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PL 318/21: Uma questão cultural ou uma ameaça à proteção dos animais?

Cabe à população manifestar sua aprovação ou reprovação a esse e a outros projetos de lei, votando nas enquetes no site da Câmara dos Deputados.

19/3/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

O projeto de lei 318/21, de autoria do deputado Federal Paulo Bengston (PTB/PA), tem o objetivo de tornar a criação animal um patrimônio cultural imaterial no Brasil.

A Constituição Federal de 1988, em seu, Título VIII, Capítulo III, Seção II Cultura, prescreve em seus artigos 215 e 216, que “O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.” e que “Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira...”.

Se o aludido PL for aprovado, irá permitir que a exploração de animais para a prática de vaquejada, rodeio exposição de gado, cavalos, cães e gatos, além de outras atividades do tipo, receba a declaração não apenas de seu aspecto cultural, mas também seria reconhecida como parte do patrimônio brasileiro. É defendido o uso de animais como força de trabalho para transporte, esportes e até entretenimento.

O deputado Paulo Bengston, que levou a questão para discussão na Câmara, faz parte da Frente Parlamentar da Agropecuária, que objetiva expandir as políticas públicas para o desenvolvimento do agronegócio, este de grande importância para o Brasil (Artigo Direito e Agronegócio: Fortes Aliados em um Brasil Exportador). Por ser uma Frente com tanta influência legislativa e social no Congresso Nacional, o projeto de lei tem sido alvo de grandes discussões, que, de um lado, são protagonizadas por ruralistas e, de outro, por defensores dos animais, inclusive.

Considerando que os políticos congressistas têm o papel principal de representar o interesse do povo, o conteúdo do PL 318/21 não tem tido grandes proporções somente no âmbito parlamentar, mas inclusive tem se expandido relevantemente em meio à população.

O site da Câmara dos Deputados promove uma enquete popular para que as pessoas possam votar e manifestar sua opinião acerca do projeto lei. A proporção tem sido quase de 50% a 50% entre “concordo totalmente” e “discordo totalmente”, mostrando que o assunto é polêmico e recebe juízo de todos os tipos. Vejamos:

(Imagem: Divulgação)

De acordo com o Deputado Bengston, “Hoje em dia, a atividade de criação de animais, a despeito de toda a tecnologia desenvolvida, ainda é de grande importância, tanto no Brasil como no mundo, não apenas para o sustento direto de milhares de famílias que vivem da agricultura e pecuária de subsistência, como também e, principalmente, como base econômica de grandes mercados que geram empregos, bens, serviços e receita tributária”.

Ao final de sua justificativa, ainda acrescentou que “O patrimônio imaterial é transmitido de geração a geração, constantemente recriado pelas comunidades e grupos em função de seu ambiente, de sua interação com a natureza e de sua história, gerando um sentimento de identidade e continuidade, contribuindo para promover o respeito à diversidade cultural e à criatividade humana. A criação de animais é, portanto, um bem cultural de extrema importância, passado entre diversas gerações, que, além de manter a subsistência de grande parte de brasileiros, é responsável pelo desenvolvimento e aprimoramento das espécies, movimenta ainda o mercado PET (35 bilhões por ano), e o agronegócio (diversas vezes responsável pela manutenção de um PIB extraordinário para o País), e, por isso deve ser preservada e homenageada.”

Para conhecer a íntegra do projeto lei, clique aqui.

Válido ressaltar que o senhor Paulo Bengtson é um dos deputados que se declarou contrário ao projeto de lei 5.949/13, em trâmite no Congresso Nacional, que estabelece a proibição do abate de jumentos, mulas e cavalos no Brasil.

Ainda nessa contramão, tramita no Congresso o projeto de lei 84/21, de autoria do Deputado Ricardo Silva (PSB-SP), que altera a Lei de Crimes Ambientais, cuja ementa é “Altera a lei 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, para tornar crime a realização de corridas, lutas, disputas ou atividades extenuantes de mesma natureza utilizando cães” e que objetiva exatamente a criminalização de práticas que seriam tornadas patrimônio cultural pelo PL 318/21.

De outro lado, organizações de proteção animal de todos os tipos, como ONGs, ativistas, profissionais do ramo da sustentabilidade e defesa ambiental, e outros, têm se unido em prol da conscientização e disseminação de que o projeto de lei 318/21 representa mais que um retrocesso à proteção dos animais, mas uma grande ameaça.

A exemplo, a Organização Ampara Silvestre usou suas redes sociais para se manifestar contra o Projeto, dizendo “Este projeto abre precedentes para o aumento da exploração animal que, consequentemente, favorecerá a fábrica de filhotes, o cárcere de animais, a criação de aves em gaiolas, a exploração de animais de tração, entre outros absurdos defendidos por aqueles que comerecializam e capitalizam em cima do bem estar animal”.

Para os opositores, o PL legitima a objetificação e a crueldade animal. Para além da exploração pecuária já comum no país. A aprovação desse Projeto daria margem para que animais silvestres também fossem atingidos, além da cruel utilização de pets para reprodução excessiva em canis.

Assim, com o interesse principal de se utilizar da exploração animal como intermédio para fins econômicos, o projeto de lei 318/21 tenta tornar tradição algo que por muitos é visto como crueldade. A estratégia de tornar tais práticas patrimônio cultural imaterial pode gerar impedimentos e dificuldades à proteção dos animais, o que certamente extrapola a norma constitucional (artigo 216).

Cabe à população manifestar sua aprovação ou reprovação a esse e a outros projetos de lei, votando nas enquetes no site da Câmara dos Deputados e, claro, apertando as teclas corretas na urna eletrônica, afinal é a Constituição da República de 1988, que em seu artigo 1º, parágrafo único, prescreve: "Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta constituição".

Stanley Martins Frasão
Presidente da Comissão de Sociedades de Advogados da OAB/MG. Conselheiro Seccional da OAB/MG. Advogado do escritório Homero Costa Advogados.

Nathália Caixeta Pereira de Castro
Colaboradora do escritório Homero Costa Advogados.

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