Migalhas de Peso

Crédito e superendividamento: As soluções no PL 3.515/15

O superendividamento corresponde à morte civil de um consumidor, à sua exclusão do mercado de consumo.

18/3/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

O percentual de famílias com dívidas no Brasil tem novo recorde histórico, segundo a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic) divulgada pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) no último ano. O cenário é pior para as famílias com renda de até dez salários-mínimos. Atualmente é de 66,7% o percentual de famílias brasileiras endividadas. Já o percentual das que estão sem pagar contas é de 24,5% e o dos que não vão ter como quitar suas dívidas, de 10,5%.

O Código de Defesa do Consumidor contempla na Política Nacional das Relações de Consumo o objetivo de atender as necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo. O superendividamento corresponde à morte civil de um consumidor, à sua exclusão do mercado de consumo; é a impossibilidade global de o devedor, pessoa física, consumidor, leigo e de boa-fé, pagar todas as suas dívidas atuais e futuras. E é preciso dar uma resposta a esse problema social.

O aumento da margem de crédito consignado em outubro de 2020 pela medida provisória 1.006/20 – de 30 para 40%, podendo chegar a 45% com o cartão de crédito consignado, é o começo de uma bolha no mercado brasileiro. A concessão de crédito desassociada de bons programas de educação financeira é uma irresponsabilidade e o fomento do mercado de consumo por meio da concessão é artificial, tende a ensejar um agravamento da crise financeira que assola o país. É preciso lembrar que “o crescimento econômico não é um fim em si mesmo. Seu primeiro objetivo deve ser o de reduzir as disparidades nas condições de vida. Deve ocorrer com a participação de todos os agentes sociais. Isso deve resultar em uma melhoria na qualidade de vida e nos padrões de vida.” 

O Banco Mundial frisou fortemente a importância de todos os países, especialmente os com menor educação financeira e com menor empreendedorismo da população, legislarem sobre superendividamento dos consumidores pessoas físicas, de forma a evitarem o risco sistêmico de uma ‘falência’ em massa de consumidores em seus mercados, uma das causas da crise financeira mundial nascida nos EUA, com a ‘falência’ em massa dos consumidores de crédito subprime e de hipotecas.

No âmbito do Sistema Nacional de Defesa dos Consumidores é unânime o apoio à aprovação do projeto de lei 3.515/15, em trâmite na Câmara dos Deputados, que altera a lei 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor) e o art. 96 da lei 10.741, de 1º de outubro de 2003 (Estatuto do Idoso) para aperfeiçoar a disciplina do crédito ao consumidor e dispor sobre a prevenção e o tratamento do superendividamento. O projeto impõe a concessão responsável de crédito e determina a implementação de medidas de prevenção do superendividamento, por meio de programas de educação financeira.

Diferentemente do instituto da insolvência civil, o tratamento do superendividamento previsto no projeto de lei 3.515, de 2015, na forma como aprovado no Senado Federal, preserva o mínimo existencial e promove o pagamento das dívidas, mediante um plano de recuperação adequado à pessoa natural. A má-fé, ou seja, aquele que contrai dívidas sabendo que não tem condições financeiras de pagá-las afasta a proteção do superendividado.

O PL 3.515/15 é resultado do trabalho persistente e maduro de uma comissão de juristas e alicerçado sobre dois eixos fundamentais: a prevenção e o tratamento, por meio da conciliação, do superendividamento. O projeto prevê duas fases importantes para a tutela dos consumidores e a proteção do mercado. Uma fase extrajudicial, que deve ser precedida por medidas preventivas (educação financeira e proibição de publicidade de crédito), e uma fase judicial de recuperação da pessoa física. Nesta segunda fase, com a reunião de todos os credores, será possível a elaboração de um plano de recuperação da situação de superendividamento e pagamento.

A aprovação do PL 3.515/15 é fundamental para assegurar o crédito responsável, a proteção ao mínimo existencial e o equilíbrio no mercado de consumo brasileiro, mas sobretudo para que a sociedade brasileira não permaneça sem instrumentos jurídicos efetivos para a tutela na condição de superendividado. É esta a inovação na defesa do consumidor mais aguardada do ano.

Laís Gomes Bergstein
Sócia e integrante do Núcleo de Direito Civil do Escritório Professor René Dotti e secretária-adjunta da Comissão Especial de Direito do Consumidor do Conselho Federal da OAB.

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