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Importante reviravolta jurisprudencial, após decisão do STF, no tocante ao direito ao esquecimento

Durante anos o STJ afirmou que o sistema jurídico brasileiro protege o direito ao esquecimento, todavia, o Supremo Tribunal Federal julgou recentemente tal direito incompatível com o nosso ordenamento.

18/3/2021

(Imagem: Arte Migalhas.)

O direito ao esquecimento, também chamado de “direito de ser deixado em paz” ou o “direito de estar só”, constitui-se no direito que a pessoa tem de não ter relembrado publicamente um fato verídico (ou não) que lhe acarretou desgaste psicológico, físico, emocional, vergonha ou sofrimento.

Tal direito tornou-se relevante, especialmente na era da informática, em que vídeos e fotos são divulgados publicamente de forma rápida, e permanecem na nuvem para acesso a qualquer tempo, de forma instantânea, para qualquer parte do mundo, expondo publicamente fatos passados, com vídeos e imagens, o que dificulta que acontecimentos sejam facilmente esquecidos.

Essa recordação opressiva de fatos passados de uma pessoa, por vezes completamente desatual, ou seja, relembrada após muitos anos, pode comprometer o trabalho, a vida pessoal, e de sua família, pois o julgamento da sociedade, por vezes, pode ser mais severo que o do próprio Judiciário.

No Brasil, a corrente majoritária de doutrinadores, bem como os julgamentos do STJ, defendia o direito ao esquecimento, sob a afirmação de que possuiria amparo constitucional e legal, considerando que é uma consequência do direito à vida privada (privacidade), intimidade e honra, assegurados pela CF/88 (art. 5º, X) e pelo CC/02 (art. 21).

Encontramos, ainda, na VI Jornada de Direito Civil do CJF/STJ, aprovado um enunciado defendendo a existência do direito ao esquecimento como uma expressão da dignidade da pessoa humana, conforme Enunciado 531 (A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento).

No entanto, é evidente que o direito ao esquecimento encontra entraves quando colocado ao lado do direito à liberdade de informação, imprensa e expressão, direito estes amparados pela Constituição, lembrando ainda que a antiga lei de imprensa não foi recepcionada pela Carta Magna (ADPF 130).

Logicamente, o direito ao esquecimento não era considerado absoluto, e o STJ verificava caso a caso a sua aplicabilidade, conforme julgado recente, de 28/4/20, informativo 670, em que se considerou que:

“em caso de evidente interesse social no cultivo à memória histórica e coletiva de delito notório, não se pode proibir a veiculação de matérias jornalísticas relacionados com o fato criminoso, sob pena de configuração de censura prévia, vedada pelo ordenamento jurídico pátrio. Em tal situação, não se aplica o direito ao esquecimento. STJ. 3ª Turma. REsp 1.736.803-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 28/4/20 (Info 670).”

Notório julgamento ocorreu no caso da “Chacina da Candelária”, em que o programa “Linha Direta” da Rede Globo divulgou o fato e os envolvidos, vários anos após o ocorrido, sendo que, uma das partes, apesar de absolvida, voltou a ser julgada e questionada pela sociedade em que convivia, por ter sido retratado como assassino, violando o seu direito à paz, privacidade, sigilo e intimidade. Em tal caso, o STJ condenou a Rede Globo a indeniza-lo por danos morais, por violação ao seu direito ao esquecimento.

Em contrapartida a tal entendimento, o STF, julgou em sede de Repercussão Geral – Tema 786, no RE 1010606/RJ, relator ministro Dias Toffoli, julgado em 11/2/21, divulgado no Informativo 1005, que sob a perspectiva de ser o direito ao esquecimento “a pretensão apta a impedir a divulgação de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos, mas que, em razão da passagem do tempo, teriam se tornado descontextualizados ou destituídos de interesse público relevante”, ele não encontraria amparo na CF, portanto, incompatível com esta.

O entendimento do STF foi no sentido de que o “direito ao esquecimento” caracterizaria restrição excessiva e peremptória às liberdades de expressão e de manifestação de pensamento e ao direito que todo cidadão tem de se manter informado a respeito de fatos relevantes da história social, bem como equivale a atribuir, de forma absoluta e em abstrato, maior peso aos direitos à imagem e à vida privada, em detrimento da liberdade de expressão, compreensão que não se compatibiliza com a ideia de unidade da Constituição.

A liberdade de expressão não é absoluta, no entanto, a sua restrição pela mera passagem do tempo não encontraria amparo no ordenamento jurídico.

Sendo assim, o “direito ao esquecimento” não é consagrado pelo nosso ordenamento jurídico.

Tal entendimento não quer dizer que o direito à privacidade, honra, e demais direitos de personalidade deixaram de ser amparados, no entanto, eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, a partir dos parâmetros constitucionais – especialmente os relativos à proteção da honra, da imagem, da privacidade e da personalidade em geral – e as expressas e específicas previsões legais nos âmbitos penal e cível.

Jacqueline Silva
Advogada na cidade de Piracicaba/SP, Especialista em Direito Civil e Processo Civil.

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