apresentar apelação ou contrarrazões e 12 salários-mínimos no momento da interposição do recurso especial ou das contrarrazões), o advogado não poderá exigir algo se não tiver efetivamente trabalhado. Assim, o advogado retirado do feito, pelo cliente, no momento em que foi proferida a sentença, não terá direito de receber o valor correspondente à etapa em que o processo tramitará perante o tribunal de segundo grau. Caso o contrato de prestação de serviços seja resilido após a interposição do recurso de apelação, então ele terá direito de receber o valor integral desta fase, ou seja, 10 salários-mínimos. Acresço que, se foi acordado que os 15 salários-mínimos iniciais seriam divididos em três prestações mensais, o advogado que teve o contrato resilido fará jus ao recebimento de todas, pois trabalhou na referida etapa. A divisão da prestação em parcelas é mera questão de facilitação do pagamento para o devedor.
Em relação aos honorários advocatícios sucumbenciais, há um recente julgado do TJ/SP ratificando o disposto no art. 14 do CE/OAB:
“1. A sociedade de advogados autora prestou serviços, patrocinando os interesses dos clientes até a propositura da demanda, sendo sucedida nesse trabalho pela sociedade ré. Alcançado o êxito, a demandada obteve a remuneração decorrente dos honorários sucumbenciais. Tendo recebido um valor que reputa insuficiente, a autora pretende seja realizado o arbitramento da parte que lhe cabe e a condenação da ré ao pagamento respectivo. Sendo incontroversa a existência do direito à remuneração, a ré questiona o valor pretendido. 2. Ausente regulamentação legal específica, no âmbito do Estatuto da Advocacia depara-se com o critério objetivo de fixação dos honorários advocatícios contratuais, que pode ser aplicado à hipótese dos autos por analogia, diante da similitude presente. Assim, na perspectiva do que estabelece o artigo 22, § 3º, da Lei 8.906/1994, por analogia, fixa-se o valor da participação da autora em um terço do montante auferido pela ré. 3. Daí advém a condenação da demandada ao pagamento da diferença em aberto”
(TJ/SP, 31ª C., Ap. 1096917-31.2018.8.26.0100, rel. des. Antonio Rigolin, j. 16/2/21).
O § 3º do art. 22 do EA, por sua vez, dispõe que, “[s]alvo estipulação em contrário, um terço dos honorários é devido no início do serviço, outro terço até a decisão de primeira instância e o restante no final”. É um critério objetivo criado pelo legislador para o caso de inexistir estipulação em contrário. Assim, em caso de resilição, pode o advogado que está tendo o contrato resilido pactuar, com o advogado que assumirá a causa, a forma de divisão dos honorários sucumbenciais. Nesta hipótese, valerá o que foi acordado entre os advogados da parte, e, não, o critério legal. Penso que, para que tal contrato de rateio dos honorários sucumbenciais tenha validade e eficácia, é preciso que seja assinado pelos advogados que estão saindo e ingressando no processo, pois, como já dito, essa verba, por lei, pertence ao advogado.
Por fim, uma última situação que ocorre com alguma frequência é a do cliente celebrar acordo com a parte contrária, sem a anuência de seu advogado, e constar, no contrato, que as partes renunciam aos honorários advocatícios sucumbenciais. Ora, como é notório, esta verba é do advogado, haja vista o art. 23 do EA. Não se pode, por óbvio, transacionar sobre algo que não lhe pertence. Desse modo, seguindo essa orientação, o STJ decidiu em recente aresto que “[o] acordo firmado entre as partes, sem a concordância do advogado, não atinge o direito ao recebimento dos honorários advocatícios fixados em sentença judicial transitada em julgado” (STJ, 3ª T., REsp 1.851.329/RJ, rel. min. Nancy Andrighi, j. 22/9/20, DJe 28/9/20).
Essa estipulação é claramente ineficaz em relação ao advogado que não anuiu com a transação, e, por sua vez, poderá cobrar este valor da parte contrária, pois, de acordo com o caput do art. 85 do Código de Processo Civil, “A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor”. É claro que poderá existir alguma particularidade no caso concreto que faça com que o responsável pelo pagamento seja o próprio cliente, v.g., caso exista uma cláusula, no acordo celebrado, dizendo que a responsabilidade pelo pagamento dos honorários sucumbenciais será da parte em relação ao seu advogado. Nesta hipótese, teremos uma outra discussão, qual seja: podem as partes alterar regra legal, que envolva direito de outrem, sem a anuência do terceiro? Confesso que tenho minhas dúvidas, isto é, mesmo assim a responsabilidade pelo pagamento da verba sucumbencial continuaria sendo da parte contrária (já que, num acordo, não seria muito adequado dizer vencido e vencedor).
Portanto, neste artigo meramente descritivo da mais atual jurisprudência do nosso país, espero ter conseguido cumprir o meu objetivo, que, repito, é apenas o de levar, ao leitor, estes recentes posicionamentos jurisprudenciais.