Está na pauta do Plenário do Supremo Tribunal Federal do dia 24 de março, a ADIn 5.631, da qual é relator o ministro Edson Fachin, de iniciativa da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão – ABERT contra a lei 13.582/16 do Estado da Bahia, que restringia a publicidade dirigida a crianças, de alimentos e bebidas pobres em nutrientes e com alto teor de açúcar, gorduras saturadas ou sódio em alguns horários em rádio e TV, e em qualquer horário nas escolas públicas e privadas.
Ocorre que essa lei foi substancialmente alterada após a propositura da ADI por meio da lei 14.045/18, e passou a prever tão somente a proibição da comunicação mercadológica dirigida às crianças nos estabelecimentos de educação básica naquele estado.
Com isso, há evidente perda do objeto da ação. Não há como prosseguir o debate da constitucionalidade de artigo de lei expressamente revogado por lei posterior durante a tramitação da ação.
Ainda, a ABERT passou a ser parte ilegítima para figurar como autora dessa ADIn, pela perda da pertinência temática, já que a lei não mais dispõe sobre rádio e TV. A única menção a propaganda nestes meios na lei original, que estava no § 1º do art. 1º, foi expressamente revogada. Não subsiste a legitimidade da ABERT para o pólo ativo.
Caso o debate atinja o mérito, será analisado o complexo sistema de competências (concorrentes) decorrente do art. 24 da CF, inclusive na perspectiva da proteção à saúde, tão em voga, embora em perspectivas diversas nesses tempos de pandemia.
Sem prejuízo delas, outras, não menos interessantes, se mostram quando se analisa o âmago da questão. O que deve ser definido pelo STF — e, no particular, cabe trazer à tona as mais recentes manifestações do Plenário em prol do fortalecimento das competências federativas em prol da saúde no atual momento pandêmico que todos vivemos — é qual é o espaço passível de ser ocupado pelos Estados membros na promoção da saúde, da educação, das crianças e dos consumidores, justamente quando não há, como na hipótese, legislação federal que diga algo de contrário. Não é exatamente para tais casos que existem as múltiplas competências concorrentes previstas no art. 24 da CF?
E mais, senão principalmente: a análise do tema tem que levar em consideração o art. 227 da CF para que a análise da lei baiana seja feita no seu devido contexto normativo, longe, portanto, da literalidade proposta pela ABERT.
Se, como se lê do referido dispositivo constitucional, “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”,
importa destacar a relevância da iniciativa baiana em regulamentar o tema, ocupando-se com a proteção do futuro da nação brasileira desde os estabelecimentos de educação básica, protegendo-a dos interesses mercadológicos que não podem existir no ambiente escolar. Este deve ser um local seguro, de aprendizado e do lúdico. A escola deve ser ambiente livre de persuasões de anunciantes e de pressões consumistas para se manter como espaço de pleno desenvolvimento de crianças e adolescentes. A formação de pessoas em especial condição de desenvolvimento, dentro da escola, requer a proteção contra a influência de marcas e seus anunciantes. A propaganda comercial dento do espaço escolar é excesso, é abuso que precisa ser combatido. Quando sua restrição, que já se extrai do Código de Defesa do Consumidor e outras normas, é reforçada por leis locais, a proteção das crianças e adolescentes fica ainda mais resguardada e segura.
A Lei baiana quer proteger as crianças naquele que é tido como seu segundo lar, a escola, em estreita harmonia com o referido dispositivo constitucional, competindo ao STF negar juridicidade ao entendimento de que somente a União Federal, no exercício de suas competências do art. 22, pode se ocupar exclusivamente do tema. Não, ao menos, quando a lei questionada é interpretada, como deve ser, no seu devido contexto, destacando-se seu inequívoco escopo, fortalecendo, nesse sentido o verdadeiro sentido e alcance da República Federativa do Brasil.